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Projeto Açaí: Formação Em Magistérios Dos Professores E Professoras Indígenas De Rondônia

Projeto Açaí: Formação Em Magistérios Dos Professores E Professoras Indígenas De Rondônia[*]

 

Maria Isabel Alonso Alves[†]

Rozane Alonso Alves[‡]

 

 

Rozane Alonso Alves -Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Educação – GPEA. Email: rozanealonso@gmail.com

Resumo: Este texto busca dialogar com os estudantes indígenas do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural da Universidade Federal de Rondônia – UNIR, Campus de Ji-Paraná que participaram do Projeto Açaí – Projeto de Magistério Indígena que visava/visa a formação em magistério de indígenas para que estes assumissem/assumam, de forma autônoma, a educação escolar em suas respectivas comunidades.

Palavras-Chave: Magistério Indígena,. Projeto Açaí, Movimento Indígena, Formação dos Professores e Professoras Indígenas.

 

Abstract: This paper seeks to dialogue with indigenous students Degree in Intercultural Basic Education Federal University of Rondônia – UNITE, Campus Ji-Paraná who participated in the Acai Project – Indigenous Teaching Project aimed / aims at training in teaching of Indians so that they assume / take, autonomously, school education in their respective communities.

Keywords: Indigenous Teachings. Acai project. Indigenous Movement. Training of Teachers and Teaching Indigenous.

 

Introdução

 

Maria Isabel Alonso -Mestra em Educação do PPGE (UNIR). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia – GPEA e GEAL – Grupo de Estudos Integrados sobre a Aquisição da Linguagem. E-mail: mialonso@hotmail.com

Buscamos neste trabalho dialogar com os/as estudantes indígenas do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural da Universidade Federal de Rondônia – UNIR, Campus de Ji-Paraná que participaram do Projeto Açaí – Projeto de Magistério Indígena, que visava/visa à formação em magistério de indígenas para que estes assumissem, de forma autônoma, a educação escolar em suas respectivas comunidades. As contribuições dos estudantes indígenas hoje cursando o Ensino Superior nos auxiliam a compreender o movimento educacional percorrido pelas comunidades indígenas de Rondônia, bem como a organização dos movimentos indígenas por uma educação autônoma, específica e diferenciada.

É Neste sentido, que este trabalho busca por meio de diálogos com os/as estudantes indígenas que participaram do Projeto Açaí, compreender qual o papel deste projeto em sua formação e os movimentos que se desdobraram a partir dele. Buscou-se como método de produção de dados apoio nas entrevistas semiestruturadas, levando em consideração, a troca de conhecimentos e experiências durante as conversas.

Em Rondônia, no ano de 1980, o CIMI – Conselho Indigenista Missionário iniciou algumas atividades de formação indígenas para o magistério, e atuou nos diálogos que estabeleceram algumas implementações de políticas públicas no sentido de favorecer a educação escolar indígena no Estado. Um dos participantes relata que quando o Estado assumiu a educação escolar indígena com o projeto de formação dos professores em 98, período em que foi realizada a primeira etapa, fui convidado para participar dessa formação, então graças a Deus, me dediquei bastante e concluí o curso de formação para as escolas indígena de forma diferenciada, voltada para as populações indígenas, e durante dez etapas concluí o ensino médio específico e diferenciado[…]”.

Considerando a formação em Magistério de inúmeros professores e professoras indígenas pelo Projeto AÇAÍ, surgiu a demanda de formação destes e destas em nível superior, ocorrendo assim, numerosos debates entre as organizações indígenas e indigenistas em conjunto com a UNIR, mais precisamente, no Campus de Ji-Paraná para a implementação de um Curso Superior diferenciado para as populações indígenas.

De fato, tornou-se importante neste trabalho, apresentar a fala dos e das participantes da pesquisa dentro nas narrativas teóricas abordadas neste estudo. Outro fator de grande relevância foi pensar a formação docente indígena para além do magistério, uma vez que o curso de Licenciatura em Educação Intercultural oferecido pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR, Campus de Ji-Paraná, surgido no ano de 2009 com a finalidade de formar os/as professores/asindígenas que já lecionavam nas escolas indígenas, antes formados/as em magistério pelo Projeto de Formação de Professores Índios (Projeto AÇAÍ), que foi o marco da educação escolar indígena do Estado de Rondônia.

