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A Educação Digital – Entrevista com a Dra. Carolina de Aguiar Teixeira Mendes

A Educação Digital
Entrevista com a Dra. Carolina de Aguiar Teixeira Mendes
publicado em 19/08/2006

  1. Quem é Dra. Carolina de Aguiar Teixeira Mendes? Qual sua trajetória profissional e por que motivo se interessou pela Educação Digital?
Carolina de Aguiar Teixeira Mendes é advogada e consultora em Direito e Educação Digital.

Sou advogada e consultora em Direito das Novas Tecnologias na cidade São Paulo. Também sou articulista em vários meios de comunicação, escrevendo sobre assuntos referentes ao Direito Digital em geral, Direito do Trabalho, Segurança da Informação e Educação na Era Digital. Minha experiência internacional nos Estados Unidos e Canadá como Assessora Executiva e Jurídica do CEO/Presidente e do VP de Marketing e Vendas na rádio virtual Soundbeat Radio e na gravadora Soundbeat Records, em Montréal, me proporcionaram a oportunidade de aprofundar-me nas áreas de Tecnologia, Marketing e Direito da Propriedade Intelectual. Também já trabalhei no escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados, mantendo hoje parcerias com outros escritórios especializados em Direito Eletrônico, inclusive fora do país. Sou diretora da ONG canadense “Council of Advocates International” e membro da suíça/americana “Internet Society” (ISOC).

Comecei a me interessar pela Educação (na era) Digital quando percebi que crianças e adolescentes estão desamparados quanto à orientação do uso seguro e correto da Internet. Fui estudando o assunto de forma multidisciplinar, conhecendo sobre Psicologia, Educação, Segurança da Informação, Filosofia e, claro, o Direito.

Hoje sou  colunista nos periódicos “Klick Educação” e “Brasil Escola”, e atualmente escritora de livro relacionado à Educação na Era Digital, como guia para pais e educadores. Também sou associada às organizações americanas NetFamilyNews, Inc. e Wired Safety, Inc., além da portuguesa MiúdosSegurosNa.Net. Cursei o programa iSafe, da i-SAFE America, Inc., projeto de educação em segurança na Internet, promovido pelo Departamento de Justiça americano. Ministro palestras no Brasil inteiro sobre segurança, privacidade, propriedade intelectual, ética e cidadania digital para pais, professores, crianças e adolescentes.

  1. Quais são os perigos que nossos jovens estão sujeitos ao ficarem “on line”?

Os perigos são vários. Problemas com Orkut, pedófilos online à procura de vítimas, crackers, cyberbullying, conteúdos inapropriados a menores, desinformação sobre as consequências legais do mau uso da Internet, crimes cometidos sob a falsa impressão de anonimato, inabilidade de pensamento crítico quanto a informações falsas e verdadeiras disponíveis na rede, plágio, pirataria, e até uso indevido de marcas são situações corriqueiras que podem colocar crianças e adolescentes em risco.

  1. A família exerce um papel fundamental neste processo?
Gilberto da Silva Jornalista e sociólogo

Absolutamente! Os pais desempenham papel importante na educação, mas muitas vezes se sentem perdidos em meio a tantas inovações tecnológicas, sem saber quais os limites a serem impostos, ou mesmo sem terem real conhecimento dos perigos que seus filhos correm em virtude da descontrolada exposição online. É dever dos pais proteger aos filhos e, na sociedade digital, eles não têm outra opção a não ser começar a se interessar por tecnologia, aprofundando-se no assunto, para poderem instruir e acompanhar aos jovens de maneira adequada. Deve haver monitoramento, por exemplo. Não adianta só colocar filtros de conteúdo no computador porque não há filtro que funcione 100%. Por isso os pais devem assumir a responsabilidade que possuem em proporcionar uma sólida educação de valores.

  1. Você acha necessário uma lei que discipline o uso/acesso da internet nas escolas?

Não acho que seja necessária uma lei, mas apenas a conscientização das escolas quanto aos perigos que os alunos estão correndo pela descontrolada exposição online, além da responsabilidade legal que pode recair sobre a escola por negligência ou imprudência.

No ambiente escolar, sugiro a elaboração de políticas de uso da Internet. Já em casa, a família deve manter um acordo de uso da Internet, o qual deve ser respeitado por todos os membros. Estas seriam as “leis” necessárias.

  1. Nossos professores sentem-se preparados para lidar com esta questão?

A maioria não se sente preparada. Há um ou outro que já percebeu a necessidade da existência da disciplina na escola, mas são ações isoladas e incompletas. Há colégios que ministram aulas de “Netiqueta”; outros, fazem o trabalho de conscientização sobre o cyberbullying; e ainda há aqueles que se esforçam para explicar as consequências legais do mau uso dos meios digitais. O ideal seria uma disciplina que abordasse todos os aspectos: segurança, privacidade, propriedade intelectual, cidadania e ética digital. Se não dermos a devida atenção a este novo tipo de educação, as crianças de hoje serão os adultos confusos, perdidos e desinformados de amanhã.

