Educação Educação

O uso da avaliação mediadora na sala de aula: estudo de caso em um curso de geometria analítica e vetores

O uso da avaliação mediadora na sala de aula: estudo de caso em um curso de geometria analítica e vetores

 

Karina Pereira Carvalho[1] e Niltom Vieira Junior[2]

 

 

RESUMO

            Este trabalho faz uso de ferramentas contemporâneas na prática docente, segundo a concepção da avaliação mediadora contínua. A partir de três protocolos de análise, realizou-se uma pesquisa comparativa com métodos tradicionais e mediadores de avaliação em uma turma de estudantes de licenciatura em matemática. Os resultados e as dificuldades encontradas nesta prática são discutidos neste trabalho.

Palavras-chave: avaliação mediadora contínua, geometria analítica e vetores, prática docente.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Seguindo as definições de Hoffmann (2004), a “avaliação mediadora contínua” é o processo pelo qual se considera exatamente tudo o que o aluno faz em sua individualidade, ao longo de todo o período de ensino-aprendizagem e não somente ao final de etapas escolares com a aplicação de provas isoladas.

Carvalho (2013 e 2015) apresentou uma série de ferramentas avaliativas que poderiam ser aplicadas segundo a concepção de Hoffman (2004) e outros autores como Pironel (2002), Miranda (2012) e Fernandes (2011).

A partir do protocolo sugerido por Carvalho (2015), a avaliação mediadora na prática, realizada por este trabalho, baseou-se em três critérios: comportamento/comprometimento na sala de aula, construção de um relatório descritivo (análise conceitual da prova) e auto avaliação. Os resultados de sua utilização em um estudo de caso são apresentados a seguir.

 

2 EXPERIÊNCIA EM CAMPO

            Em uma turma com 14 estudantes de licenciatura em matemática do Instituto Federal de Minas Gerais – Formiga, durante a disciplina “geometria analítica e vetores” e com o aval do docente responsável, resolveu-se empregar os seguintes métodos de avaliação: observação contínua do comportamento (comprometimento/comportamento), relatório avaliativo (mediante argumentação sobre a prova realizada) e auto avaliação (justificativas dadas pelos próprios alunos sobre seu desempenho).

Os conteúdos abordados pela disciplina, no intervalo de realização da pesquisa, foram:

  • Semana 1: grandezas escalares e vetoriais; definição de segmentos, vetores e versores; vetores ortogonais, colineares e coplanares; adição e subtração de vetores no plano (R²); multiplicação de vetores por escalares; ângulo entre vetores;
  • Semana 2: combinação linear; base canônica; coordenadas cartesianas e polares; módulo de vetores; operações no espaço (R³); octantes e planos;
  • Semana 3: vetores definidos por dois pontos; vetor posição; representantes de vetores; paralelismo de vetores; ponto médio.

A cada semana eram realizadas 4 aulas (de 50 minutos cada) sendo duas teóricas e duas em laboratório (onde os conteúdos estudados eram vistos computacionalmente através dos softwares Geogebra e Winplot para reforço da aprendizagem).

O período de estudo teve duração de quatro semanas, sendo as três primeiras semanas dedicadas a apresentação de conteúdos pelo professor e a última semana a resolução de exercícios extras.

Após cada módulo de 4 aulas teóricas (cada semana) o professor entregava aos alunos uma lista de exercícios, a qual eles faziam e entregavam na aula seguinte. Ao longo do acompanhamento das aulas foram distribuídas três listas, que juntas somavam 136 itens. Ao final desta etapa foi aplicada, pelo professor, uma prova escrita (a qual seria, tradicionalmente, seu principal método avaliativo somado a um percentual mínimo de pontuação para quem lhe entregasse todas as listas de exercícios). Este processo gerou uma nota, aqui definida como “tradicional”, que foi atribuída pelo professor da turma em análise.

Ao mesmo tempo e paralelamente foi realizada, com fins comparativos, a avaliação mediadora conforme as ferramentas já elencadas e agora definidas:

  1. I) Comportamento

Na primeira aula a observação foi feita pela autora deste trabalho e também pelo professor da disciplina, para que no final se pudesse avaliar sua impressão ao lidar com novas variáveis e observações ao longo da aula. Todas as demais observações foram realizadas apenas pela autora deste trabalho que se sentou no fundo da sala, para que a observação fosse geral, podendo registrar o interesse e comprometimento de cada aluno participante desta pesquisa. De imediato notou-se que à observação tornou-se mais completa e detalhada quando comparada com a realizada pelo professor que não estava habituado a este procedimento e não se sentiu confortável para realizar varias tarefas ao mesmo tempo.