A ideia não é analisar a fala dos e das estudantes indígenas participantes deste trabalho separadamente, mas pensar por meio de suas narrativas junto aos aportes teóricos que discutem a temática indígena, como se deu o magistério indígena e ao mesmo tempo, a criação do ensino superior no Brasil e no Estado de Rondônia.

 

Perspectiva de uma educação indígena pensada do/para indígena

 

É importante refletir sobre os processos de formação docente, neste caso, o magistério indígena para retomar a ideia de produção da educação escolar indígena e a relevância que esta produção escolar deverá ter para pensar o sujeito indígena – professor/a neste processo. Deste modo, reorganizamos os dados históricos e tentamos discorrer a partir deles, a criação e importância do Projeto Açaí – magistério indígena em Rondônia.

O processo de escolarização indígena caracteriza-se por momentos históricos. Estes momentos estão delineados nos processos de encontros e desencontros de culturas. Desta forma, autores/as como Fleuri (2010), Ribeiro (1995), Meliá (2010), entre outros, destacam que a educação nos contextos indígenas são elementos construídos a partir de “interferências e conflitos entre grupos sociais de diferentes culturas” (FLEURI, 2010, p.1). A relação social imposta às comunidades indígenas pelos não índios marcaram uma trajetória histórica contada com riquezas de detalhes pelos indígenas. Os relatos evidenciam, de certa forma, uma prescrição, ou até mesmo, um “jeito certo” de se fazer escola, advindo do Ocidente, bem como a perda da territorialidade e suas reorganizações frente a suas identidade indígenas. Podemos até nos arriscar em dizer que a sociedade ocidental criou uma visão indígena que precisaria ser modificada, e a escola seria o motor desta mudança.

A compreensão destes fatos históricos é construída em três momentos advindos da escolarização não indígena. São estes elementos que permeiam a construção da identidade do índio em contraposição aos pensamentos pré-estabelecidos pela sociedade não indígena.

Elencamos, então, as fases que constituíram a escolarização indígena no Brasil. Sendo a primeira, a educação Indígena que se constrói a partir dos conhecimentos dos antepassados e posterior,aprendidospelos mais novos/as, tendo em vista, a permanência dos costumes indígenas aos descendentes. Estas aprendizagens – conhecimentos, aconteciam dentro da maloca com o intuito de apreender a atenção dos mais jovens, perpassando saberes, mitos, entre outros – educação tradicional informal. Precisamente,

a ação pedagógica tradicional integra sobretudo três círculos relacionados entre si: a língua, a economia e o parentesco. São os círculos de toda cultura integrada. De todos eles, porém, a língua é o mais amplo e complexo. O modo como se vive esse sistema de relações caracteriza cada um dos povos indígenas. O modo como se transmite para seus membros, especialmente para os mais jovens, isso é a ação pedagógica. (MELIÁ, 2010, p.3)

Assim, a cultura indígena compenetrava os contextos dos mais jovens, por assim chamar aqueles que pouco compreendia as tradições de sua etnia. A educação indígena, através da dialogicidade buscava descrever as trajetórias dos antepassados, objetivando a inserção dos novos nos espaços indígenas chamados de antigo/antepassado. Esta inserção ocorria de forma participativa, onde as falas se entrelaçavam com o cotidiano. Neste sentido, os jovens participavam das ações de seus pais, e estas ações proporcionavam a aproximação do passado com os acontecimentos presentes.

A segunda fase desta constituição se caracteriza como a educação para os indígenas. Para entender melhor como se dá o processo da educação para as populações indígenas, é preciso analisar o período que a constitui. Pode-se compreender a educação para indígena no período colonial com a catequização dos índios, a instauração da moral cristã, bem como o inicio do século XX, com a consolidação do estado nacional onde a escola tinha por finalidade de educar os indígenas. De acordo com Neves (2009, p.163)

A literatura sobre o caminho percorrido pela educação escolar indígena no Brasil permite a interpretação desta modalidade de educação em dois grandes períodos: da Educação Indígena – protagonizada pelos povos indígenas à Educação para Índios: etnocêntrica, catequizadora, evangelizadora e integracionista – materializada pelo poder público e polos missionários – católicos e protestantes. E, deste modelo para a chamada Educação Escolar Indígena: específica, diferenciada, intercultural e bilíngue – proposta pelas próprias sociedades indígenas e referenciada pela Constituição Federal de 1988. Atualmente em curso, tem sido discutida, elaborada e experenciada pelas próprias populações indígenas no âmbito dos sistemas estaduais e municipais de ensino.

