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Alguns fragmentos e pequenas epifanias de Caio Fernando Abreu

Rodrigo da Costa Araujo

Alguns fragmentos e pequenas epifanias de Caio Fernando Abreu
 Publicado em 01/02/2006

www.partes.com.br/cultura/algunsfragmentos.asp

Eu vou magnetizando coisas no inconsciente, coisas do dia-a-dia, coisas que magicamente as pessoas vão te dizendo. Isto vai formando um todo que acaba se tornando uma história redonda. Caio F. Abreu

 

CAIO2 S11 ARQUIVO 16/08/93 – ED VARIEDADES JT – O ESCRITOR CAIO FERNANDO ABREU – FOTO DE MARCOS MENDES/AE

Caio Fernando Loureiro de Abreu (1948-1996) nasceu em Santiago (antigo Santiago do Boqueirão), no Rio Grande do Sul, a 12 de setembro de 1948 e faleceu dia 25 de fevereiro de 1996, em Porto Alegre, vítima da AIDS.

Esse ano, após dez anos de falecido, suas narrativas surgem com força e encanto. Dedicou-se a maior parte de sua escritura à narrativa curta, preferencialmente o conto, estreando sua carreira como escritor com o livro O Inventário do irremediável em 1970. No entanto, em sua bibliografia constam obras de diferentes gêneros literários, como seus dois romances, o primeiro, Limite Branco, de 1970, e o segundo, Onde Andará Dulce Veiga?, de 1990; o livro infantil As Frangas, de 1988, e um livro de crônicas, publicado após sua morte, em 1996, denominado Pequenas Epifanias.

As narrativas curtas são, porém, a preferência do escritor, que, desde Inventário do irremediável, publicou O ovo apunhalado, em 1975, Pedras de Calcutá, em 1977, e Os Dragões não conhecem o paraíso, em 1988. Ainda no ano de 1988, surge a coletânea Mel & Girassóis, reunindo diversos contos do autor já editados em outros livros. Em 1995, é lançado Ovelhas Negras, e em 1996, após seu falecimento, Estranhos Estrangeiros.

Seu livro mais conhecido é Morangos Mofados publicado inúmeras vezes. Trata-se de um livro de contos que, entre mofos e morangos, passeiam suas obsessões por personagens quase sempre anônimas que vivem em grandes cidades e em direção a um palmo qualquer de luz. Ou de sombra.

Como seus personagens, Caio se sentia um estrangeiro eterno, irremediável, um estranho estrangeiro, sem paz fora da própria terra, incapaz de viver nela. Em quase todos os contos, o escritor aborda seus temas preferidos: o estranhamento, a solidão, a dor e o sentimento de marginalização. Seus personagens vão envelhecendo com ele: sempre jovens em Inventário do irremediável. Mergulhados no espaço contaminado da pós-modernidade sua narrativa representa seres degradados pelas drogas, paranóias, AIDS, esquizofrenia, desencanto, muita procura e muito desamparo.

A cidade é o cenário preferido dos seus personagens, que embora tratem de narrativas onde a temática social predomina, esta é filtrada pela interioridade das figuras humanas, que reagem de várias maneiras aos fatos. Por isso a literatura de tema urbano tende a aprofundar a análise da vida interior das personagens.

Assim, sua narrativa pode ser classificada de psicológica, porque enfatiza o prisma intimista com que os eventos externos são percebidos; e estes deixam de ter sentidos predominantemente social, para se confundirem com problemas do inconsciente, produtos de traumas pessoais e de relações insatisfatórias na infância ou em determinado momento da vida.

A literatura urbana de Caio incorpora ao espaço urbano novos significados, ampliando o repertório e o alcance da literatura, representando seres diversificados ou muitas vezes melancólicos.

Paralelamente ao trabalho de escritor, Caio ainda trabalhou como jornalista e dirigiu algumas peças teatrais. Recebeu vários prêmios durante sua carreia.