Registrou-se o comportamento dos alunos a partir da assiduidade, pontualidade, participação e concentração na sala de aula etc. Além disto, usou-se um questionário, aplicado após a realização da prova, onde os estudantes responderam questões relativas ao seu comprometimento com os estudos extra-sala (e que em alguma medida influenciou a média do escore “comportamento” a ele atribuído).

  1. II) Relatório avaliativo com base na prova

 Após a correção tradicional das provas, elas foram entregues aos alunos e pediu-se para que os mesmos justificassem cada questão respondida. Isto foi feito com o intuito de analisar através da avaliação mediadora o raciocínio e/ou métodos que cada aluno utilizou enquanto resolvia as questões, se realmente sabiam resolver, se haviam “chutado” e de que forma explicavam os erros cometidos. A nota de prova foi então recalculada utilizando a nota dada pelo professor acrescida ou decrescida de alguns pontos em função da análise das justificativas dada pelos alunos para as respostas por eles feitas (na sua correção o professor considerava apenas certo ou errado, sem observar nenhum outro critério como raciocínio, desenvolvimento etc.).

III) Auto avaliação

Por fim, foi solicitado que cada aluno atribuísse para si próprio uma nota considerando toda sua dedicação e performance durante o período de estudo. Esta nota foi utilizada sem alterações, como último fator para determinar a nota final de cada estudante.

3 RESULTADOS

            Se comparados os resultados que o professor titular da disciplina iria atribuir a mesma turma (usando apenas seus métodos habituais de correção de prova aliados a pequena pontuação pela entrega de trabalhos) com os resultados obtidos pela avaliação mediadora ter-se-ia o confronto visto na Tabela 1.

Tabela 1 – Comparação de resultados.

NOTA FINAL
ALUNOS Avaliação tradicional Avaliação mediadora
Aluna 1 73,35 74,81*
Aluna 2 65,02 42,53
Aluno 3 64,52 63,16
Aluna 4 54,70 63,38*
Aluna 5 65,20 67,50
Aluno 6 49,26 37,83
Aluna 7 88,76 83,45
Aluna 8 82,38 75,47
Aluno 9 67,11 81,89*
Aluna 10 31,88 39,85*
Aluna 11 64,97 69,96*
Aluno 12 54,41 70,51*
Aluna 13 78,41 79,92*
Aluno 14 77,08 53,86
* indica casos em que a nota da avaliação mediadora foi maior que a nota tradicional obtida.

Fonte: os próprios autores.

            Observou-se que em 7 casos a avaliação mediadora atribuiu maior nota aos estudantes, comparada com a avaliação que tradicionalmente seria realizada pelo professor, e em 7 casos a avaliação mediadora reduziu a nota.

O que fez a mediadora diminuir a nota, em maior escala, foram os registros feitos do comportamento de cada um em sala de aula durante as aulas. Por outro lado, na análise mediadora o item auto avaliação foi o fator que mais contribuiu na elevação das notas.

Ao se analisar individualmente estas variações obteve-se o seguinte:

– Aluna 1: por apresentar pouca concentração em sala sua nota neste item foi baixa, porém, ela própria se atribuiu elevada auto avaliação. Neste caso, julgou-se a avaliação mediadora eficaz ao elevar a nota, pois, segundo o professor, embora displicente em sala a aluna sempre se mostra estudiosa extra-sala;

– Aluna 2: foi uma das piores notas para concentração e participação, vez que a aluna passava toda a aula distraída, mexendo no celular etc. Entretanto, a aluna mostrou ter se preparado extra-sala tendo, inclusive, no momento da prova encontrado um erro em uma questão elaborada pelo professor. Neste caso, a avaliação mediadora não foi coerente;

– Aluno 3: em menor escala este caso foi similar ao anterior, com o mesmo fenômeno observado. Novamente a mediação não mostrou-se eficaz;

– Aluna 4: o relatório avaliativo mostrou que, embora tivesse cometido erros por desatenção na prova, o aluno possuía bom entendimento conceitual e domínio dos temas estudados. Por esta razão, julgou-se que a avaliação mediadora corretamente valorizou sua aprendizagem;

– Aluna 5: o bom desempenho e evolução da aluna ao longo da etapa justificaram um maior reconhecimento à sua nota atribuído pela mediadora;