 

No século XX as políticas educacionais se caracterizaram pela inserção das populações indígenas na sociedade ocidental com o intuito de “aniquilar a cultura indígena e incorporar a sua mão de obra à sociedade nacional” (PERETI et all, 2010, p. 3). Estes pensamentos revelam a relação tanto dos jesuítas, como da sociedade ocidental com as populações indígenas. Esta relação não valorizava a cultura do indígena, mas a imposição dos costumes advindos da Europa. Seguindo estes preceitos, Ribeiro (1995, p.144) ressalta que

Em cada século e em cada região, tribos indígenas virgens de contato e indenes de contágio foram experimentando, sucessivamente, os impactos das principais compulsões e pestes da civilização, e sofreram perdas em seu montante demográfico de que jamais se recuperaram.

A terceira e última fase constitui a escolarização indígena é estabelecida com a educação escolar indígena, onde o processo de ensino e aprendizagem é baseado na interculturalidade, tendo em vista a valorização da cultura indígena e a associação da cultura do não índio neste processo, compreendendo-se no bilinguismo. Para sintetizar a questão da interculturalidade nas escolas indígenas, a Constituição de 1988 no artigo 210 assegura o respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais na formação básica e garante no inciso 2, às comunidades indígenas, a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Para fixar os direitos indígenas à educação, o decreto Nº 6.861 estabelece que a educação escolar indígena seja organizada com a participação dos povos indígenas, observada a sua territorialidade e respeitando suas necessidades e especificidades.

A partir destas perspectivas, Fleuri (2010, p.4) revela que:

[..] a escola desempenha um papel ambivalente: ao mesmo tempo em que inculca nas comunidades indígenas valores, concepções e comportamentos da sociedade ocidentalizada, possibilita também a constituição de novos sujeitos e de novas identidades, assim como de novos processos de organização grupal e de relação intercultural. Ao aprender a linguagem do branco, como estratégia de sobrevivência, os Paresi assimilam o discurso de que a escola é o único instrumento para se adentrar neste mundo ocidental, mas também vêm ressignificando suas práticas, com instrumentos próprios e adquiridos, e negociando cotidianamente sua posição nas relações sociais.

Diante dos aspectos ideológicos expostos na escolarização dos indígenas, percebe-se que a perspectiva dos não índios no processo de interculturalidade delimita a inclusão/inserção dos povos indígenas interiorizado pela sociedade ocidental. Para tanto, as ideias pertinentes às formulações do conceito indígena passa a ser revisto sob o ponto de vista cultural com referencia a educação. Neste sentido, Fleuri (2010) ressalva que a concepção de educação – relação entre sujeitos, não deve pautar-se na construção de determinados conceitos, uma vez que o processo evidenciado em seus escritos ratifica a necessidade de compreensão do todo enquanto seguimentos de uma mesma ação que se remete a diferentes contextos culturais.

Criação do Projeto Açaí e a Formação Docente no Ensino Superior em Licenciaturas Interculturais.

 

[…] eu fiz o projeto açaí.O projeto açaí começou em 1999 ou 2000 mais o menos, aproximadamente neste período que iniciou a primeira etapa do projeto açaí 1 […] ( Z. GAVIÃO, PESQUISA DE CAMPO, 2012)

O Projeto AÇAÍ foi o marco da educação escolar indígena do Estado de Rondônia”[§] (p.17). Considerando a formação em Magistério de inúmeros professores e professoras indígenas pelo Projeto AÇAÍ, surgiu a demanda de formação destes e destas em nível superior, ocorrendo assim, numerosos debates entre as organizações indígenas e indigenistas em conjunto com a Universidade Federal de Rondônia, mais precisamente, no Campus de Ji-Paraná.

[…] eu conheci o Projeto Açaí, mas quando eu ouvi falar do Projeto Açaí eu não conhecia, não sabia o que era,então eu comecei a participar no ano de 2001 e, eu comecei a estudar no projeto Açaí e completei o ensino médio.Me formei professor no magistério indígena[…] (J. SURUÍ, PESQUISA DE CAMPO, 2012)

Considerando a formação em Magistério de inúmeros professores e professoras indígenas pelo Projeto AÇAÍ, surgiu a demanda de formação destes e destas em nível superior, ocorrendo assim, numerosos debates entre as organizações indígenas e indigenistas em conjunto com a Universidade Federal de Rondônia, mais precisamente, no Campus de Ji-Paraná. Foi neste contexto que o “[…] Departamento de Ciências Humanas e Sociais do Campus de Ji-Paraná, criou o curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural a partir das demandas apresentadas pelas comunidades indígenas […]” (NEVES, 2009, p.82).

