Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

Sempre foi assim…

Sempre foi assim…

Gilda E. Kluppel

 

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Uma frase difícil de aceitar, capaz de encerrar qualquer troca de ideias, ocorre quando alguém pronuncia: “sempre foi assim”. Quem se vale desta expressão ainda considera os questionadores, de alguma prática, incipientes na experiência de vida ou não enquadrados ao sistema. Alguns até enchem o peito, com ares de domínio geográfico, para afirmar que em outros locais também “sempre foi assim”. Embora a prática seja ineficaz, necessita de repetição porque “sempre foi assim”. Em todos os lugares e organizações existem pessoas que não desejam repensar o modo como as coisas funcionam.

O “sempre foi assim” contagia até aqueles de fôlego inovador ao se tornarem desmotivados pela insistência do argumento vazio. O consequente condicionamento toma conta de grupos de pessoas e equipes de trabalho, conformados com a realidade dita imutável. Afinal, o sempre é definitivo!

A mídia, ao longo de décadas, contribui para esta postura ao tentar convencer que as conquistas sociais aconteceram, e ainda acontecem, por acaso, sem lutas; advindas apenas pelos benesses dos poderosos. Solidifica o conceito de aceitação pacífica, à moda de cordeiros, ao eximir qualquer participação popular para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Não é possível esquecer dos “anos de chumbo”, cujo silêncio tenebroso ofuscou aqueles que poderiam se lançar ao debate. Contudo, os anos chumbados estão se distanciando e a apatia talvez não seja apenas uma herança do período ditatorial. Mas, também o fruto de um individualismo exacerbado, no qual os comportamentos e pensamentos massificados predominam quando todos tendem a agir da mesma forma.

Este silêncio, provocado pelo “sempre foi assim”, amordaça não apenas a boca, mas a vontade e a curiosidade, reflete um meio vazio, uma meia ausência ou meia participação, capaz de reduzir tudo ao morno e medíocre.

Seguir o mesmo traçado parece mais fácil e pode até justificar uma vida inserida na zona de conforto, limitada apenas pela necessidade de possuir e usufruir. A zona de conforto, apesar de soar agradavelmente aos ouvidos, fornece uma suposta segurança, por permitir um maior controle; entretanto, frusta qualquer tentativa de desafio. O receio do desgaste impede a pessoa de confrontar-se com seus limites e possibilidades. Logo, resta reproduzir as ideias e ações do outro, seja por medo da crítica ou pela rotineira inércia mental.

Uma vida previsível e pálida de emoções, adequada aos meros espectadores, capazes de excluir qualquer alternativa contrária à passividade. Correndo o risco de se acostumar com o desnecessário e abdicar do essencial.

A armadilha do conformismo está sempre preparada para fisgar mais adeptos. Talvez o purgatório ou algo semelhante, onde se possa ficar eternamente de braços cruzados, seja o lugar do “sempre foi assim”. Afinal, enfrentar a realidade com um olhar embotado, pela falta de sonhos, pode transformá-la num permanente pesadelo.

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