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Políticas educacionais e autoridade no contexto escolar

Lucas Eduardo Ramos[1]

publicado em 07/07/2011 como www.partes.com.br/educacao/politicaseducacionais.asp

 

Lucas Eduardo Ramos é mestre em educação pela Unilasalle

Resumo: O presente artigo vai discutir o conceito de autoridade no contexto escolar e, particularmente, na relação professor-aluno. Será utilizado o embasamento teórico-educacional de Hannah Arendt, uma das principais filósofas e pensadoras de natureza política e educacional da segunda metade do século XX. Em consonância com os demais autores que seguem essa linha arendtiana, será relativizada a autoridade na pedagogia moderna e suas peculiaridades, a partir de um estudo de caso realizado em algumas escolas do estado de São Paulo.

Palavras-chave: Hannah Arendt, Autoridade, Educação, Disciplina

Abstract: This article will discuss the concept of authority in the school context, and particularly in teacher-student relationship. Will be used for both the theoretical and educational Hannah Arendt, a philosopher and thinker of the main political and educational for the second half of the twentieth century. In line with other authors who follow this line Arendt, is relativized authority in modern pedagogy and its peculiarities, from a case study conducted in some schools in the state of Sao Paulo.

Keywords: Hannah Arendt, Authority, Education, Discipline

A ausência da autoridade  

 

Marieta Gouvêa de Oliveira Penna (2008), doutora em educação e Ciências Sociais pela USP, recentemente apresentou uma pesquisa sobre as condições objetivas de trabalho de um grupo de professores, relacionadas ao espaço escolar, às dificuldades enfrentadas no trato com os alunos, a questão da autonomia nas tarefas cotidianas e as hierarquias no ambiente escolar. Pesquisa realizada no ano de 2005 em São Paulo, que contou com dez professoras do ensino fundamental da rede pública estadual paulista, além de diretoras, coordenadoras, pais e alunos; ela acusou problemas como a falta de autonomia para o corpo docente, mas em suas conclusões verificou também a relação que as professoras fizeram com a atividade docente como muito valorosa, tanto na questão de ganhos financeiros como na decorrência do capital simbólico que as mesmas capitalizam nas relações escolares.

O objeto desse estudo de caso eram as professoras, de origem humilde, viram no exercício do magistério uma forma de ascender socialmente e economicamente, apesar do ambiente de trabalho não ser necessariamente adequado,

As professoras exerciam a docência em escolas que apresentavam condições físicas precárias (sem ventilação, barulho, cheiros ruins, armários quebrados), reveladoras da posição social por elas ocupada, ou seja, posição desvalorizada socialmente. Ao mesmo tempo, para as professoras, trabalhar na escola significava proximidade a equipamentos educacionais, serviço público cobiçado se considerarmos o lugar de onde vieram, expressando ganho de posição em relação à experiência prolongada que tiveram em suas famílias de origem, de distância social em relação a espaços de alguma forma valorizados. As professoras se apropriavam do espaço escolar e procuravam valorizá-lo, uma vez que consideravam possuir as propriedades adequadas para habitá-lo, em oposição a seus alunos, que não respeitavam e não sabiam ocupar esse espaço. (PENNA, 2008, p. 562)

Disciplina no contexto escolar

Sobre o trato da disciplina para com os alunos, a maioria das professoras se mostrou insatisfeita, reclamando de posturas agressivas, gritos inoportunos e até mesmo de alunos que portavam armas dentro do ambiente escolar. Em relação à autonomia de trabalho também houve muitas queixas. Uma relatou que não possuía autoridade suficiente para punir elementos de suas turmas, e que atualmente não se podia fazer nada para se manter o respeito em aula, segundo Penna (2008).

Houve entre os relatos muitas queixas que os alunos não recebiam educação de casa e que elas tentavam reverter esse processo durante o curto espaço da convivência escola.

Nas conclusões finais do artigo a autora analisou também a hierarquização interna do corpo docente e administrativo da escola, apontando que professoras mais velhas e concursadas ocupavam uma posição mais vantajosa que as outras. Houve relatos de profissionais queixosas de coordenadoras educacionais desleixadas e que não assumem a responsabilidade que lhe cabem. Num último momento sua produção analisou relações de poder entre docentes e discentes, onde havia presente apenas a voz docente, a qual conferia enquadramentos bem distantes entre alunos e professores, onde os docentes estabeleciam julgamentos morais para com suas turmas.

