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Didática, pra que te quero? Refletindo o processo de ensinar e aprender matemática na escola pública

Didática, pra que te quero? Refletindo o processo de ensinar e aprender matemática na escola pública.
Por Josélia Gomes Neves

www.partes.com.br/educacao/didatica.asp

 

Diléia da Silva Brun[1]

Josélia Gomes Neves

Vaneska José Nunes da Silva

Viviane Gomes

 

RESUMO: Investigamos neste trabalho, as dificuldades de aprendizagem na disciplina de matemática de uma turma de 5ª Série da rede pública do município de Ji-Paraná – RO, numa perspectiva psicopedagógica. Esta atividade constitui o principal objetivo do Projeto de Extensão Viver Matemática, do Grupo de Pesquisa Educação na Amazônia/CNPq  da Universidade Federal de Rondônia – Campus de Ji-Paraná. Foi possível diagnosticar algumas dificuldades, encaminhar as intervenções pedagógicas que evidenciaram a capacidade de aprendizagem dos alunos e alunas da referida Escola e ao mesmo tempo possibilitaram a construção de saberes significativos no campo da Didática às participantes do Projeto.  

Palavras-chave: Educação Matemática, Didática, Dificuldades de Aprendizagem, Intervenção Pedagógica.

Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Ensinar inexiste sem aprender e vice –versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível  – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar.                                                                            (FREIRE, 1996, p. 23-24) 

 

A realização do referido Projeto deu-se em função da solicitação da EEEFM Gonçalves Dias a respeito das dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos alunos e alunas da 5ª série do ensino fundamental. Após a discussão e elaboração do Projeto de Pesquisa e Extensão Viver Matemática com a equipe de acadêmicas, Diléia, Vaneska e Viviane, todas matriculadas no Curso de Matemática da UNIR – Campus de Ji-Paraná e, considerando que o mesmo estava previsto como uma das ações do Projeto Helicônia referente aos períodos de 2004 a dezembro de 2006, aprovado no Departamento de Ciências Humanas e Sociais e no Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia vinculado ao CNPq, com linha de pesquisa específica, nos reunimos com a coordenação da EEEFM Gonçalves Dias e definimos o planejamento e o cronograma das atividades.

As informações a respeito da turma e o critério de encaminhamento dos alunos e alunas para o Projeto de Pesquisa e Extensão Viver Matemática levou em conta as seguintes questões: as dificuldades de aprendizagem em Matemática e o fato desta turma ser considerada a mais difícil da escola em termos de desempenho de aprendizagem e comportamento. Essa informação foi importante para o planejamento que realizamos na medida em que possibilitou antecipar possíveis intervenções pedagógicas acerca das reações dos adolescentes da Escola Gonçalves Dias. (POPPOVIC, 1981, p. 20):

Temos, então, para determinar o fracasso escolar, uma explicação de fundo social, muito mais ampla e verídica do que a das deficiências individuais. Porém se bem examinada, essa teoria continua apontando para um só culpado: o aluno que vem de uma família pobre e, portanto, despreparado para os padrões exigidos pela escola; seriam seus métodos, seus critérios, sua didática, sua organização continuam fora do debate.

(POPPOVIC, 1981, p. 20)

Portanto, desde o início tínhamos claro que a situação apresentada era extremamente desafiadora, mas decidimos partir das premissas de eleger o diálogo como recurso permanente na relação com os alunos e alunas, bem como, o respeito, a escuta como elemento pedagógico e, sobretudo o crédito na sua capacidade de aprender e possibilitar por sua vez a construção de saberes de toda a equipe envolvida.

