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Entrevista com a professora Dra. Margarita Barretto

 

Por Ana Marina Godoy

Entrevista com a professora Dra. Margarita Barretto
Por Ana Marina Godoy
publicada em 19/06/2006

publicado originalmente como www.partes.com.br/entrevistas/entrevistas7.asp

home page da professora Dra. Margarita Barretto:
www.floripaturbo.com.br/~barretto
e-mail: barretto@floripaturbo.com.br

Com tantas atividades, evidenciadas em publicações, aulas, eventos científicos, entre outros, utilizamos este espaço para valorizar a contribuição da professora Dra. Margarita Barretto à Revista Partes: agradeço ter aceito o convite e responder as perguntas que seguem.



Revista Partes (RP) – Boa noite, professora!

RESPOSTA: Boa noite, Ana; um prazer poder trocar ideias contigo.

RP – Desde a minha faculdade tive a sua pessoa como um mito. Eram comuns frases como “Hoje vou ler a Margarita Barretto a fim de me preparar para a prova de segunda-feira”, ou “A Margarita Barretto não acredita neste conceito de Turismo de Negócios”. Ao mesmo tempo em que tinha tanta “intimidade” com o seu nome e com suas obras,  a professora me parecia alguém a quem eu nunca teria acesso, tamanha a importância que suas pesquisas tiveram na minha formação com turismóloga (na UFPR). E, agora, a vida me presenteia com a oportunidade que estou tendo: ser sua aluna no mestrado em Turismo (na UCS-RS)! Continuo em posição de fã e é com este – nada objetivo – sentimento que produzo tal entrevista: é um prazer poder conhecê-la e quero divulgar um pouco aos internautas a pessoa – além da pesquisadora e docente – coerente e com valores realmente caros.

RESPOSTA: Pelo menos você não perguntou se eu ainda estava viva, conforme conta o Prof. Luiz Trigo falando dos seus alunos. Outros pensam que sou muito velhinha…..

RP – Qual a formação acadêmica da professora? É formada em Turismo ou em área afim?

RESPOSTA: Eu comecei a minha formação em 1970 na Faculdade de Ciências Humanas e Educação, no Uruguai, que foi fechada pelos militares no golpe de estado de 1973. Instalada no Brasil a partir de 1978, após um período na Argentina, onde morava a família do meu pai, decidi estudar algo mais instrumental; optei assim pelo bacharelado em turismo da PUC de Campinas. Meu diploma é o de Bacharel em Turismo, no entanto trago um back ground importante dos meus anos nas ciências humanas.

 

Ana Marina Godoy

RP- Em sala de aula a professora frisa que existe diferença entre turismologia e a prática (mercadológica) deste. (me corrija se eu estiver errada, por favor!) Pode expor isso aos nossos leitores?

RESPOSTA: A turismologia é o estudo do fenômeno turístico enquanto fato social (no sentido dado a esta expressão por Durkheim no século XIX). O turismo é o fenômeno em si.
São suas coisas diferentes: o fenômeno e o estudo do fenômeno. Isto transladado para a vida acadêmica significa que os cursos deveriam diferenciar claramente o que é a formação para trabalhar no mercado turístico (constitutivo do fenômeno social) e a formação para estudar este fenômeno.

RP – Qual a sua opinião sobre a regulamentação da profissão de turismólogo?

RESPOSTA: No momento atual isso seria uma tragédia. Chama-se turismólogo ao bacharel de turismo, e não todos os bacharéis em turismo são estudiosos do turismo (ver na etimologia o que significa o sufixo “logo”). Infelizmente mais de 90% das IES (Instituições de Ensino Superior) que formam “turismólogos” são particulares e não dão a devida atenção ao conteúdo e aos estudos universitários. É comum saber de pessoas que adquiriram o diploma de bacharéis em turismo sem ter lido um livro completo durante toda a sua carreira universitária. Os cursos de bacharelado em turismo tem se transformado em venda de diplomas, despojados de qualquer conteúdo. No máximo, eles oferecem conteúdos técnicos instrumentais. Conversava há 15 dias atrás com pessoas da Embratur e eles me relatavam que, das instituições conveniadas na atualidade com eles, apenas os bacharéis enviados pela Univali, de Santa Catarina demonstravam ter algum conhecimento teórico de turismo. Isto é muito grave, porque atesta mais uma vez que as faculdades não estão dando a formação necessária aos estudantes.

RP- Por que escolheu trilhar a carreira acadêmica? Foi uma escolha planejada?