Júlio Groppa Aquino (1998) fala da questão da indisciplina e da ausência da autoridade em um estudo mais recente. No texto foi analisada a relação entre os conceitos de violência e autoridade no contexto escolar, e mais particularmente, na relação entre professores e alunos. O estudo apontou vários problemas de comportamento violento, atribuindo possivelmente a realidade social precária de onde advinham os alunos. Quanto às ações escolares, revelaram-se ineficazes e insuficientes, pois num caso de delito

Encaminha-se para o coordenador, para o diretor, para os pais ou responsáveis, para o psicólogo, para o policial. Numa situação-limite, isto é, na impossibilidade do encaminhamento, a decisão, não raras vezes, é o expurgo ou a exclusão velada sob a forma das “transferências” ou mesmo do “convite” à auto-retirada. Como se pode notar, os educadores quase sempre acabam padecendo de uma espécie de sentimento de “mãos atadas” quando confrontados com situações atípicas em relação ao plácido ideário pedagógico. Entretanto, o cotidiano escolar é pródigo em eventos alheios a esse ideário-padrão. E os efeitos da violência representam, sem dúvida, a parcela mais onerosa de tais vicissitudes. (AQUINO, 1998, p. 2).

O autor segue sua análise se referindo a homogeneização exercida através de mecanismos disciplinares escolares, formas de controle de atividades, de tempo e de espaço que organizam alunos, professores e funcionários impondo aos corpos o controle e a submissão. Mas paralela a esse sistema, essa “ordem” necessária, o professor se vê obrigado a desempenhar também um papel violento, pois tem de a função de estabelecer os limites da realidade, impor as obrigações e ditar as normas, sempre de modo autoritário e inquestionável, sob pena de perder a pouca autoridade que tem.

Autoridade e política em Hannah Arendt

Chegamos no foco da autoridade na escola, Hannah Arendt é o grande expoente que embasa esse artigo, para a cientista política falecida em 1975, os adultos devem assumir a responsabilidade em conduzir as crianças, e devem contar com toda a autoridade necessária para esse feito. A abordagem pedagógica e política que será feita terá como bibliografias de base o artigo A Crise na Educação e o livro Entre o Passado e o Futuro, ambos de Arendt.

Hannah Arendt defendia uma educação conservadora, mas reivindicava a separação total entre Estado e educação, rejeitando desse modo posições como a de Platão (427-347 a.C) e Rousseau (1712-1778). Segundo ela a política é coisa de adultos, e não deveria se misturar as duas realidades dessa forma. A autora defendia também a autoridade, tendo em vista que a escola deveria fornecer e impor uma instrução vinda dos adultos, e caracterizava a tradição como uma luz que guia a humanidade com segurança pelos domínios do passado.

No artigo Ação, fundação e autoridade em Hannah Arendt, Leonardo Avritzer (2006) afirma que muitos autores já observaram a preferência arendtiana pela tradição política grega quando comparada à romana, segundo ele a cientista política pensava o modelo romano como uma forma de oferecer continuidade para as ações, sendo, aquilo que mantém unido somente os que interagem. Em contraponto ao pensamento grego, onde haveria a ausência da ideia de futuro, conseguindo apenas tornar a ação um elemento prático exemplar do passado e do presente.

Seguindo o pensamento arendtiano que defendia a separação total entre Estado e educação, Avritzer (2006) cita a obra Da Revolução, escrita nos anos 1960 por Hannah Arendt, onde ela interpreta a ação como um elemento central da política moderna. É entendida como uma interação puramente humana, como uma posição alternativa à concepção da representação que designa os partidos como a única forma de mediação política possível nesta sociedade.

A discussão a respeito da autoridade em sala de aula atualmente está sacramentada de polêmicas, alguns casos, senão a maioria, já chegam à escola abalados e deficientes.  Num mundo com mudanças cada vez mais rápidas e complexas, tudo vai se acumulando a cada nova geração, mas nossa realidade atual tem suas raízes na tradição de cada comunidade. Segundo Vanessa Sievers de Almeida (2008) Os laços que manteriam certa estabilidade ao mundo e proporcionariam desenvolvimento de liberdade foram rompidos, a humanidade teria perdido a norte que a tradição nos oferecia. A pedagogia moderna traria uma versão da liberdade que nos faz incapazes de agir com a verdadeira liberdade. Assim a educação se encontra numa situação de introduzir as crianças numa realidade estilhaçada, aos cacos, sem um referencial coerente, a autora pergunta-se qual será a herança que poderemos entregaremos aos nossos filhos? E qual mundo eles terão para renovar?

Na fala de Almeida (2008), intitulada Educação e liberdade em Hannah Arendt, a educação não interfere no mundo diretamente, mas pode potencializar nos mais jovens o desenvolvimento de sua singularidade, contribuindo para que os mesmos possam atingir plenamente a renovação do mundo herdado por eles, usufruindo assim da liberdade em sentido pleno.

