Cultura televisão

O encontro da pessoa e o seu ator: Viver a Vida e o foco da verdade na teledramaturgia

Larissa Daiane Pujol Corsino dos Santos[*]

publicado em 14/06/2010 como <www.partes.com;br//cultura/viveravida.asp>

 


Larissa Daiane Pujol Corsino dos Santos é Professora, poeta, crítica literária

Da realidade à verdade. É assim que se resume o título e a trama Viver a Vida, de Manuel Carlos. A extinção do personagem principal e do seu antagonista mostra uma face da teledramaturgia voltada à exibição da verdade.

Manuel Carlos, conhecido Maneco, é autor de inúmeras telenovelas movidas pelo bem viver, e claro, o bem apaixonar. O poder feminil enfatizado em Mulheres Apaixonadas, por exemplo, insere força ao livre arbítrio feminino em face ao enraizado poder masculino. Também, em Páginas da Vida, Maneco relaciona o viver perante os olhos matéria e a idéia do mesmo após o encerramento desta visão, a morte. O contato espiritual e a instigante comparação entre o lado matéria e o lado divino apresentam-nos um encontro com um desconhecido mundo, na pretensão ao culto da espiritualidade enquanto vivemos. Os enredos de Maneco estão inseridos no contexto do verdadeiro. Sem intenção de personificação e de exaltação do santo e do herege, o autor dá a luz da bondade e da maldade a todos os seus personagens: todos têm a sua “parcela de culpa” no enredo, pois, como é observado, o ser humano já está predisposto a atuar em diversas faces na vida, e cabe a Manuel Carlos desvendá-las aos espectadores.

Viver a Vida incorpora um contato mais próximo com as ações do espectador, levando este a se assemelhar facilmente com os personagens e seus enredos. O fato de não haver estereótipos e o cotidiano comum chamam a atenção daqueles que, na ficção, testemunham a necessidade de sugestões e soluções para enfrentar problemas, e assim, bem viver no seu dia a dia. A marca da personagem Luciana, tetraplégica após um acidente, bem como os depoimentos de pessoas reais no fim de cada capítulo, geram a comoção inicial e, no entanto, seu foco se transfere ao respeito e a aceitação do homem como ilimitável e de profunda arquitetura espiritual.

Na página eletrônica da telenovela Viver a Vida deparamo-nos com o blog da personagem Luciana, o qual nos parecia que sua execução somente havia ocorrido nas cenas. Sem mais, esse fato interessou muito essa interação personagem-recepção. No blog “Sonhos de Luciana” é chocante ver como o público reagiu e aceitou essa ficção como uma verdade absoluta, sem espaço para palavras que tem a ver com as cenas ou com críticas especializadas em roteiros e atores. Nada de Alinne Moraes, nem Lilia Cabral, nem Mateus Solano, nem Maneco, enfim, o assunto é o cotidiano dos personagens – a sua realidade, a nossa realidade – aceitos. Em verdade, é interessante essa inovação. Diferente das demais telenovelas, as quais priorizam o triângulo autor-obra-recepção, a equipe de Viver a Vida resolve focalizar o aumento dessa conexão entre o mundo-real da telenovela e o mundo-real do seu público, em que a abertura do espaço visa, para o espectador, a conversa direta com o personagem e não com seu intérprete. Isso confirma a afirmação do filósofo Demócrito: “O universo tem vários mundos”. Pois é, basta conhecê-los.

Os destaques múltiplos da natureza humana se incorporam nas variadas transições de temperamento ali construídas. Entre fidelidades e traições, rispidez e brincadeiras, observamos o fantástico “mundo redondo” criado por Maneco, assim, em meio às muitas personalidades, comuns à verdade do público, a telenovela Viver a Vida demonstra inúmeras reações do ser humano frente ao tema principal, a vida.

A abordagem da traição familiar – entre casais e entre irmãos – coloca em questão a trivialidade desse acontecimento na vida do espectador. Tratada com desprezo pelos que assistem, o objetivo desta apresentação é de olhar a si e enojar-se de si por tal instinto. Assim como o preconceito incisivo – destaco, aqui, a personagem Ingrid, cuja preocupação se dá ao fato do seu filho casar-se com uma mulher tetraplégica – que realça os olhares entre o ser humano e o seu espelho representante na televisão, comutando a repulsa do espectador sobre a personagem e inconscientemente sobre si mesmo. O enredo trata, pois, da compilação de inúmeras facetas do homem e da mulher – costumes tradicionais e tendenciosas metamorfoses – Maneco elabora seu universo com espaço para todos, onde não há como esquecer as delicadas situações do espírito e do caráter.

No repertório da teledramaturgia, Viver a Vida se encaixa perfeitamente na representação maior da verdade. Semanas após o término da telenovela, demonstro meu prazer intelectual em escrever um parecer pessoal sobre esse enredo realmente artístico, sábio e digno de muitas salvas de palmas. Tal verdade que se confirma em Viver a Vida rende ao publico uma convivência íntima com o corpus figurante de todo um universo que se convive e se atua. Completamente ímpar aos atos dos seus personagens, Manuel Carlos não teve receio em colocar no enredo, por exemplo, o incesto ocorrido entre os irmãos Luciana e Bruno. Como o próprio autor afirmou, os dois são belos e desimpedidos para investirem num romance de viagem (como aconteceu), ademais de desconhecerem o laço sanguíneo entre ambos.

A obra de Manuel Carlos é dedicada em apresentar aspectos peculiares do ser humano e suas mais diversas formas de se enquadrar no bem viver. É indispensável conhecer os personagens criados pelo referido autor e juntá-los com vistas a “nos” apresentar particularmente, como em um divã psiquiátrico. Nesse material todo que nos é oferecido, as fichas caem e as ligações entre as pessoas se completam numa forma jamais imaginada. Aquela dramaturgia ilusionista e estereotipada, cujas aparições de Deus e do Diabo são justificadas, cede terreno aos enredos de Manuel Carlos e a um investimento em diferenciar a apresentação da verdade e da realidade nas cenas da telenovela brasileira. É trivial encontrarmos no folhetim de Manuel Carlos sua enorme bagagem cultural a qual rende ao crítico (no meu caso cabe o parecer literário) uma rica fonte de estudo e inúmeras análises comparativas com escritores brasileiros. Um enfático parentesco sem disfarces. Tudo em nome da verdade.

 

Como citar este artigo:

SANTOS, Larissa Daiane Pujol C. dos. O encontro da pessoa e o seu ator: Viver a Vida e o foco da verdade na teledramaturgia P@rtes (São Paulo). V.00 p.eletrônica. Junho de 2010. Disponível em <>. Acesso em _/_/_.

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