Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

Saudade, este substantivo feminino abstrato…

Saudade, este substantivo feminino abstrato…

Gilda E. Kluppel

 

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Saudade, este substantivo feminino abstrato, inscrita com destaque em lápides para expressar o sentimento da ausência provocado pela morte; desperta sensações nostálgicas, mas não é sinônimo de nostalgia e nem de melancolia. Substantivo abstrato que revela impressões próprias, sua existência está ligada a alguém ou alguma coisa; sem as quais não pode existir e apenas se pode divagar acerca da sua definição. A palavra que inspirou os mais lindos versos e canções brasileiras. Imagine o que seria da poesia e da música se não existisse a palavra saudade grafada em suas frases ou o sentimento implícito em muitas narrativas.

Na literatura, entre as inúmeras, algumas citações, Olavo Bilac: “Saudades: presença dos ausentes”; Clarice Lispector relacionou saudade com a fome: “Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença”; Carlos Drummond de Andrade: “Sentimos saudade de certos momentos da nossa vida e de certos momentos de pessoas que passaram por ela” e Rubem Alves: “A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.”

Na música são tantas menções, na respeitável “Amélia” o refrão não deixa escapar este sentimento. Lupicínio Rodrigues trocou a felicidade pela saudade: “Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito ainda mora…”. Dalva de Oliveira se rendeu pela saudade em “Bandeira Branca” e Adoniran não esquecia a sua maloca.

Quem faz da saudade uma canção para tentar descrever esse sentimento em Roupa Nova: “Quando bate uma saudade, meu bem / Faço da saudade uma canção pra descrever o indescritível” e um samba, com João Gilberto: “Saudade fez um samba em seu lugar”.

Muita tristeza, Tom Jobim e Vinícius de Moraes e a famosa: “Chega de saudade / A realidade é que sem ela não há paz…” e “Canteiros” de Fagner, baseado num poema de Cecília Meireles: “Quando penso em você / Fecho os olhos de saudade / Tenho tido muita coisa / Menos a felicidade”.

Será possível sentir saudade de algo que não existiu? Renato Russo antecipou a saudade na esperança para o futuro: “Nessa saudade que eu sinto / De tudo que eu ainda não vi”.

Uma estrada longa para Almir Sater: “A saudade é uma estrada longa / Que hoje passa dentro de mim”.

A saudade manda recado em “Nunca” de Lupicínio Rodrigues, gravada por Zizi Possi: “Saudade, diga a esse moço…”.

Até uma comparação inusitada com um parafuso, em Raul Seixas: “A saudade é um parafuso que quando a rosca cai só entra se for torcendo porque batendo não vai. Mas quando enferruja dentro nem distorcendo não sai”.

Tanta Saudade pode engolir e matar, com Djavan: “A saudade engole a gente / A saudade engole a gente, menina…Saudade mata a gente / Saudade mata a gente, menina” e “A Saudade Mata a Gente”, de Antônio Almeida e Braguinha: “A saudade é dor pungente, morena / A saudade mata a gente, morena.”

Belas canções nas quais não aparece a palavra saudade, mas o sentimento da saudade é latente.

Em “Sabiá” de Chico Buarque: “Vou voltar, sei que ainda vou voltar / Para o meu lugar / Foi lá, e é ainda lá / Que eu hei de ouvir cantar / Uma sabiá, cantar, uma sabiá”.

Osvaldo Montenegro, em “A Lista”: “Faça uma lista de grandes amigos / Quem você mais via há dez anos atrás…”.

Em “Ronda”, considerada como uma das canções símbolo da noite paulistana: “De noite eu rondo a cidade / A te procurar sem encontrar / No meio de olhares espio / Em todos os bares você não está”.

A lembrança dos que saíram do país durante a ditadura militar, com Elis Regina, conhecido como o hino da anistia,O Bêbado e o Equilibrista”: “Meu Brasil!… Que sonha com a volta / Do irmão do Henfil / Com tanta gente que partiu / Num rabo de foguete”.

Cartola voltou ao jardim para matar as saudades: “Queixo-me às rosas, mas que bobagem / As rosas não falam / Simplesmente as rosas exalam / O perfume que roubam de ti”.

Contudo, uma das definições mais expressivas e que muitos consideram a melhor definição de saudade está na música “Pedaço de Mim” de Chico Buarque: “A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.

Saudade, substantivo feminino abstrato, possui diferentes tentativas de descrição. As impressões daqueles que expressam, pela arte, as sensações gravadas na alma; algumas mais próximas da nossa vivência no trato com a saudade. Músicas capazes de nos transportar ao passado, ajudando a preservar a lembrança dos momentos especiais. Cogitada como o verdadeiro alimento da alma, algumas músicas deixam marcas profundas e formam a trilha sonora de nossas vidas.

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