Em Rondônia, no ano de 1980, o CIMI – Conselho Indigenista Missionário iniciou algumas atividades de formação indígenas para o magistério, e atuou nos diálogos que estabeleceram algumas implementações de políticas públicas no sentido de favorecer a educação escolar indígena no Estado. De acordo com Isidoro (2006), este órgão – CIMI se envolveu nas discussões que desencadeou a formação do NEIRO – Núcleo de Educação Escolar Indígena de Rondônia, que além do CIMI, tinha como colaboradores diversas entidades governamentais e não governamentais, entre estas a SEDUC – Secretaria Estadual de Educação; a FUNAI – Fundação Nacional do Índio; o COMIN – Conselho de Missão entre índios; o SIL – Summer InstituteofLingüístics; a UNIR – Fundação Universidade Federal de Rondônia, dentre outros.

O Núcleo de Educação Indígena (NEIRO) é um fórum de discussão composto por entidades governamentais e não-governamentais indigenista e entidades indígenas. O seu objetivo é discutir os problemas referentes à educação escolar indígena e propor políticas públicas para implementar ações que contribuam para a qualidade desta[…]. (ISIDORO, 2006, P. 89).

Com os diálogos a partir da criação do NEIRO e, devido à necessidade de formar os professores indígenas em nível de magistério, em 1988, surgiu a implantação do Projeto AÇAÍ – Projeto de Magistério Indígena, que visava/visa à formação em magistério, de indígenas, para que estes assumissem de forma autônoma, a educação escolar em suas respectivas comunidades.

[…] quando o Estado assumiu a educação escolar indígena com o projeto de formação dos professores em 98, e realizou a primeira etapa, fui convidado para participar dessa formação né.Então graças a Deus, me dediquei bastante e concluí o curso de formação para a escola indígena diferenciado e voltado para as populações indígenas.Em dez etapas concluí o ensino médio específico e diferenciado[…] (ORO NÃO, PESQUISA DE CAMPO, 2012).

 

Este projeto tinha/tem o “objetivo de habilitar professores e professoras indígenas para ministrarem aulas em suas aldeias. Foram beneficiados docentes de 38 (trinta e oito) etnias, falantes de 23 (vinte e três) línguas diferentes e que vivem em 20 (vinte terras indígenas no âmbito do Estado de Rondônia)” (NEVES, 2009, p. 117).

[…] eu comeceio projeto açaí, aí tive o nível de escolaridade de ensino médio e ao mesmo tempo o magistério indígena. Então eu estudei durante essas etapas. Eu perdi a etapa de 98, eu não estudei na etapa de 98, eu comecei no ano 2000 e, continuei todas as etapasaté em 2004 e ai, foi que deu esse nível de escolaridade de ensino médio e ao mesmo tempo magistério indígena. (A. JABUTI, PESQUISA DE CAMPO, 2012).

No entanto, uma vez formados em magistério – nível médio, os professores indígenas sentiram a necessidade de se organizarem e, “em 2000, foi instituída a OPIRON – Organização dos professores Indígenas de Rondônia e Noroeste de Mato Grosso” (idem, p. 89). O objetivo da OPIRON, de acordo com Neves (2009), era acompanhar e propor ações administrativas, técnicas e pedagógicas com intuito de atender as 67 (sessenta e sete) escolas indígenas pertencentes ao Estado de Rondônia.

[…] hoje já tem o projeto açaí 2.Eu fiz o projeto açaí 1, fui da primeira turma do projeto açaí e ali, a gente fez o curso de formação de magistério que habilitou a gente no curso paraconcluir nossa formação do ensino médio[…] (Z. GAVIÃO, PESQUISA DE CAMPO, 2012)

A partir da criação de movimentos dessa natureza em Rondônia, e impulsionados pela ânsia de formação, agora em nível superior, no ano de 2009 foi efetivada a criação do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural no âmbito da Fundação Universidade Federal de Rondônia, que hoje atende uma média de 130 alunos indígenas matriculados.