RESPOSTA: Não. Quando optei por cursar Turismo já era mãe de dois filhos e queria um diploma que me instrumentalizasse para o campo do trabalho fora dos muros universitários, visto que a minha primeira escolha tinha sido esmagada pela ditadura. O que significou a ditadura na minha geração não pode ser entendido muito facilmente por vocês, nascidos depois desse período.
Acontece que um professor de história da arte me instigou a pesquisar cultura, e essa foi a minha perdição. Reencontrei meu caminho e já no primeiro ano de faculdade estava inteiramente voltada para academia. Imediatamente me convidaram para trabalhar no museu da universidade, onde passei seis maravilhosos anos, fiz experiências maravilhosas de educação popular, educação patrimonial. Fiz um livro a respeito que agora estou disponibilizando pela internet, já que o contrato com as editoras expirou. Minha vida acadêmica é uma jogada do destino. Comecei na academia, tentei sair dela, e ela novamente me atrapou. Para minha felicidade. Simplesmente não me imagino fora da academia.

RP- Para a professora, o que um turismólogo que pretende ser professor de Turismo deve ter? Quais características, interesses, o que pode esperar dessa profissão (no Brasil e no mundo)?

RESPOSTA: Deve ler muito estudar muito sobre a sociedade pretérita e contemporânea. O turismo é um fenômeno social totalmente condicionado por fatores externos. Para entender minimamente o que acontece no turismo é preciso entender minimamente o que acontece na sociedade mais ampla e entender as condicionantes histórico culturais destes acontecimentos. O turismólogo deve decidir se quer ser professor de turismologia (do estudo do turismo) ou se quer ser professor de turismo (ensinar a trabalhar no mercado de turismo). No primeiro caso, ele precisa aprofundar nas ciências sociais, desde que o turismo é um fenômeno social. No segundo, precisa pesquisar o que acontece em nível de mercado, as trocas, o que acontece na economia nacional e internacional, nos sistemas econômicos que regem o mundo e as relações de trabalho. Que fique claro que são duas escolhas que demandam duas condutas.

RP- Quais as linhas de pesquisa da professora? Em quais estudos concentra esforços?

RESPOSTA: Minha carreira acadêmica começou pesquisando a relação entre turismo e patrimônio, linha que sigo até agora. Minha paixão é o passado histórico. Na atualidade estou pesquisando as interfaces do turismo com outros fenômenos sociais, na absoluta convicção de que o turismo depende de conjunturas e estruturas mais amplas, que não são levadas em conta pela maior parte dos pesquisadores. Uma das interfaces que mais tem chamado a minha atenção tem sido a do turismo com as migrações. Estas últimas foram o meu tema de pesquisa no doutorado e agora percebo a enorme quantidade de interfaces que tem com o turismo.

RP- Além de atuar no mestrado em Turismo na UCS, a professora está pesquisando migrações. Essa vontade, ideia e empreitada nasceu a partir da sua história pessoal? Ou não?

RESPOSTA: Sem dúvida. O fato de ser imigrante me levou a tentar entender o fenômeno das migrações. Estudando este último, encontrei bibliografia que agrega turismo e migrações dentro de um marco maior, o do deslocamentos humanos. Há inclusive dois centros no mundo que especificamente trabalham o tema, um é dirigido por C.Michael Hall, na Nova Zelândia e outro por John Urry, na Universidade de Lancaster, na Inglaterra. Espero, com o tempo, poder ter um centro similar no Brasil. Acho que a partir do meu grupo virtual CulTuS (Cultura, Turismo e Sociedade) que pode ser visitado em www.ucs.br/pos/cultus estamos trilhando o caminho.

RP- Como uruguaia, se sente bem acolhida em terras brasileiras? Alguns costumes e posturas (não) chocam a professora?

RESPOSTA: Durante os anos em que morei no estado de São Paulo, na cidade de Campinas, sempre me senti muito respeitada na minha condição de imigrante. Em Florianópolis, já as coisas mudaram e é ai que a minha vida pessoal me leva a pesquisar as interfaces. Os turistas argentinos e uruguaios que tem vindo para Florianópolis nos últimos 20 anos tem deixado uma marca muito peculiar. Não vou entrar em detalhes agora. Meu sotaque fez com que eu fosse sempre confundida com uma turista e aqui senti por primeira vez a xenofobia. Quando estou acompanhada dos meus filhos ou de algum “lusofalante” e entro numa loja, peço para eles falarem… Só depois de concretizadas as negociações, é que eu abro a boca…. Desta forma não sou explorada nem maltratada……

RP- A professora é mãe, também, não é?!

RESPOSTA: Tenho dois filhos, uma filha e um filho.

RP- Como mãe, o que passa como “conselhos de ouro” aos seus filhos?