I Encontro: Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo e com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo…[2]

 

No primeiro dia de aula, em sete de junho,desenvolvemos as atividades com dezoito alunos e alunas. No primeiro momento procuramos estabelecer uma relação dialógica entre os alunos e alunas e nós, através de várias estratégias, tendo como elemento comum à escuta pedagógica. Dentre elas, a leitura compartilhada de um texto do livro de Malba Tanhan O homem que calculava. Não foi fácil fazer a leitura, considerando falas paralelas de alguns alunos e alunas, entretanto o que sustentava nossa hipótese era a ideia de que é importante ler em um contexto de discussão matemática até para questionar a tradicional concepção de que leitura não combina com cálculo. A esse respeito, é interessante compartilhar a perspectiva apontada por Golbert (2002, p. 40):

O pensamento está tão delimitado  pelos instrumentos culturais utilizados que são difíceis imaginar-se como o mundo pode ter sido experienciado antes que os  modelos conceituais e as notações a eles associados tivessem sido construídos. E é  por isso que o pensamento matemático é profundamente influenciado pela interação face a face e pelas práticas culturais das quais elas participam.

Foram criadas várias situações para que os alunos e alunas interagissem com a leitura, expressassem suas opiniões, dialogassem a respeito do assunto, e fizessem suas críticas, porque não? Afinal, a leitura possibilita essa dimensão. Muitos evidenciaram ter pouco acúmulo em relação ao hábito da leitura, pelo fato de afirmarem que não gostam de ler,  ou ainda por aparentar desinteresse ou entusiasmo. Após o envolvimento deles e delas com a leitura, e tendo em vista que estavam  bem animados, aproveitamos essa desenvoltura para conhecermos melhor quem eram,  do que gostavam  e do que não gostavam.

Pedimos que se organizassem em duplas, onde um iria apresentar o outro  e vice-versa. Essa dinâmica nos fez perceber que quando alguém é precisa apresentar-se ou apresentar outro, de certa forma institui-se uma formalidade perante o coletivo e inibe a desenvoltura que se tem, diferente do comportamento de sala de aula com os colegas e com a professora. Talvez seja por não ter  o costume de falar abertamente sem interferência dos colegas, por sentir-se muito exposto, pois ali estará a pessoa e o colega somente, sob o olhar atento de toda a sala, onde estaria sob a observação dos demais, percebendo, talvez, sua tonalidade de voz, seu comportamento, sua linguagem, sua pessoa, sua aparência.

A vergonha, a nosso ver, esteve muito presente nas apresentações, mas o que nos deixou muito preocupadas foi com as respostas de alguns, que quando diziam que o que mais gostavam de fazer era bater, ver bater, dar porrada, assistir desenhos violentos, ou seja, nossa inferência é que a realidade daqueles meninos e meninas poderia estar repleta de agressividade, pois assim se tratavam. Expressavam um linguajar hostil e atitudes violentas entre si, sintetizando práticas de intolerância uns com os outros.

Essas atitudes se tornaram mais evidentes, quando fomos desenvolver um diagnóstico por meio de uma gincana baseada em conhecimentos  relacionados à matemática, mais especificamente envolvendo as quatro operações, números primos e funções, utilizamos pedaços quadriculados, onde escrevemos as perguntas  e operações referente à adição, multiplicação, subtração, divisão, sucessor, antecessor e função aparente.

Sobre as frações é interessante relembrar que iniciamos as atividades utilizando desenhos, como forma de facilitar a aquisição conceitual, de forma a aproximá-los do que estava sendo apresentado, antes de partirmos para os procedimentos, por meio da relação de correspondência: Ex.:  ½     :    ½   =    2/2  = 1 ou O que pode acontecer se tenho como lanche da tarde a metade de uma maçã e mais tarde volto a comer a outra metade? Isso mesmo, a comi inteira.

Dividimos a sala  em dois grupos de nove alunos cada, onde os grupos ficariam com uma mediadora e as outras duas se encarregariam das perguntas e registro dos pontos. Vemos que é necessário haver o trabalho em grupo, que possibilita a troca de conhecimento, a interação, confirmada por Golbert (2002, p. 40) que afirma: Após um trabalho em conjunto, frequentemente, se constata que o pensamento de algumas crianças, mais ou menos que de outras, reflete a atividade social da qual elas participaram.