Pensar o contexto de formação de professores/as no curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), implica em estabelecer relações entre os parâmetros nacionais que legalizam e validam a educação indígena ao propósito de “formar e habilitar professores em licenciatura intercultural para lecionar nas escolas de ensino fundamental e médio, com vistas a atender a demanda das comunidades indígenas”[**]. Este curso já possui três turmas em formação, onde os/as acadêmicos/as indígenas poderão sair habilitados para atuarem em suas respectivas comunidades, numa perspectiva educacional específica e diferenciada de modo autônoma, com vistas em uma educação de qualidade, específica, bilíngue, visando à territorialidade e a identidade de cada povo indígena envolvidos no processo, processo este, que por sua vez, está sendo re/construído a partir da educação, mas que foi iniciado e marcado através das lutas dos movimentos indígenas por todo o Brasil, inclusive na Amazônia Ocidental.

De acordo com Aguilera Urquiza e Nascimento (2010) os primeiros passos dados e/ou pensados sobre formação indígena no Brasil, foi a partir do final da década de 1970 ainda de forma tímida, mas foi ganhando consistência teórica e jurídica na década seguinte com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – CF seguida da criação da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996 – LDB, que estabeleceram direitos e amparos jurídicos legais de formas particulares de organização escolar dos povos indígenas.

O avanço obtido no campo da legislação possibilitou a implementação de políticas públicas voltadas para a formação superior indígena no intuito de oportunizar a estas populações, o acesso à educação escolar específica e diferenciada, direcionada para a valorização e manutenção de suas culturas. Deste modo,

A escola indígena começa a ser sonhada desde então, como um espaço de apropriação dos conhecimentos da cultura oficial dominante, necessários à sobrevivência sócio-econômica-cultural autônoma dos povos indígenas; mas, também, como espaço de transmissão e reflexão dos etno-conhecimentos, sempre respeitando e valorizando os espaços tradicionais de educação; por fim, a escola indígena passa a ser vista como lócus de diálogo intercultural, onde a cultura indígena e o saber não índio são valorizados e aproveitados igualmente (AGUILERA URQUIZA e NASCIMENTO, 2010, P. 46).

A garantia desses direitos para os povos indígenas representou a retomada da autonomia, da manutenção de seus territórios e a conservação e a valorização das tradições culturais de cada povo. A abertura de instituições públicas de ensino superior para os povos indígenas tem permitido o reconhecimento étnico e multicultural existente nas populações indígenas no contexto da sociedade brasileira, permitindo, assim, debates e discussões a cerca do reconhecimento identitário desses povos.

No sentido de garantir uma educação específica e diferenciada, voltada para a interculturalidade e o bilinguismo, entre outras finalidades, no ano de 2001 foi promulgada a Lei 10.272 que estabelece as condições de funcionamentos das licenciaturas interculturais voltadas especificamente à formação de professores indígenas em nível superior. Um dos objetivos que a Lei 10.272, estabeleceu foi “formular, em dois anos, um plano para a implementação de programas especiais para a formação de professores indígenas em nível superior, através da colaboração das universidades e de instituições de nível equivalente” (CAPÍTULO 9, META 17).

O Plano Nacional de Educação disposto pela Lei 10.172 de 9 de janeiro de 2001, prevê que:

É preciso reconhecer que a formação inicial e continuada dos próprios índios, enquanto professores de suas comunidades, deve ocorrer em serviço e concomitantemente à sua própria escolarização. A formação que se contempla deve capacitar os professores para a elaboração de currículos e programas específicos para as escolas indígenas; o ensino bilíngue, no que se refere à metodologia e ensino de segundas línguas e ao estabelecimento e uso de um sistema ortográfico das línguas maternas; a condução de pesquisas de caráter antropológico visando à sistematização e incorporação dos conhecimentos e saberes tradicionais das sociedades indígenas e à elaboração de materiais didático-pedagógicos, bilíngues ou não, para uso nas escolas instaladas em suas comunidades (Capítulo 9).

A criação de cursos específicos de Licenciatura Intercultural tem se tornado fundamental para garantir que a formação inicial e continuada dos professores/as indígenas que atuam nas salas de aula de suas respectivas comunidades. Atualmente, existem 19[††] instituições públicas, entre Universidades Federais e Estaduais que ofertam Licenciatura Intercultural no Brasil até o ano de 2013.

