Crônicas Margarete Hülsendeger

O Yin e o Yang da Física

O YIN E O YANG DA FÍSICA

Margarete Hülsendeger

 

A única diferença entre as ciências “rigorosas” (a física, a matemática) e as “conjecturas” (a história, a moral a política) é que das primeiras podemos obter uma segurança normal para nossas provisões, e das segundas seguranças relativas, pois se conhecêssemos todos os elementos e as forças em jogo, seríamos como a divindade.

Jorge Luis Borges (Livro dos sonhos)

 

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutoranda em Teoria Literária na PUC-RS. margacenteno@gmail.com

Em 1947, aos 62 anos, um dos pais da Mecânica Quântica, o físico dinamarquês Niels Bohr, recebeu, do rei da Dinamarca, a condecoração do Cavaleiro da Ordem dos Elefantes[1], uma das mais antigas da Europa[2]. O agraciado com a honraria deve escolher um brasão que permanecerá durante a cerimônia oficial ao lado do brasão do rei, no Castelo Frederikborg. Bohr, acatando a sugestão da esposa de um amigo, escolheu o símbolo chinês do Tao, o Yin e Yang.

A essa altura você deve estar se perguntando: porque um físico, nascido na Dinamarca, escolheria um símbolo chinês para compor o emblema do seu escudo? Para esclarecer a sua dúvida, preciso explicar mais uma das “esquisitices” da Física, algo chamado dualidade.

Uma bola de futebol ao encontrar um obstáculo pode bater e voltar ou se a força do impacto for grande pode até atravessá-lo. Já a perturbação causada por uma pedra quando é jogada dentro da água, pode contornar esse mesmo obstáculo e reaparecer do outro lado. Assim, diz-se que a bola de futebol tem o comportamento de um corpo material, enquanto a perturbação provocada na água comporta-se como uma onda.

Durante muito tempo esses dois fenômenos – onda e matéria – foram considerados excludentes. No entanto, em 1905, Einstein demonstrou – usando a luz – que essa separação entre matéria e onda não era definitiva. A partir de um fenômeno chamado “efeito fotoelétrico” ele comprovou que, em determinadas circunstâncias, a luz poderia se comportar como onda e partícula.

Não preciso dizer que a ideia não foi bem recebida pelos físicos da época pois desde Newton não havia um consenso sobre qual seria a verdadeira natureza da luz. De qualquer modo, como ocorre na ciência, a hipótese de um comportamento dual da luz acabou sendo provada e não houve outra opção a não ser aceitar essa “nova” realidade.

Contudo, 18 anos depois, outro golpe seria dado na interpretação desse fenômeno. Um nobre francês, chamado Louis-Victor de Broglie, anunciaria ao mundo que toda a matéria – não apenas a luz – apresentava esse comportamento. Segundo de Broglie, um elétron – que até então era visto como uma diminuta partícula (uma bola de futebol muito, muito pequena!) – também poderia agir como onda, ou seja, encontrando um obstáculo ele o contornaria reaparecendo do outro lado.

Difícil de entender? Com certeza! Agora pense: se você em pleno século XXI tem dificuldade de aceitar semelhante ideia, imagine quando esses conceitos surgiram?

E agora, finalmente, chegamos ao Yin e Yang.

Para os que não sabem, esse símbolo representa, dentro da filosofia chinesa, duas energias opostas. Yin significa escuridão (o lado pintado de preto) e Yang a luz (lado pintado de branco). O curioso é que, para os chineses essas duas energias, apesar de opostas, são também complementares. Uma não existe sem a outra e o mais importante: é preciso encontrar o equilíbrio entre elas.

Pois bem, Niels Bohr estabeleceu o mesmo princípio para a Física. Segundo ele, um corpo pode apresentar o comportamento de partícula (matéria) e onda (energia), dependendo das circunstâncias nas quais a observação ocorre. Os dois fenômenos são complementares. Assim, o conceito da dualidade entre partícula e onda se tornou o Yin e o Yang da Física e foi esse o motivo principal para que Niels Bohr escolhesse o símbolo milenar para compor o seu brasão.

Entretanto, é preciso ressaltar que essa é uma descrição de “eventos” que ocorrem no universo quântico, aquele no qual “vivem” as partículas subatômicas. Para nós, corpos imensos, apenas uma das naturezas predomina. Por essa razão, o entendimento desses fenômenos é tão difícil: eles vão contra tudo que observamos no nosso dia-a-dia. Uma bola pode bater numa parede e voltar, pode até perfurá-la, mas contorná-la? Parece magia, mas a verdade, por mais estranha que pareça, é que isso realmente ocorre.

Yin e Yang, partícula e onda, faces opostas, mas complementares, de uma mesma moeda. A Física trilhou um longo caminho até conseguir aceitar esse conceito “esquisito” de dualidade. Hoje, a questão não é se ele é real ou não, mas como ele pode nos ajudar a compreender os meandros da matéria que constitui não só os nossos corpos, mas as galáxias. Afinal, como o próprio Niels Bohr reconhecia, “Estamos em presença de uma ideia louca. Resta saber se será o bastante para que esteja certa”.

[1] Em dinamarquês, Elefantordenen ou Den Hvide Elefants orden.

[2] Instituída, presume-se, em 1457 pelo rei Cristiano I da Dinamarca, e os seus estatutos foram aceitos e confirmados pelo Papa Sixto IV no ano de 1474.

HÜLSENDEGER, MARGARETE . O YIN E O YANG DA FÍSICA. REVISTA VIRTUAL PARTES, SÃO PAULO, 04 jul. 2016.

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