Cultura Poesias

Todos voltaram, menos eu

Jean Ricardo Medeiros de Souza, 27 anos é natural de Porto Velho-Rondônia. Poeta, professor, escritor, interventor urbano. Autor de poesias, crônicas, teatro… Publicou recentemente pela editora da Universidade Federal de Rondônia – Edufro, o livro: “Ainda viro tua página/ E tombo contigo/ Na próxima esquina!” Um recorte a partir dos seus dez anos de trabalho com a palavra. Graduado em Letras (Português) pela mesma instituição de ensino. Guerreiro da linha de frente, com muita bala na agulha para encher os olhos de qualquer general das boas ideias.

Jean Ricardo

 

 

Deus me quer aqui,

aqui estou eu…

Segurando a pasta amarela.

Carregado por documentos.

Pronto pro que vier

e der

Talvez,

mais dar do que vir.

Mas deixemos o porvir

pro anjo guardar,

por enquanto,

assinemos o ponto:

13 de janeiro de 2006

eis-me aqui…

ordenado por Deus,

urgido por vossas mãos,

a cabeça azeda dos capacetes

coletivos!

companheiro único

dos bancos desta praça!

 

“Muito prazer,

ainda não conheci

vossos irmãos.

Praça amiga…

em breve conhecerei

vossas manas.

Pode deixar,

trarei grãos para alimentar

os pássaros

e o que puder,

farei pelo restante dos bichos

e insetos.

Prometo – apesar do instinto –

jamais colher as flores,

palavra de flor…”

 

Outras praças choraram.

Outros bancos sentiram minha falta.

Mas no fundo entenderam,

que faço isso,

pelo bem

das pedras e dos bichos

que sou a Natureza.

Através dos pássaros

mandarei notícias pelos espaços

 

“Borboletas queridas,

não voarei para muito longe,

em breve voltarei…

conservem as cores de vossas asas,

comprometo-me com os presentes:

levarei pó de estrelas

que para vocês,

são como o verniz da barata…”

 

Vejo a mulher,

conversar com os cachorros,

só ela e eu,

entendemos o que eles dizem:

não querem comer,

queixam-se dos carrapatos,

suas irmãs e filhas estão presas

por usarem as presas:

‘Morderam o vizinho

e o homem do gás…’

Diz-me a senhora

que como eu,

conversa com os animais…

 

Acabo de sair

da delegacia

da educação:

‘O quadro está fechado,

mas precisamos de você aqui…

-manda fulano de volta!-

pelo jeito,

esse ama as boas letras

seja bem vindo professor.’

Lecionarei artes

e técnicas de redação

no poeta Gonçalves Dias

que é uma escola

estadu(mundi)al

de ensino m…

superior fundamental!

 

Todos voltaram,

menos eu.

O que posso fazer?

De tudo tentei:

falei com os homens

Que inventaram essa guerra

Disse-lhes

Que de onde vim

posso atingir o alvo

com a mesma precisão

mesmo estando desenhado

nesse chão,

que com palavras

também se luta,

que sou mais útil fazendo versos

e que este mesmo verbo

tem o poder de matar e

(o que é mais importante)

ressuscitar os homens.

 

De nada adiantou,

eis o front,

estou de frente…

Avante!

sigo adiante

Meus calcanhares me levam para trás

Não corri!

Apresentei-me

marcado o dia e a hora

do combate

lutarei

por enquanto

regressarei ao lá

despedir-me-ei da família

direi,

que lá onde os estrondos fazem cadáveres

meus ouvidos estalaram em paz

Crianças,

sois sabias

para que fogos como artifício?

Adultos imbecis,

que beleza em flamejar os céus

arriscando as ásperas telhas

das casas de fósforos

de palitos cabeças de pólvoras?

não vos bastam o crispar

dos raios de sol?

Regressarei…

Regressarei ao quartel general destas mãos

Onde eu mesmo

sou meu próprio exército

soldado e capitão

buscarei as armas necessárias

de que preciso

Voltarei

Jamais correrei

Mesmo se sonho exigir

Mesmo se pernas se destacarem de mim

Amputado marcharei

Não correrei

Voltarei

Reapresentarei-me

No dia e data marcado

Preciso apenas desse encontro

Para acabar de vez com essa guerra.

 

Jean Ricardo

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