Foi definido o tempo de cinco minutos para escolha do nome do grupo,  um deles escolheu sem muita agitação, mas o outro demorou um pouco na construção do consenso: de um lado as meninas querendo Amigos GD, que significa Amigos do Gonçalves Dias, de outro os meninos sugerindo Spider Man, Fogo do Inferno, As caveiras e outras expressões semelhantes. As meninas não aceitavam a opinião dos meninos e estes, não aceitavam a opinião delas. Por fim mediamos o debate e sugerimos uma junção, que resultou em  Amigos do Spider. Essa atitude permitiu a avaliação da intolerância diante das propostas do outro e  a falta de diálogo entre as partes envolvidas.

A gincana foi importante porque através dela foi possível perceber os diversos comportamentos diante da disputa, diante do erro do outro e do próprio erro, diante da agressividade do outro e da própria agressividade e da  impaciência. Mas analisamos que a estratégia proposta para levantar os conhecimentos que os alunos e alunas dispunham, isto é, a gincana, não foi a mais adequada pois estimulou mais ainda a competição entre eles e elas, acirrando os ânimos e brigas.

Como se tratava do primeiro encontro do Projeto, definimos que nos próximos, atuaríamos com grupos menores para trabalharmos situações-problema envolvendo multiplicação e divisão, pois durante a gincana detectamos que as dificuldades maiores estavam nessa área além de que os pequenos agrupamentos, possibilitam uma melhor observação do desempenho pedagógico dos alunos e alunas.

 

II Encontro: Corro o lápis em torno da mão eu me dou uma luva e se faço chover com dois riscos tenho um guarda chuva…[3]

 

No segundo dia de trabalho, dia quatorze de junho, iniciamos as atividades com uma leitura de um texto retirado do livro Aritmética da Emília, de Monteiro Lobato. Havia bem menos alunos e alunas, dentre os quais dois novatos presentes. Lemos o texto, que falava da linguagem numérica, a diferença de número para algarismo, houve contextualização sobre o assunto, procuramos sempre utilizar uma tonalidade de voz regular de modo como referência de aprendizagem e internalização de hábito. Nesse sentido, concordamos com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 41), quando assinalam que:

 

Como um incentivador da aprendizagem, o professor estimula a cooperação entre os alunos, tão importante quanto a própria interação adulto/criança. A confrontação daquilo que cada criança pensa com o que pensam seus colegas, seu professor e demais pessoas com quem convive é uma forma de aprendizagem significativa, principalmente por pressupor a necessidade de formulação de argumentos (dizendo, descrevendo, expressando) e a  de comprová-los (convencendo, questionando).

Observamos que os alunos e alunas participaram ativamente do diálogo e  aproveitamos a ocasião para trabalharmos com eles a metáfora da “Enxada e da Pá”, o que significa isso? Bem, no primeiro dia de aula notamos que eles sempre procuravam apontar para o colega, atribuindo-lhes responsabilidades, culpas, acusações ou a atenção do assunto, e nunca assumiam sua postura de que “eu também erro, eu também faço, eu também minto” , enfim, coisas que na maioria das vezes pode ser ilustrado com a imagem da Pá que serve para jogar a terra ou jogar para o outro. Refletimos que muitas vezes nós também jogamos para o outro as responsabilidades que deveríamos assumir, que são nossas. Já a Enxada representa nossa postura em assumir as responsabilidades que nos cabem, quando cometemos ou fazemos algo, pois ela puxa a terra, e fazendo analogia, tem tudo a haver com algumas atitudes nossas diante de algumas situações.

Também conversamos sobre a mentira, o respeito mútuo, o fato de criticarmos excessivamente e evitarmos a autoavaliação. Após essa reflexão a respeito das atitudes, que consideramos conteúdo de aprendizagem tão importante como os demais, conforme nos aponta ZABALA ((1998), enfocamos os saberes matemáticos envolvendo uma situação-problema. Pesquisamos em livros didáticos de 5ª série, problemas adequando à realidade deles para facilitar o envolvimento e o interesse pelo assunto. Dividimos a sala em três grupos com três pessoas cada, e cada grupo com uma mediadora.