No artigo original A crise na educação, Arendt (2000) comentou a realidade educacional do ponto onde estava, os Estados Unidos, afirmando que a “Nova Ordem Mundial” criou um mundo novo simplesmente abolindo o velho. Os imigrantes antigos se gabam de ter iniciado essa Nova Ordem, pois se trata de um país feito de imigrantes, e os novos imigrantes aceitam essa ilusão, pois esse “novo” mundo não deixa de ser baseado num mundo pré-existente. Nova Ordem que falha ao não encontrar soluções para os problemas nacionais de pobreza e desequilíbrio social. Nesse artigo a pedagogia moderna é condenada por retirar a autoridade do profissional da educação no contexto estado-unidense da época, a

“[…] formação dos professores na sua própria disciplina tem sido grandemente negligenciada […] O que daqui decorre é que, não somente os alunos são abandonados aos seus próprios meios, como ao professor é retirada a fonte mais legítima da sua autoridade […]” (ARENDT, 2000, p. 33).

Mais adiante ela culpa essa mesma política pedagógica moderna por tratar as crianças “[…] como se tratasse uma minoria oprimida que necessita ser libertada.” (Arendt, 2000) retirando automaticamente a responsabilidade dos adultos, sugerindo que os responsáveis se omitam. Não chega a ser estabelecida a relação direta entre educação e liberdade. Mas temos diretamente apontamentos sobre tradição e autoridade, visto que a crise na educação estaria indiscutivelmente relacionada à separação destas.

A pensadora que norteia a linha esse paper relata em Entre o passado e o futuro, que o tempo entre o nascimento biológico, que é um evento renovador, e o instante em que a nova geração poderá assumir sua liberdade e ação, é que se insere realmente a educação. Arendt (1992), afirma que a educação tem duas tarefas básicas: introduzir as crianças num mundo que os antecedeu e que sempre será mais velho que elas; e contribuir para a formação de sua singularidade, ou aquilo que eles têm de único neste mundo. Dessa maneira se dita que os recém nascidos do mundo não o conhecem, e é tarefa da educação os apresentar.

No processo escolar, os novos vão conhecendo o mundo além da já conhecida convivência familiar e social. Sendo que sempre é mostrado a eles o mundo passado. “Dado que o mundo é velho, sempre mais que elas mesmas, a aprendizagem volta-se inevitavelmente para o passado” (Arendt, 1992, p. 246). Tal realidade limita muito o trabalho dos educadores. Almeida (2008) diz que não se pode prever o futuro nem controlar totalmente o futuro por meio da educação das crianças. A humanidade sempre agiu no plural, não há como controlar as ações alheias. O futuro deve ser confiado às novas gerações. A tarefa da educação aqui seria ajudar na preparação das crianças para assumir essa responsabilidade posterior, e não fugir dela.

Conclusões:  

Hannah Arendt entendia que os responsáveis pelas crianças são os adultos, e que deveriam cuidar de seus filhos em dois núcleos básicos: o núcleo familiar, de bem estar social da criança; e a escola, espaço de aprendizado e desenvolvimento cognitivo de suas qualidades e talentos. Dizia que a educação norte-americana era omissa quanto à autoridade que recaía sobre ela, falava que qualquer pessoa que se recusasse a assumir suas responsabilidades não deveria ter filhos, e nem tomar parte na educação das crianças. Sua visão sobre a pedagogia moderna traz uma noção de liberdade que nos faz agir de modo incompatível com a verdadeira noção de liberdade. Num questionamento conclusivo sobre essa nova pedagogia ela se pergunta qual seria a herança que deixaremos para as próximas gerações?

No quadro brasileiro atual, enfoque dado por Penna (2008) em seu estudo de caso apresentado, presenciamos muitos elementos da falta de responsabilidade e de autoridade levantada por Arendt. Seja no núcleo familiar, de crianças que vem de casa com problemas graves de relacionamento comportamental, seja no núcleo escolar, onde são negligenciados elementos imprescindíveis de autoridade.

Referências bibliográficas  

 

ALMEIDA, Vanessa Sievers de. Educação e liberdade em Hannah Arendt. Educ. Pesqui.,  São Paulo,  v. 34,  n. 3, dez.  2008 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022008000300004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  02  jun.  2010.

ARENDT, Hanna. A crise na educação. In: POMBO, Olga. Quatro textos excêntricos. Lisboa: Relógio D’água, 2000.

ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. 3a ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.

AQUINO, Júlio Groppa. A violência escolar e a crise da autoridade docente. Cad. CEDES,  Campinas,  v. 19,  n. 47, Dec.  1998.  Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32621998000400002&lng=en&nrm=iso>. acessos on  03  June  2010.

AVRITZER, Leonardo. Ação, fundação e autoridade em Hannah Arendt. Lua Nova, São Paulo, n.68, 2006.  Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452006000300006&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  20  jun.  2010.

PENNA, Marieta Gouvêa de Oliveira. Exercício docente na escola: relações sociais, hierarquias e espaço escolar. Educ. Pesqui, São Paulo, v. 34, n. 3, dez. 2008.   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022008000300010&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  20  jun.  2010.

[1] Mestre em educação pela Unilasalle.

Como citar:

RAMOS, L. E. Políticas educacionais e autoridade no contexto escolar. P@rtes. Julho de 2011. Acesso em __/__/__.

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