Crônicas Mara Rovida

Narciso atualizado

Narciso atualizado

Mara Rovida*

Mara Rovida é jornalista, doutoranda no PPGCOM da ECA-USP e membro do Grupo de Pesquisa do CNPQ Comunicação e Sociedade do Espetáculo

Logo cedo, firmou pacto com a vaidade e descobriu nas redes sociais um espaço para alimenta-la. Eram poses e mais poses elegantes, em meio ao charme de festas, taças de vinho, citações invejáveis, plateias de grandes teatros e análises profundas sobre a vida.

Distribuía conselhos e pequenos comentários que, como biscoito fino, eram degustados por mocinhas suspirantes. Assim, ia acumulando capital simbólico virtual traduzido em infindáveis “likes” e réplicas. Com tanto prestígio, não conseguia desligar da rede, não olhava mais nos olhos dela e não pôde mais (ou apenas não quis) criar laços com quem não tivesse, como ele, tamanho volume de retorno simbólico.

Sua vida em vitrine tomava tanto espaço que já não podia mais tomar sorvete e apenas olhar ao redor. Precisava de luzes e holofotes. Como uma fotografia envelhecida, as cenas comuns de uma vida ordinária, recheada de risadas desmedidas e preocupações financeiras, não mais figuravam com simplicidade na sua página inicial. Tudo, absolutamente tudo tinha importância avantajada e muito brilho, desde o debate sobre a política econômica europeia até o dia certo para lavar roupas.

Cada música, cada imagem, cada texto era engrandecido pelos suspiros alheios. Isso alimentava a dama gélida e inseparável que ele trazia no bolso da camisa. Não se dava conta de sua desorientação, já não tinha mais a mesma perspicácia e sua impaciência o impedia de esperar que o outro terminasse a frase.

Perdido em meio à teia por ele mesmo desenvolvida, vivia encantado com si mesmo. Numa espécie de atualização do mito, já não podia mais conviver ou partilhar; tudo que o interessava estava traduzido em imagens perfeitas nas telas tecnológicas. Não havia mais espaço para o cheiro, para o sabor ou para o toque; ali os olhos reinavam absolutos e a voz apresentava uma altivez despropositada.

Sem notar, sua vida se tornava solilóquio e o diálogo…..ah, o diálogo; este tornava-se analogicamente amarelado e roto.

* Mara Rovida é jornalista, doutoranda no PPGCOM da ECA-USP e membro do Grupo de Pesquisa do CNPQ Comunicação e Sociedade do Espetáculo.

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