Na resolução destes exercícios detectamos algumas dificuldades, como na interpretação do problema, no qual poderiam utilizar a operação de divisão e multiplicação, verificamos que partiram pelo caminho mais longo, utilizando a subtração e adição. Depois de algumas orientações, uma aluna dentre os três de um grupo, resolveu a questão baseada na divisão e multiplicação, expectativa que tínhamos em relação ao problema posto.

Analisamos que quando se trabalha com pequenos grupos é possível  verificar as dificuldades dos alunos, as dúvidas, os medos, os anseios, os desempenhos na aprendizagem, onde eles até mudam o jeito de se relacionarem, pois ali estão juntando pensamentos e ideias para resolver um problema, onde cada ideia é bem vinda,  acaba havendo reciprocidade entre eles, e isso é bem interessante ser trabalhado quando se tem uma sala com práticas de agressividade e intolerância com o outro. Quando discutíamos sobre o problema, cada qual explicou para o outro os procedimentos utilizados, o jeito que fizeram para resolver o problema, que foi possível em função do exercício da interação, da troca de informações e ideias, reflexão confirmada por Carraher, (1991, p. 12): “A aprendizagem de matemática na sala de aula é um momento de interação entre a matemática organizada pela comunidade científica  ou seja, a matemática formal e a matemática como atividade humana.

Depois de resolverem o problema, foi sugerido que o grupo criasse uma situação-problema e resolvem a mesma e depois explicassem para os colegas como efetuaram e interpretaram a questão. Nessa perspectiva, Golbert (2002, p. 43), estabelece que:

 

A habilidade do estudante para resolver um problema envolve uma combinação entre a representação do problema atual e a organização do conhecimento previamente adquirido. Isto porque, se o conhecimento prévio está representado em esquemas mentais bem organizados os estudantes têm boas chances de conectar as representações de problemas novos e de solucioná-los.

Fazendo uma avaliação sobre como foi o dia, percebemos que  o trabalho em pequenos grupos favoreceu e muito a aprendizagem dos alunos e alunas, verificamos que o trabalho foi mais produtivo. Algo também que foi ressaltado é que a família tem grande influência na aprendizagem e no comportamento, por isso, é importante envolver os pais na vida estudantil dos educandos. É interessante haver interação  entre família e escola e escola e família, pois os pais também ensinam, só que também devem ser orientados a respeito deste ensinar.

Observamos que há necessidade de sempre se conversar com os adolescentes participantes do Projeto, sobre as relações, o que fazemos para os outros e que não queremos para nós, principalmente produzir reflexões a respeito de práticas preconceituosas, que podem estar relacionadas a comportamentos autodepreciativos que verificamos algumas vezes nas falas de um determinado aluno, como, ao discutir sobre o que mais gostavam em um circo, ele falou: dos meus irmãos, os macacos. Este menino é negro. Os colegas riram do comentário. O Relatório Jacques Delors, expressa através dos conhecidos pilares da educação  as quatro aprendizagens que consideram fundamentais para o nosso tempo: aprender a saber,  aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver.

Nas reuniões avaliativas, refletimos sobre a Tipologia dos Conteúdos. A esse respeito Antoni Zabala, educador espanhol em sua obra A prática educativa: como ensinar adverte que aprendemos coisas diferentes de formas também diferentes. Para este autor os conteúdos podem ser divididos de três formas: conceituais, procedimentais e atitudinais. A aprendizagem dos conceitos, como mamífero, demografia, nepotismo, cambalhota, etc e princípios, leis ou regras como a de Arquimedes – se dão mediante os processos de compreensão.