  1. O que você entende por “sociedade da informação”?

Sociedade da Informação é aquela cuja cultura e economia dependem essencialmente da tecnologia, da comunicação e da informação. Todos compartilham o conhecimento baseados nas informações que possuem. Todo mundo participa de alguma maneira e a tecnologia facilita em muito este processo. O problema é que somos bombardeados com tanta informação que muitas vezes nos vemos perdidos e assimilando pouco. Devemos nos organizar. Outro perigo é não se esforçar em distinguir fatos, boatos e opiniões. O ser humano está muito passivo em relação às informações e deveria assumir postura mais ativa, selecionando as informações que mais lhe interessam, bem como confirmando a veracidade do que se é dito por aí.

  1. Basicamente, em que consiste o projeto Educação Digital”?

O projeto consiste em palestras e cursos ministrados por mim, cuja finalidade é instruir pais, professores, mantenedores de escolas, crianças e adolescentes sobre o uso seguro e responsável dos meios digitais. Abordo aspectos de segurança, privacidade, propriedade intelectual, cidadania e ética digital, em linguagem multidisciplinar (Psicologia, Educação, Segurança da Informação e Direito).

  1. Na sua opinião, quais são os “males digitais”?

A falta de educação quanto ao correto uso das novas tecnologias. Só isso. Porque a tecnologia é maravilhosa e facilita em muita nossas vidas. Ocorre que as pessoas não estão sabendo como utilizá-la de maneira segura, preservando a privacidade, respeitando a propriedade intelectual, e agindo de maneira ética e civilizada.

  1. Em alguns artigos publicados na Revista P@rtes você fala em assédio digital. Em que consiste e como é possível identificar uma situação de assédio?

Assédio digital é apenas a versão portuguesa da palavra “cyberbullying”, tendo em vista que o assédio ocorre através dos meios digitais. É um exemplo de velha conduta em novo meio, porém com consequências ainda mais graves que outrora. Ocorre quando um aluno persegue e humilha ao outro no ambiente digital (Blogs, Orkut, mensagens de texto por celular, etc.), o que pode causar muito mais danos que o assédio na vida real, tendo em vista as pessoas serem mais cruéis nos meios digitais. É dever da escola manter uma política contra o “cyberbullying”, bem como instruir adequadamente aos alunos quanto às consequências para o assediado e para o assediador.

  1. Que recomendações, em linhas gerais, você daria para as escolas?

Há muito o que se falar e é por isso que estou escrevendo um livro sobre o assunto. Então, “em linha sgerais”, pediria que esperassem o lançamento da obra que trata especificamente do papel do educador na era digital. Enquanto isso, continuamos a oferecer as palestras que abrangem vários dos tópicos tratados no texto.

  1. Orkut traz mais benefícios ou malefícios para os alunos?

É difícil dizer. Depende de quem está usando e da forma como o faz. É por isso que defendo a educação quanto ao uso destes meios. O Orkut é muito legal por colocar as pessoas em contato, mas também pode ser usado para o mal, mesmo que seja sem intenção. Depende da educação. As pessoas devem ter consciência dos perigos a fim de evitá-los. Boas maneirastambémsão indispensáveis.

  1. Reprimir ou censurar… (os alunos)

Sou contra a censura. Repressão também não funciona. Educação e instrução nos ambientes escolar e familiar são a solução.

  1. Como os professores devem ser treinados para lidar com esta nova situação?

Não há segredos. As escolas devem procurar profissionais especializados para educar aos professores sobre como lidar com as novas tecnologias, para só então partirem para um segundo nível de aprendizado que é ensinar as crianças e adolescentes e usufruírem a Internet da maneira mais saudável e positiva possível. Assim, falamos de dois tipos de treinamento: a inclusão digital e a educação na era digital. Um não proporciona grandes benefícios se não houver o outro.

  1. Em relação aos pais, como conscientizá-los para lidarem com esta nova realidade?

Primeiramente, devem começar a se interessar por tecnologia. Uma boa técnica é pedir ajuda aos próprios filhos sobre como criar uma conta de e-mail e como usar mecanismos de busca, por exemplo. Para os pais que já estão mais avançados neste processo de conhecimento, o ideal é manter a cumplicidade participando da Internet com o filho. O computador também não deve ficar no quarto do jovem, mas sim em um ambiente comum da casa por onde passem pessoas a todo momento. O ideal é que os pais procurem os poucos profissionais especializados em Educação Digital ou mesmo peçam que a escola os instrua sobre o assunto, pois em meio a tanta inovação tecnológica, seria necessário quase um “curso” sobre como lidar com esta situação. Tudo é compreensível, tendo em vista que os jovens de hoje já nasceram em uma sociedade conectada à Internet, enquanto seus pais têm o sentimento de nadar em um oceano cheio de tubarões, sem boia ou sinal de navio por perto. Calma, é só a sensação! Navios e boias existem. Tubarões também, mas em relação a estes podemos aprender a defender a nós mesmos e aos nossos filhos.

  1. Como deve ser a relação pais e filhos diante desta questão?

Cumplicidade é a palavra. As novas tecnologias estão ocasionando uma oportunidade que há muito tempo esteve perdida. É hora das famílias se unirem novamente para que seus membros aprendam juntos a usar estas ferramentas. Falamos de participação familiar mesmo: pais, filhos, avós… Não importa a idade! E lembrem-se: nada de repressão ou censura!

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