Rodrigo da Costa Araujo é professor de Literatura da FAFIMA – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé. Mestrando em Ciência da Arte pela UFF-Universidade Federal Fluminense.
::contato com o auto

Sua escrita anti-epifânica (termo Olga de Sá em estudos sobre a narrativa de Clarice Lispector) revela o ser pelo seu avesso e procura atingir o leitor. Trata-se de um texto rápido, pictórico-fotográfico, sintético, que se quer icônico e cinematográfico, em que o encadeamento se processa como num jogo de cenas e em contínuos questionamentos. Um questionamento fragmentário sobre a linguagem, a conduta humana, a transcendência das coisas, os problemas existenciais, éticos e estéticos que nos envolvem na tarefa de viver.

Esse processo de hibridismo de linguagens, com pastiches da linguagem cinematográfica, presente na narrativa de Caio Fernando Abreu, vem se intensificando na literatura contemporânea, calcado agora não mais na simples reprodução, mas na proliferação da imagem eletrônica e só possível de se efetivar pela simbiose entre o mercado e os meios de comunicação de massa.

Sua escritura se fabrica pela montagem narrativa em partes, quebrada, deixando lacunas ao leitor, cortes na sequência do texto, seguida de uma trama de referências.

Tudo faz lembrar O jardim das delícias, uma forma de montar textualmente o que Barthes apontou como a encenação de um aparecimento-desaparecimento ou uma escritura repetida a todo transe, ou ao contrário se for inesperada, suculenta por sua novidade.

A leitura de seus contos proporciona o enigmático, o silêncio percebido como trágico, e o cinema que ganha representações nos imaginários dos personagens e na linguagem entrecortada, como a narrativa cinematográfica. Apesar dos diálogos tudo caminha para uma grande ausência do silêncio – como algo que deveria ser dito e ficou perdido, escondido na trama verbal.

Enfim, no reino de Eros a narrativa finissecular de Caio, como no filme A Morte em Veneza, baseado na obra homônima de Thomas Mann, testemunha e recupera a sensibilidade, assim como a angústia diante de um mundo que não atende às suas necessidades existenciais, atirando o homem de seu tempo à marginalidade e à transgressão.

No orkut, as quatro comunidades sobre o autor somam 4.600 membros -todos hipnotizados pelos labirintos narrativos da escritura pós-moderna de Caio Fernando Abreu.

Talvez seja o magnetismo narrativo movido pela mágica e pelo silêncio que seduz o leitor sensível na tentativa de encontrar o espinho que atravessa a carne do texto, tudo num cuidado muito especial na pista escorregadia da linguagem.

A obra do autor esta sendo relançada pela Editora Agir.

Morangos Mofados

Publicado originalmente em 1982, Morangos Mofados é o livro mais conhecido do autor. Foi lançado 11 vezes e traduzido para diversas línguas.

Caio Fernando Abreu – Caio 3D – O melhor da década de 1970

 

O primeiro volume, dedicado aos anos 1970, é aberto pelos contos de O Ovo Apunhalado e fragmentos da produção de Caio ao longo desta década.

Caio Fernando Abreu – Caio 3D – O melhor da década de 1980

O Essencial da década de 80, reúne os contos de Morangos Mofados, de 1982, Os Dragões não conhecem o paraíso, de 1988, além de escritos inéditos, cartas e poemas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ABREU, Caio Fernando. Morangos Mofados. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

_______. Pequenas epifanias. (Crônicas – 1986/1995) Sulina. Porto Alegre, 1996.

ARAUJO, Rodrigo da Costa. A Linguagem da narrativa de Caio Fernando Abreu na travessia para o século XXI. Ensaio apresentado no XIII Congresso da ASSEL-Rio “Linguagens para o terceiro milênio”, realizado no Instituto de Letras da UFF. 25 de outubro de 2005.

BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. 4ª ed. SP. Perspectiva, 2004.

SÁ, Olga de. Clarice Lispector: a travessia do oposto. São Paulo: Annablume, 1993.

Imagens:

http://revistaquem.globo.com

Paginas no orkut: Egídio La Pasta Jr.

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