O conteúdo procedimental, constitui-se numa série de ações ordenadas e com um fim específico, se dirigem para o cumprimento de um determinado objetivo, como ler, desenhar, observar, calcular, etc , é o fazer propriamente dito. E a aprendizagem dos conteúdos atitudinais, subdividido em valores (ideias éticas que permitem às pessoas emitir um juízo sobre as condutas, como a solidariedade), atitudes (tendências estáveis das pessoas para atuar de certa maneira, como o respeito ao meio ambiente) e as normas (regras de comportamento social). Adquirimos um valor quando este foi internalizado. Aprendemos uma atitude, quando pensamos, sentimos e atuamos de forma mais ou menos constante. E quanto a norma, aprendemos, quando a aceitamos como regra básica da coletividade (ZABALA, 1998).

Sobre o conteúdo Conceitual, analisamos que é importante no trabalho com as operações de multiplicação e divisão, assegurar processos de compreensão para apropriação do que significa multiplicar e dividir, antes de se partir para os procedimentos, a resolução do algoritmo. Sobre a questão, Golbert (2002, p.47), nos esclarece que:

Mesmo cumprindo um importante papel, a linguagem, por si só, não assegura o pensamento conceitual. Somente quando se entende a critérios de ordem teórica e prática, ou seja, quando o indivíduo apresenta uma conduta adaptada a uma situação pode-se falar em pensamento conceitual. Um conceito é sempre operatório, permitindo o enfrentamento de situações. O critério definitivo do pensamento conceitual é sua relação com condutas, a possibilidade de uma atividade de acordo com uma  situação, a elaboração de respostas a um problema.

 

III Encontro: Se um pinguinho de tinta cair no pedacinho azul do papel, de repente imagino uma linda gaivota voar no céu…

No terceiro dia de aula, ocorrido no dia 21 de junho, iniciamos a aula com uma leitura retirada do livro “Vivendo Matemática”, sob o título: As mágicas de um tio brincalhão. O texto fala sobre a magia dos números, que se pode brincar e criar coisas legais com eles. Tentamos mostrar um outro olhar para a matemática através desse texto, demonstrar, por exemplo questões curiosas, prazeirosas e com sentido para alunos e alunas, a  diversidade de coisas bacanas que esta área do conhecimento proporciona, como estratégia de questionar o senso comum, infelizmente reproduzido por muitos professores que a Matemática é um saber de poucos, de apenas uma minoria inteligente, impossível de ser democratizada. A esse respeito, Golbert (2002, p.  43 e 44) considera que:

A reflexão gera uma “atitude” matemática, da origem a esquemas mentais apropriados para pensar matematicamente e  fazer matemática. Nesta  perspectiva, a matemática deixa de ser a prática de memorizar e executar técnicas e passa a ser o modo  de abordar um problema, a partir de diferentes perspectivas, procurando relações.

Depois de conversarmos sobre o texto, partimos para os questionamentos que eles tinham dentro dos temas que estavam estudando e que teriam prova naquele dia. Começamos dividindo a turma que não era grande em pequenos grupos, utilizamos recursos como a lousa para auxiliar nas dúvidas manifestadas. No decorrer do tempo, percebemos que alguns alunos que ainda não conseguiam se expressar e ou relaxar no grupo,geralmente tímidos ou reservados, agora se sentiam bem mais à vontade para tirar as dúvidas, conversar, perguntar, sobre o assunto em pauta, que era MMC – Mínimo Múltiplo Comum e Frações envolvendo adição,  subtração e divisão. A princípio cada aluno tinha uma maneira diferente de efetuar os problemas, o que para um era fácil, para o outro era difícil, então procuramos trabalhar o que era fácil para todos, desse modo todos conseguiram assimilar as condições para efetuar os cálculos.

Fazendo uma avaliação sobre esse dia podemos diagnosticar que os alunos têm dificuldade em encontrar o MMC, e organizar a relação entre o denominador e numerador, bem como em assimilar as relações de multiplicação e divisão nas frações. Cada qual, expressou maneiras diferentes de resolver e entender, demonstrando como todo mundo habilidades e dificuldades. Entendem o que é multiplicação e divisão, mas o tempo de contato foi muito curto, ou seja, as oportunidades foram atropeladas pelos conteúdos consecutivos, nos quais não estão sendo aproveitados totalmente, porque há lacunas de conhecimento, deficiência na compreensão do conceito de divisão e multiplicação.