– Aluno 6: neste caso a mediadora também mostrou-se eficaz, permitindo identificar lacunas conceituais no relatório avaliativo que fizeram perceber que muitos dos acertos na prova se deram ao acaso;

– Aluna 7: a avaliação medidora, principalmente quanto ao comportamento, abaixou de modo não coerente a nota desta aluna, pois, extra-sala ela apresentou excelente desempenho, participando de atividades de monitoria e buscando aprender por outros meios;

– Aluna 8: considerou-se eficaz a redução da nota em função principalmente da falta de comprometimento desta aluna durante a aula e fora dela. Mesmo ela tendo se atribuído elevada nota de auto avaliação, o fator “comportamento” propiciou correta redução de nota;

– Aluno 9: considerou-se que a mediadora valorizou acertadamente este estudante, pois, seu comprometimento, participação e desempenho foram diferenciados;

– Aluna 10: julgou-se que a auto avaliação interferiu negativamente, aumentando em demasiado a nota desta estudante que não se mostrou satisfatoriamente no curso;

– Aluna 11: considerou-se a mediadora eficaz, pois, através do relatório avaliativo verificou-se que a aluna apresentara evidente evolução conceitual;

– Aluno 12: a avaliação mediadora acrescentou coerentemente boa nota ao estudante em especial pelo seu comprometimento que foi valorizado;

– Aluna 13: tal qual para o aluno anterior o mesmo fenômeno foi observado e a avaliação mediadora a valorizou corretamente;

– Aluno 14: considerou-se que a desvalorização da nota, principalmente por conta da falta de comprometimento na sala de aula, não foi coerente, pois, o aluno ao término da etapa mostrou alto conhecimento conceitual acerta do assunto.

            Deste modo, embora tenha havido uma divisão inicial (7 casos em que a avaliação mediadora elevou a nota e 7 casos em que ela abaixou, comparativamente ao procedimento tradicional), constatou-se que na maioria de 9 ocorrências a avaliação mediadora mostrou-se mais eficaz do que o procedimento tradicional e em apenas 5 casos (Alunos 2, 3, 7, 10 e 14) ela foi considerada inadequada.

Estes resultados mostram algumas evidências quanto a proposta de avaliação mediadora:

  • ela considera a participação e envolvimento dos alunos principalmente dentro da sala de aula, fato que é omitido no enfoque tradicional;
  • tem sua nota fortemente influenciada pelos critérios “comportamento” e “auto avaliação”. Não é possível assegurar se esta influência será sempre negativa ou positiva. Se for negativa, a mediadora pode atribuir a determinado aluno elevada nota mesmo que ele ainda possua restrições conceituais (por conta de uma auto avaliação não coerente) ou pode atribuir a um aluno baixa nota, mesmo que ele apresente aprendizado (por conta do seu comportamento em sala de aula que, às vezes, reflete apenas sua incapacidade de concentração e não de aprendizagem). Em contrapartida, sua influência positiva ocorre, por exemplo, quando valoriza casos em que, por distração, o estudante comete erros simples na prova, por mais que tenha domínio conceitual apurado;
  • a avaliação abrangente, promovida pelo método mediador, requer além de uma mudança de paradigma um maior esforço do professor em sala de aula. A elaboração de múltiplos procedimentos avaliativos e, especialmente, o tempo dispendido para a análise do “comportamento e participação” ao longo de todas as aulas lhe acarreta um sobre trabalho com o qual não está habituado. Por esta razão, ficou evidente alguma rejeição inicial do professor da turma pesquisada quanto a mudança dos seus métodos. Conclui-se que a elevada carga de trabalho dos professores, aliada ao grande número de alunos que, em geral se constitui as salas, principalmente na educação básica, representam resistência ao uso destas técnicas diferenciadas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em vista dos problemas detectados na mudança de paradigma avaliativo algumas contribuições são apresentadas.

Sugere-se que a “auto avaliação” seja acompanhada de justificativas e que sirva principalmente como um feedback para que o professor perceba aquilo que deve ser melhorado na sua metodologia de ensino e avaliação. Se utilizada na prática como fator que determinará a media final, deve ser considerada quando houver um acordo com os alunos, no qual os professores deixem claro que irão analisar a nota mediante alguns fatores como, por exemplo, sua coerência com as respostas dadas, enquanto conceitos como maturidade e ética não sejam mais bem desenvolvidos.

