Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

O fotógrafo virtual

O fotógrafo virtual

Gilda E. Kluppel

 

Um fotógrafo e praticante de surf, após superar uma grave doença, aventura-se em regiões de conflito no Oriente Médio. Apresenta fotos com ângulos incríveis, expostas em vários meios de comunicação, no Brasil e também em outros países, munido da suposta boa intenção de alertar a sociedade para o horror da guerra. Diante desse cativante percurso de vida, possuía cerca de cento e vinte mil seguidores no Instagram. Uma bela história, porém falsa. Um indício de que, em tempos de fake news, não apenas as notícias podem ser falsas, mas também o fotógrafo.

Recentemente circulou a notícia sobre o falso fotógrafo. Foram quase dois anos da farsa criada na internet, ainda rendeu ganhos financeiros com a venda de fotos que não lhe pertenciam. Talvez, esse devaneio foi por ele arquitetado em um único local, sentado em uma poltrona da própria casa. Contudo, ganhou ares de veracidade com o fascinante personagem que viajava pelo mundo.

Resgatada a verdade, permanecem os questionamentos. Qual a verdadeira identidade do pseudo fotógrafo? Afinal, nem as fotos que ele apresentava em seu perfil eram reais, foram roubadas de um inglês de trinta e dois anos. Poderá responder por crime cibernético, mas difícil será encontrar o seu paradeiro. Logo depois de descoberta a farsa, com a polícia no seu encalço, o perfil e as formas de contato que mantinha desapareceram.

No universo online, mortais são capazes de realizar os seus sonhos. Conectado num mundo imaginário que reflete uma realidade diferente, mais agradável daquela vivida. Resta escolher o corpo e decidir onde e como viver, ao criar um personagem, com nome, fotos e uma bela história de vida. Assim, fantasiado de um fotógrafo galã, ele interagiu e namorou com várias mulheres, sem ao menos conhecê-las pessoalmente.

Será que esse sujeito tem consciência da distância entre as duas dimensões e consegue percorrer pela virtualidade sem perder a conexão com a realidade? Ele possui o hábito patológico de mentir no seu dia a dia também, ou a mentira fica restrita apenas à esfera virtual? Pode até ter gerado outro personagem encantador e continua, no submundo da internet, enganando as pessoas. Acostumamos a conviver em dois planos, real e virtual, porém, diante desse caso, prevalece a dúvida: quantos personagens, concebidos em uma mente de imaginação fértil, transitam pelas redes sociais?

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

A sociedade, ansiosa pela ilusão, cede mais facilmente ao apelo de uma mentira do que a de uma verdade sem glamour, atraída pelos personagens de sucesso, com perfil épico, distante da vida cotidiana e talvez considerada monótona. Torna-se agradável crer na história do fotógrafo que, após a superação de uma doença grave, realiza ajuda humanitária em regiões de conflito e ainda surfa em belas praias. Aparentemente, além de serem enganadas, as pessoas precisam acreditar na figura heroica. Ao venerar esses personagens, de valores fantasiosos, renega-se a vida real a um segundo plano, uma subcategoria de vida.

Enxergamos o que acontece em nossa volta ou está prevalecendo sempre o olhar atento para a pequena tela? Percebe-se nitidamente o fascínio pelo mundo virtual, capaz de acarretar mais prazer neste modo de comunicação. Torna-se, cada vez mais comum, interagir com o celular, ao invés de conversar presencialmente com outras pessoas. Isto ocorre em locais públicos e também em ocasiões particulares, em reuniões familiares ou de amigos, frequentemente encontram-se aqueles, alheios ao que está acontecendo, com a atenção voltada para o celular.

Num passado recente poderíamos imaginar algo tão surreal? As pessoas, andando por todos os lados, com o olhar grudado num aparelho. Não se trata de desconsiderar o mundo virtual e voltar ao tempo em que a comunicação estava restrita aos papéis e ao telefone, mas se corre o risco de perder um tempo precioso com informações e criaturas fictícias, sem nenhum rastro de humanidade. Um sinal de que ainda se necessita aprender mais sobre a realidade virtual e as inúmeras consequências, algumas sequer conhecidas, que podem afetar efetivamente as nossas existências.

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