Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

Bêbada de Elegância

Bêbada de Elegância

Gilda E. Kluppel

 

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Feriadão, bar à beira da praia. O pessoal à vontade bebendo água de coco, suco e cerveja. Algumas cervejas a mais do limite, a fala começa a titubear com o tom da voz cada vez mais alto. Um grito vem de uma mesa no centro do bar: “Eu tenho muita elegança”, a palavra proferida deste modo, não elegância, mas “elegança” reforçando a última sílaba.

Todos os olhares se voltam à mesa. Três pessoas, um casal e uma senhora, nitidamente alterada. Logo, vem mais: “eu tenho muita, mas muita elegança”. O homem alerta que já está na hora de ir embora. A mulher se recusa, alega que ainda é cedo para voltar para casa, o feriado está apenas começando. E reforça: “é elegança demais para uma pessoa só”.

Diversos murmurinhos e risadinhas ecoam no ambiente. A mulher chama a atenção. Quando se dirige ao banheiro torna-se o alvo da observação de todos, que tentam entender o significado daquela “elegança”. De fato, a mulher poderia se considerar elegante, porém, qual o sentido em pronunciar a palavra de forma errada.

Será que a bebida em excesso contribuiu para travar a sua língua? Dificilmente alguém se expressa, sob o efeito do álcool, de modo contido, muito pelo contrário, a bebida faz com que o verbo se torne abundante e a sinceridade, aflorada nesses momentos, pode gerar situações desagradáveis. Provavelmente ela enfrentará um temeroso amanhã, marcado por uma grande ressaca e pela vergonha das inúmeras “eleganças” citadas durante a noite.

Devido à curiosidade aguçada, resultante do inusitado cenário, um rapaz muito jovem, ao perceber que o grupo levanta-se para sair, encaminha-se àquela mesa e formula a pergunta que todos gostariam de fazer: “O que é essa tal de elegança?” O senhor que acompanha a mulher, nitidamente constrangido, após se tornar o assunto para comentários durante quase duas horas, responde: “Uma brincadeira, ela tem uma loja, as vendas diminuíram, para ser elegante continuou a gastar em roupas e estourou o cartão de crédito. Juntou as palavras, elegância mais a cobrança e saiu essa elegança.” E ainda completa: “Ela está desesperada com tantas dívidas, por isto colocou as mágoas para fora. Desculpem, a elegância passou longe daqui hoje…”

Confesso que causava um certo incômodo, quando saía de alguns lugares de onde as conversas, entre as pessoas que abusam do álcool, geravam intermináveis sessões de piadas, além das discussões apaixonadas e inconclusivas sobre o melhor time de futebol do momento. Outros, para tentar demonstrar que bebem, mas não se tornam afetados, promovem debates sobre temas de maior seriedade, porém, a repetição exaustiva dos argumentos indica o estado etílico dos envolvidos. E talvez os mais inconvenientes, aqueles que apelam para a distribuição gratuita, não solicitada, de conselhos acerca do melhor modo de vida para todos os presentes.

Sempre existiram aqueles que buscam consolo para suas dívidas em goles de cerveja. Contudo, neste caso, entristeceu-me diante da melancólica crise social e econômica que atravessa o país e, com certeza, afetou o humor de alguns bêbados. Desta vez vem à memória o verso “E um bêbado trajando luto/Me lembrou Carlitos…” da música da Elis Regina. A irreverência de quem tenta superar uma situação desfavorável, ao brincar com o próprio drama.

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