Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

A Senhora dos Haicais

A Senhora dos Haicais

Gilda E. Kluppel

 

“Pintou estrelas no muro e teve o céu ao alcance das mãos.”

 

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Este verso, da poetisa paranaense Helena Kolody, ficou grafado alguns anos na lateral de um prédio no centro de Curitiba, gostava de ler todas as vezes que passava pela Travessa Nestor de Castro. Acredito que muitos tiveram oportunidade de conhece-la por esta frase, situada em frente ao local onde se concentra alguns pontos de ônibus da cidade.

Helena lecionou Biologia, durante vinte e três anos, no Instituto de Educação do Paraná, talvez por isso soube trabalhar organicamente as palavras. Minha mãe teve o privilégio de fazer parte do enorme corpo discente desta poetisa. E guarda as diversas recordações de uma professora dedicada e extremamente sensível. Nunca recusou um convite para se reunir com as suas ex-alunas e, por incrível que pareça, lembrava delas ainda pelo nome. A dedicação às alunas do curso de Magistério pode ser comprovada por uma de suas declarações ao Programa Memória Paranaense, em 1997: “Outro dia, encontrei uma aluna que me impressionou demais, uma senhora de uns sessenta e tantos anos, que me abraçou e disse: a senhora me deu um carinho que minha mãe não deu.”

Poetisa de olhos azuis cristalinos, comportamento discreto, enorme desprendimento das questões materiais e avessa aos holofotes da mídia. Construiu com o poeta curitibano Paulo Leminski frutíferos laços de amizade. Residiram, na década de sessenta, no Edifício São Bernardo, centro da cidade. Vizinhos separados por paredes, unidos pela inspiração. Leminski, o grande incentivador da poetisa para continuar a composição de seus haicais, poemas curtos, caracterizados pela concisão e objetividade.

Helena, a pioneira do haicai, em seu livro Paisagem Interior (1941) apareceram os primeiros haicais publicados por uma mulher no Brasil. Em frases sucintas expressava a delicadeza de sua alma: “Quando sonho, sou outra. Inauguro-me.” “Deus dá a todos uma estrela. Uns fazem da estrela um sol. Outros nem conseguem vê-la.”

Morou com a irmã Olga, por mais de trinta anos, em um apartamento cuja janela avistava a Praça Rui Barbosa, no miolo de Curitiba e nas entranhas do movimentado terminal de ônibus. Helena faz parte da cidade e a cidade se nutre das palavras da senhora dos haicais. Acostumamos ouvir as citações nos momentos tristes ou alegres, em eventos, em discursos políticos, em qualquer situação cabem os seus versos. As singelas mensagens, desta senhora de cabelos brancos, conduzem à reflexão sobre o sentido da existência. Nos seus últimos anos quase não saía de casa, passava por dificuldades de locomoção. A receita da longevidade era simples, como a própria Helena: “A vida é muito linda. Se estou chegando aos noventa anos é porque tomo uma vitamina de carinho todos os dias.”

Helena Kolody partiu numa noite de sábado, em fevereiro de 2004, aos noventa e um anos de uma vida dedicada à poesia e a sua especialidade, os poemas em gotas. Em 2012 completaria cem anos de idade. E por conta deste centenário somos agraciados com inúmeros eventos divulgando a sua obra. Helena partiu, mas deixou uma enorme herança para ser compartilhada, constituída pelo vigor de suas palavras.

Quando passo por aquela rua, no centro da cidade, a frase não está mais grafada, nem precisa, lembro toda vez ao olhar para o antigo prédio, ficou gravada na memória. Acredito que Helena não deu muita importância para a retirada do seu verso, pois com ela encontro a explicação: “Palavras são pássaros. Voaram! Não nos pertencem mais.”

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