Considerações Finais

Observando todo o processo de fortalecimento da educação indígena, entendemos que os movimentos e as organizações vinculadas a esses povos foram cruciais para a legitimação de suas conquistas. A partir das associações e organizações surgidas, foi possível a construção de diálogos que viessem favorecer os povos indígenas em seus contextos, principalmente no que se refere à educação escolar indígena, que passou a ser vista e tratada de forma diferenciada, com objetivo de atender às necessidades específicas de cada comunidade indígena.

No contexto amazônico, as associações e cooperativas de professores indígenas desenvolveram critérios fundamentais a respeito da educação escolar indígena. Em Rondônia e Noroeste do Mato Grosso também não foi diferente. A constituição das organizações indígenas foi fundamental para a criação do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural, curso este que visa a formação dos professores indígenas em nível superior no estado de Rondônia, oferecido pela Fundação Universidade Federal de Rondônia, fruto de diálogos entre a sociedade civil e as populações indígenas da região, mediados pelo NEIRO e OPIRON.

Assim, compreendemos que as políticas públicas voltadas para a educação escolar indígena, como o AÇAÌ, tem o objetivo de assegurar que este modelo de educação possua as condições necessárias para os povos consigam manter as tradições culturais locais e suas características próprias. A escolarização indígena deve ser com base diferenciada, que as populações locais tradicionais tenham acesso aos conhecimentos universais, mas ao mesmo tempo, mantenham a valorização de seus costumes tradicionais de modo que reafirmem suas identidades e perpetuem suas raízes culturais.

 

Referências

AGUILERA URQUIZA, Antonio Hilario; NASCIMENTO, Adir Casaro. O desafio da interculturalidade na formação de professores indígenas. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 44-60, jan./jun. 2010.

 

BRASIL. Ministério da Educação – Conselho Nacional de Educação. Lei n. 10.172, de 09/01/2001. Dispõe sobre o Plano Nacional de Educação. Brasília. Diário Oficial da União. N. 07 de 10/01/2001, p. 1.

 

FLEURI, Reinaldo Matias. Intercultura e educação. Disponível em: http://www.Scielo. br/pdf/rbedu/n23/n23a02.pdf. Acessado em Agosto de 2010.

 

________ Políticas da diferença: para além dos estereótipos na prática educacional Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sciarttext&pid=S0101-733020060002 00009&lng=pt&nrm=isso. Acessado em Outubro de 2010.

 

ISIDORO, Edinéia Aparecida. Situação sociolingüística do povo arara: uma história de luta e resistência. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federalde Goiás, Faculdade de Letras. Goiânia, 2006.

 

MELIÁ, Bartolomeu. Educação Indígena da escola. Disponível em: http://www.scielo. br/pdf/ccedes/v19n49/a02v1949.pdf. Acessado em Setembro de 2010.

 

NEVES, Josélia Gomes. Cultura escrita em contextos indígenas (Tese de doutorado). UNESP: Araraquara, SP, 2009.

 

________ Universidade e povos indígenas: a possibilidade do dialogo intercultural na floresta. In: Multiculturalismo na Amazônia: o singular e o plural em reflexões e ações. AMARAL, N. F. Gurgel do. Curitiba: CRV, 2009.

 

PERETI, Dogmar, ett all. A cultura indígena e sua apropriação pelo homem não-indio. Disponível em: http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/terra_cultura/36/Terra%20e%20 Cultura_36-3.pdf. Acessado em Outubro de 2010.

 

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

 

[*] Artigo discutido anteriormente no evento V Seminário: Povos Indígenas e Sustentabilidade, realizado no ano de 2013.

[†] Mestra em Educação do PPGE (UNIR). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia – GPEA e GEAL – Grupo de Estudos Integrados sobre a Aquisição da Linguagem. E-mail: mialonso@hotmail.com

[‡] Mestra em Educação do PPGEDU (UFRGS). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia – GPEA. Email: rozanealonso@gmail.com.

 

[§] A este respeito, pode ser verificado o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural da Universidade Federal de Rondônia – UNIR campus de Ji-Paraná

[**] Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural – UNIR

[††]Ao todo, foram consultados pela pesquisadora, endereços eletrônicos de mais de duzentas instituições públicas brasileiras. O trabalho consistiu, principalmente, em acessar os sites de cada uma dessas instituições na tentativa de localizar informações consistentes sobre o oferecimento de cursos de Licenciatura Intercultural.

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