            Quanto ao parâmetro “comportamento” chama-se atenção para o fato que a vivência tecnológica cada vez maior tem alterado significativamente características cognitivas dos estudantes como, por exemplo, a atenção e concentração. Considerando que os métodos de ensino, em contrapartida, mantêm-se em geral inalterados a décadas, são poucos alunos que conseguem ficar atentos sentados durante muito tempo assistindo uma aula expositiva. Este fato comprometeu decisivamente a média final na avaliação mediadora, porém, verificou-se que falta de concentração nas aulas não necessariamente representou alunos que não aprenderam o conteúdo ao término da etapa de estudo.

Sendo assim a avaliação dita “contemporânea” já requer novas considerações em virtude da dinâmica comportamental. Não se está defendendo que o aluno não precisa manter-se atento as aulas, mas sugere-se que esta questão seja mais bem estudada por trabalhos futuros e aponta-se a necessidade de que haja alguma ponderação no uso deste critério (comportamento na sala) para se obter a média final do aluno de modo mais coerente.

Observou-se também que a afirmação de Hoffmann (2004) é verdade no tocante a resistência também por parte dos alunos ao sentirem-se avaliados continuamente. Portanto, um trabalho de conscientização e compartilhamento de métodos deve ser feito para que a nova concepção seja entendida e valorizada por todos os envolvidos.

Por fim, quanto ao fato dos professores, talvez por falta de hábito, sentirem-se incomodados ao lidar com variáveis diferentes entende-se que uma valorização da carreira, a partir de políticas públicas, seja o caminho mais objetivo para que sejam valorizados também o ensino, a aprendizagem e a avaliação.  Segundo Hoffmann (2004) o que torna a ação avaliativa do professor mais complexa é que os percursos de aprendizagem são individuais e as propostas desencadearão diferentes configurações de aprendizagem para cada aluno. Políticas que permitam menor carga de trabalho em sala de aula, compreendendo a importância da formação continuada e a definição de turmas reduzidas (ou de dois professores por sala) como medida para melhoria da qualidade podem, em alguma escala, contribuir para este cenário.

No mais, pelas experiências e dados apresentados, entende-se que esta mediação pode promover resultados mais coerentes e confiáveis na avaliação da aprendizagem, quando comparados aos procedimentos tradicionalmente utilizados. Entretanto, o sistema educacional carece ainda de melhorias estruturais para tornar possível a operacionalização destas novas concepções. As dificuldades aqui encontradas, em alguma medida, respondem ao fato de, mesmo 20 anos após a lei de diretrizes e bases (BRASIL, 1996) determinar que os aspectos qualitativos da avaliação prevalecessem sobre os quantitativos, esta prática ainda não ser amplamente adotada.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Lei 9.394, de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, art. 21, 22, 35 e 36 – Brasília, 1996.

CARVALHO, Karina Pereira. Testes adaptativos informatizados versus avaliação mediadora contínua: uma análise mediante intervenções no ensino de matemática. 2013. 94f. Relatório (Iniciação Cientifica em Matemática) – Instituto Federal de Minas Gerais, 2013.

CARVALHO, Karina Pereira. Avaliação mediadora contínua: definições e possibilidades na prática docente. Revista P@rtes, v. 2016, n. jan., 2016. Disponível em: <http://www.partes.com.br/2016/01/28/avaliacao-mediadora-continua-definicoes-e-possibilidades-na-pratica-docente>. Acesso em: 28 jan. 2016.

FERNANDES, Diene Aparecida de Lima. A avaliação da aprendizagem: a perspectiva das professoras da 5ª a 8ª série do ensino fundamental. Gestão Universitária, v.1, p. 261, 2011.

HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover. Posto Alegre. RS: Mediação, 2004.

MIRANDA, Danielle de. Avaliação contínua. Canal do educador – Brasil escola. Disponível em: <http://educador.brasilescola.com/estrategias-ensino/avaliacao-continua.htm>.  Acesso em: 24 jul. 2015.

PIRONEL, Márcio. A avaliação integrada no processo de ensino-aprendizagem da Matemática. 2002. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências Exatas, campus de Rio Claro, 2002.

[1] Licenciada em matemática pelo Instituto Federal de Minas Gerais, mestrando em matemática pela Universidade Federal de Itajubá (karinapkarvalho@hotmail.com).

[2] Professor de matemática no Instituto Federal de Minas Gerais, doutor em engenharia pela Universidade Estadual Paulista (niltom@gmail.com).

Deixe um comentário