RESPOSTA: Que estudem bastante e leiam o máximo possível de livros científicos.

RP-  Ainda quanto às suas pesquisas atuais, mais especificamente a de migrações, qual o intuito maior desta? Tem apoio financeiro de quais instituições?

RESPOSTA: O intuito maior da pesquisa da interface entre turismo e migrações é tentar entender como estes dois fenômenos estão intrinsecamente ligados e como não se pode entender ou legislar sobre um, sem pensar no outro.
Isto leva à necessidade de repensar todos os sistemas de alfândegas, de controles de fronteiras, etc.
As instituições federais, como Capes e CNPq na atualidade não estão dando apoio para pesquisas na área de turismo. Os projetos que são exclusivamente da área de turismo estão sendo sistematicamente rechaçados nestas agências, independentemente do mérito dos pesquisadores. A alegação é sempre que não são projetos prioritários. Somente são aprovados aqueles que têm alguma interface com comunicações, que é uma área bem representada nas agências. No CNPq não há ninguém na área de turismo nas comissões que avaliam projetos de turismo. O problema é semântico. Se falássemos em turismologia provavelmente isto mudaria. Concordo que “estudar turismo” parece brincadeira. Turismologia já parece algo mais sério. E é.

RP- A editora Papirus tem uma coleção que é dirigida pela senhora, não é verdade? Qual a proposta da coleção? Desde quando existe? Está em qual volume?

RESPOSTA: Eu criei essa coleção em 1995, instigada pelo dono da Papirus, Milton Cornacchia, que faleceu pouco depois, aos 44 anos, de um infarte fulminante e não pode sequer desfrutar do sucesso da mesma. A proposta é veicular produção nacional com certo nível de excelência. Temos agora 24 volumes publicados. É pouco se considerarmos o tempo e a quantidade de títulos publicados por outras editoras. Mas nós exigimos que o autor e a obra tenham determinadas qualificações. Tanto que precisamos deixar alguns autores estrangeiros em temas nos quais não encontramos nenhum autor nacional.

RP- Qual é o próximo livro da professora? Já possui previsão para lançamento?

RESPOSTA: Estou trabalhando em dois livros. Um é individual, e é sobre as interfaces entre cultura e turismo e outro é especificamente sobre antropologia é turismo. Este último será uma coletânea, com outros autores, entre os quais se destaca o estadounidense Nelson Graburn, um dos maiores antropólogos do turismo do mundo.

RP- Mudando um pouquinho de foco: qual deve ser o ideal, a vontade e a postura do turismólogo no Brasil de hoje? O que falta e como fazer (acontecer)?

RESPOSTA: Primeiro deve ser separado o turismólogo do bacharel em turismo. O turismólogo é o pesquisador que estuda turismo, a partir de qualquer referencial teórico. Um geógrafo pode ser um turismólogo, um antropólogo também. Há muitos bacharéis em turismo que não são turismólogos. Não estudam o turismo. Foi um grave erro propor que os bacharéis em turismo fossem chamados turismólogos. O que falta é dividir os cursos que vão ensinar estudar turismo dos cursos que vão ensinar como trabalhar na área de turismo e separar conceitualmente as áreas. Deve ser apresentado um projeto ao Ministério de Educação-MEC, para que isto fique devidamente registrado.

RP- Por favor, fique à vontade para registrar o que mais quiser.

RESPOSTA: No ano de 2004 lancei um livro, em coautoria com Elizabete Tamanini e Ivonete Peixer da Silva denominado Discutindo o Ensino Universitário do Turismo. Nele deixo bem claro que entendo que deve haver cursos específicos para preparar pessoas para trabalhar no setor de turismo e que estes cursos devem ser técnicos. Entendo que os cursos universitários devem estar destinados a PENSAR o turismo como fenômeno social. Não existe no Brasil o curso universitário de turismo que eu idealizo. Outrossim, acho que é necessário que a Academia, de um modo geral não continue a ver o Turismo como um objeto indigno de ser pesquisado. A Antropologia e a Geografia têm muito a aportar, mas são poucos os pesquisadores que se interessam, embora a cada ano há mais pessoas nos congressos e similares. Por outro lado, não se pode continuar mais com estudos maniqueístas. O turismo é bom o é ruim. Já Jafar Jafari escreveu há 15 anos que precisamos superar as plataformas de defesa e de advertência para passar à plataforma do conhecimento. O turismo não é nem bom nem ruim, é um fenômeno com vários aspectos, bons e ruins que dependem de circunstâncias históricas estruturais e conjunturais.

RP- Muito obrigada, professora, por esta entrevista. Foi uma verdadeira honra.

RESPOSTA: Obrigada pela oportunidade.

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