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ENTRE A GENIALIDADE E A LOUCURA

Sentir-se louco é sentir que de algum modo você já não pertence à espécie humana.

Rosa Montero

Margarete Hülsendeger

Rosa Montero é uma escritora espanhola conhecida por sua versatilidade literária e que ganhou destaque não apenas por suas habilidades na escrita, como também por sua incursão em assuntos que abrangem desde a psicologia até a ficção científica. Recebeu, entre outras premiações, o Prêmio Nacional de Jornalismo da Espanha, em 1980, e o Prêmio Nacional das Letras Espanholas, em 2017, consolidando-se como uma das autoras mais proeminentes do cenário literário contemporâneo. Suas obras, como A louca da casa (2003), História do rei transparente (2005) e A ridícula ideia de não voltar a te ver (2013), demonstram sua capacidade de explorar uma ampla gama de temas de forma envolvente e profunda.

Em O perigo de estar lúcida[1], Rosa Montero mais uma vez exibe sua habilidade única de mesclar ficção e realidade, oferecendo uma análise minuciosa da relação entre criatividade e instabilidade mental. Ao examinar figuras como Virginia Woolf, Sylvia Plath, Vincent van Gogh e Charles Bukowski, Montero nos oferece uma visão ampla de seus trabalhos, nos convidando a entender melhor os desafios que enfrentaram em suas vidas pessoais. Ela explica que, após conversar com diversos colegas escritores, percebeu a existência de um padrão que se repete continuamente: “a grande maioria dos narradores teve uma experiência muito precoce de decadência e perda”. Montero cita como exemplos Joseph Conrad e Simone de Beauvoir, que muito cedo viram-se obrigados a enfrentar a morte dos pais (no caso de Conrad) ou a perda da estabilidade financeira (no caso de Beauvoir). Essa abordagem humanizadora não só enriquece nossa compreensão desses artistas, como nos leva a questionar nossas próprias noções de genialidade e loucura.

Ao explorar as vidas e obras de grandes nomes da literatura e das artes em geral, Montero reflete sobre as complexidades da mente humana e sobre os desafios enfrentados pelos indivíduos que habitam as fronteiras da normalidade e do delírio. Sua análise perspicaz nos leva a repensar nossas concepções tradicionais do que é “normal” e a reconhecer a complexidade da mente humana. Nesse sentido, ela menciona uma pesquisa realizada pelo Departamento de Psicologia da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, publicada em 2018, que afirma que a normalidade não existe porque o “conceito de normal é uma construção estatística derivada do mais frequente”. Assim, segundo ela, no fundo, todos somos “esquisitinhos”.

Outro aspecto interessante da obra de Montero é seu talento em contextualizar o processo criativo em um cenário mais amplo, abordando não apenas as questões individuais, mas também os fatores sociais e culturais que influenciam a criação artística. Isso nos permite entender melhor como a criatividade é moldada por nosso ambiente e como ela pode ser tanto uma forma de resistência quanto uma forma de expressão dentro de uma sociedade. São inúmeros os exemplos de escritores que utilizaram a escrita para exorcizar seus demônios ou os que se valeram das drogas, em especial o álcool, para atingirem aquele ponto no qual a realidade é subvertida pela imaginação. Frases como: “Porque, se deixar de escrever, eu morro” (Ray Loriga, escritor espanhol), “Escrever é um dom e uma doença. Fico feliz de ter me contagiado” (Charles Bukowski, poeta estadunidense), ou, ainda, “Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente minha própria vida” (Clarice Lispector), ilustram a crença de que escrever impede, o que Montero chama de “crise de despersonalização”, ou seja, o mergulho na loucura.

No entanto, apesar de sua riqueza de conteúdo e de suas reflexões provocativas, O perigo de estar lúcida não está isento de críticas. Alguns leitores podem considerar que a abordagem da autora é um tanto superficial em determinados momentos, deixando questões importantes sem a devida profundidade. No entanto, é preciso lembrar que Rosa Montero não é neurocientista ou psiquiatra, mas jornalista e escritora. Entender isso nos ajuda a aceitar o livro pelo o que ele é: uma viagem pela mente humana, seguindo o itinerário estabelecido pelos livros e artigos lidos pela autora ao longo de três anos e, é claro, pelos seus próprios interesses pessoais. Como ela escreve, “quanto mais você gosta da ideia daquilo que vai escrever, mais medo tem de não estar à altura da sua musa. A obra está sempre à espreita, assim como a loucura. A questão é saber quem acaba ganhando”.

De qualquer modo, O perigo de estar lúcida é uma obra que transcende os limites do gênero, oferecendo uma análise abrangente e sagaz da relação entre criatividade e instabilidade mental. Com sua prosa envolvente e sua abordagem sensível, Rosa Montero nos encoraja a explorar os mistérios da mente humana e a celebrar o poder da imaginação.


[1] MONTERO, Rosa. O perigo de estar lúcida. Tradução Mariana Sanchez. São Paulo: Todavia, 2023.

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