Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

O colecionador de gafes

Gilda E. Kluppel

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Quem nunca cometeu um deslize ao fazer um comentário impertinente? Depois vêm o embaraço e aquela sensação de mal-estar. Estamos, também, sujeitos às gafes do corretor ortográfico do WattsApp, sempre apressado em antecipar as palavras, colocando termos com sentido completamente diferente do que desejamos. Contudo, existem pessoas com maior predisposição em cometê-las, talvez seja o caso dos mais afoitos ao falar, quando não observam atentamente o outro ou a situação.

Pior ainda, sequer perceber a gafe praticada. E nisto ele era pródigo. Desde o tempo da escola, sempre agia de modo apressado, respondendo as questões das provas rapidamente, para se livrar do “incômodo”. Consequentemente apareciam algumas frases estranhas, tais como: “A Terra é um dos mundos mais conhecido pelos extraterrestres”, “acontece um grande avanço regressivo da doença” e “a Proclamação da República do Brasil foi descoberta em quinze de novembro de 1889”.

Depois de formado, tarda para conseguir o primeiro emprego. Na tentativa de agradar, equivoca-se com a entrevista, ao tratá-la como um bate-papo descontraído entre amigos. Comenta sobre a sua dificuldade em acordar cedo e também refere-se ao mês das férias como o melhor mês do ano. Além de levar e mostrar as fotos de suas viagens para o entrevistador. Durante uma entrevista, recebe a aguardada ligação de um amigo, que prometeu agendar um horário em outra empresa, mais atrativa. Atende a chamada em frente ao entrevistador. Não obteve a vaga de trabalho em nenhuma das duas empresas.

Após inúmeras buscas, arruma uma colocação no mercado de trabalho. Ao perceber que o dono da empresa é chileno, para causar boa impressão, tenta falar espanhol, mais para portunhol, entre estoy muy bien para o cargo, mucho respeto, mucho trabajo, mucho compromiso e para tudo usa mucho. O chefe chileno considera divertido os patinazos de sua entrevista e o contrata. Despediu-se feliz, com muchas gracias.

Ao sair com a família, a esposa e os filhos esperam pelos supostos deslizes que estão por vir. A mulher acostumou-se a cutucá-lo, algumas vezes até o chuta levemente, por debaixo da mesa, na esperança de que ele se cale. O maior problema, a fala incontida, parece que estar com a boca em movimento causa uma grande satisfação, assim ao falar, muitas vezes sem pensar, impropérios são pronunciados.

Ele ultrapassa os limites dos deslizes considerados comuns, por exemplo, perguntar para uma mulher, que está com alguns quilos a mais: quantos meses de gravidez? E também atribuir mais idade a uma pessoa. Perdeu a conta dos demasiados atos falhos, porém, nunca aprendeu a permanecer em silêncio em determinadas ocasiões.

Entre tantas gafes, uma das maiores aconteceu na festa de aniversário de seu chefe. Enquanto o chefe discursa, enaltecendo o casamento de mais de trinta anos, ele, embalado por várias doses de uísque, solta o verbo: “Mas que burro!”. A mulher e os filhos, ruborizados, não sabem onde vão se esconder. Ele nem ligou, não queria perder a piada. Ainda, na mesma festa, ao encontrar um ex-colega da universidade, disse: “Cara, o que aconteceu com os seus cabelos?”. E meio sem jeito, o ex-colega calvo, com o olhar fulminante e irônico, responde: “já você não mudou nada!”. Dessa vez, sentiu-se tal qual o maior mal-educado da festa.

Ultimamente a esposa empenha-se em fornecer conselhos e dicas, a fim de transformá-lo em um homem mais gentil. Seguindo a máxima de que “gentileza gera gentileza”, anima-se com a possibilidade de tornar-se uma pessoa mais agradável, por meio de pequenos gestos de amabilidade. Substituir as suas piadinhas e gracinhas por um cumprimento, um bom-dia para o porteiro do prédio, priorizar a passagem para idosos e gestantes, segurar a porta do elevador para as pessoas, entre outros.

Seguindo o roteiro da amabilidade, ao entrar em um ônibus lotado, observa uma mulher grávida em pé e uma jovem sentada no banco preferencial. Mais uma chance para exercitar a gentileza, tão desejada por sua mulher. Dirigiu-se à jovem: “moça, por favor, ceda este lugar para a grávida, não é o assento adequado para você sentar”. Ela respondeu: “É adequado para deficientes físicos!”. Depois, avista uma muleta ao lado do banco. Envergonhado, como dizia a sua avó, com a “cara de tacho”, desce no primeiro ponto após o ocorrido. Percebe que, para chegar em casa e em mais algum lugar, ainda tem um longo caminho para percorrer…

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