Crônicas Margarete Hülsendeger

Síndrome do coração partido

SÍNDROME DO CORAÇÃO PARTIDO

Margarete Hülsendeger

Publicado originalmente como <http://www.partes.com.br/cronicas/mhulsendeger/coracaopartido.asp>

 

Se tens um coração de ferro, bom proveito.

O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia.

José Saramago

 

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutoranda em Teoria Literária na PUC-RS. margacenteno@gmail.com

Quem acha que sofrer por ter perdido um amor é coisa dos românticos do século XIX está muito enganado. Uma pesquisa americana revelou que o fim de um romance ou a morte de alguém que amamos pode desencadear os sintomas de um ataque cardíaco. Esse estudo também indicou que as mulheres são as mais afetadas por esse tipo de trauma, em média nove vezes mais que os homens.

Os pesquisadores não sabem explicar por que o organismo feminino é mais vulnerável. Especula-se, no entanto, que pode ser algo relacionado com os hormônios do sexo. De qualquer maneira, mesmo que o número de casos fatais não seja grande – apenas 1% –, essa nova doença está intrigando muitos médicos, em especial, os cardiologistas.

Lendo sobre mais essa pesquisa, lembrei-me de Vinícius de Morais quando dizia que nada melhor para a saúde do que um amor correspondido. Parece que os poetas têm acesso a informações privilegiadas que nós, pobres mortais, sequer suspeitamos. E se também lembrarmos que o coração era considerado, por muitas culturas antigas, como a sede da alma, não nos espantaríamos tanto quando ficamos sabendo que perder um amor pode provocar um infarto.

Do mesmo modo, não deveria nos surpreender a notícia de que são as mulheres as mais afetadas por essa nova enfermidade. Sabe-se que o organismo feminino é um refém das mudanças hormonais, causas primeiras das variações de humor que atingem a mulher ao entrar na puberdade. Assim, algumas teorias indicam que seria a liberação de hormônios – adrenalina e nor-adrenalina – a origem das modificações no ritmo dos batimentos cardíacos. E tudo isso, segundo os pesquisadores, teria como gatilho o estresse gerado pela perda da pessoa amada.

No entanto, apesar de as mulheres serem as mais atingidas por esse tipo de síndrome, outro estudo, dessa vez dos ingleses, constatou que os homens também têm as suas vulnerabilidades. Segundo essa pesquisa, a morte da esposa aumenta em seis vezes o risco de morte do viúvo, enquanto as chances de uma viúva morrer apenas dobram. Isso nos leva a pensar que os homens, mesmo não tendo tantos problemas com os seus hormônios, tornam-se igualmente frágeis e propensos a doenças quando perdem a sua companheira.

É possível perceber que fica cada vez mais difícil descartar a influência das emoções na saúde de homens e mulheres. Hoje a máxima latina Mens sana in corpore sano (“Uma mente sã num corpo são”) está sendo levada mais a sério, deixando de ser algo restrito a conversas de gurus da Nova Era. Atualmente, a medicina tradicional já entende e aceita a importância de saber lidar com as emoções de maneira saudável, sem menosprezá-las e muito menos ignorá-las. E a perda por rompimento ou luto é, com certeza, um abalo emocional poderoso que se não é bem administrado pode gerar problemas muitas vezes fatais.

De qualquer maneira, parece claro que um coração partido não é mais um tema exclusivo dos poetas. Amar e depois perder esse amor transformou-se também numa questão médica. Junto com os exercícios e o controle do colesterol teremos que dar mais atenção aos sentimentos, exercitando-os do mesmo modo que exercitamos o corpo. É claro que isso não vai nos tornar completamente imunes às desilusões amorosas ou à perda de alguém que amamos. Afinal, o amor é um daqueles sentimentos difíceis de controlar e até mesmo de compreender. Contudo, fugir dele por medo de perdê-lo também não é a solução. Na verdade, acredito, assim como os poetas, que a resposta para a maioria dos nossos problemas está em amar muito mais do que nos permitimos. E fazendo minhas as palavras de Freud, concluo dizendo que, “Em última análise, precisamos amar para não adoecer”.

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