Um outro detalhe importante, é lidar com a heterogeneidade na turma, os diferentes saberes e níveis de conhecimento na sala de aula. Observamos que alunos e alunas que já sabiam as quatro operações, acabavam participando mais, impossibilitando assim as falas dos mais tímidos e inseguros. Sabemos que há diferentes tempos de aprendizagem, os alunos e alunas têm diferentes desempenhos, que na maioria das vezes os professores e professoras reclamam não dispor de tempo para resolverem estas situações. Entretanto se a lógica do trabalho docente se apoia exclusivamente na pedagogia frontal no dizer de Peerrenoud (2000), caracterizado por cadeiras enfileiradas uma atrás da outra, onde só os alunos e alunas que já sabem, que tiveram oportunidades que não alcançou ou demais, podem participar efetivamente deste modelo de aula, pouco se poderá fazer com os que têm dificuldades de aprendizagem. Daí a proposição do desenvolvimento de aulas através de pequenos agrupamentos que além de permitir a troca de conhecimentos entre os aprendizes possibilita ao professor contemplar os diferentes níveis de saberes, produzindo uma qualidade de intervenção mais adequada que efetivamente vai ao encontro das necessidades dos discentes. Especificamente, notamos que alguns alunos, alunas utilizavam recursos muito demorados para efetuação da multiplicação e divisão, algo que indica a necessidade de intervenção pedagógica.

IV Encontro: Pinto um barco à vela branco navegando há tanto céu e mar num beijo azul e entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená…

Quarto dia de aula, dia vinte e oito de junho, inicia lendo um texto de Sônia Junqueira, sob o Título: “O peixe pixote”. Esse texto foi interessante porque retratou sobre um assunto bem importante, o olhar para a vida com outros olhos. O texto foi lido por uma das alunas, que ficou muito feliz por fazer isto. Os demais prestavam bastante atenção, mas alguns, a nosso ver, tinham uma certa rejeição pelo fato de uma menina estar lendo. Contudo, a leitura foi feita e eles gostaram da história, pois além de ser interessante, ela era bem ilustrada, o que os cativou ainda mais. Desse modo partimos para o diálogo, sobre o que eles acharam da história, se ela tinha alguma coisa a ver com a vida deles, se eles já se viram de olhos fechados como o peixinho ficou na história.

Alguns comentaram sobre a situação em questão, no fato do peixinho ser triste porque não gostava do lugar que vivia porque era escuro e nunca tinha ninguém, mas quando chegava à margem do rio, quando abria os olhos contemplava as maravilhas que no fundo do mar, desconhecia, onde só passou a conhecer quando abriu os olhos e aí percebeu, que o problema estava nele que não queria ver o mundo tão belo que o esperava, pelo fato de sempre ficar com os olhos fechados no seu habitar  natural e abrir os olhos onde não conseguiria viver por questão de minutos.

Dando continuidade ao trabalho, partimos para uma atividade que envolvia cálculo, raciocínio e muita atenção: o bingo, porque este jogo nos ajudaria a trabalhar a grande deficiência da maioria, que é  a tabuada. Para proporcionar um envolvimento maior, utilizamos brindes variados para os participantes.

As perguntas que fizemos estavam ligadas às quatro operações, sucessor e antecessor, números primos e pequenas equações. Para Macedo (2000: p. 6), atividades desta natureza possibilitam a produção de uma experiência significativa para as crianças tanto em termos de conteúdos escolares como do desenvolvimento de competências e de habilidades.

No decorrer do estudo, percebemos que essa atividade criou muito envolvimento e criatividade dos alunos e alunas, que na sua vida estudantil passam muito rapidamente sobre esses conceitos básicos para compreensão de conteúdos posteriores.

É de grande valia estabelecermos parcerias com os alunos e alunas que já aprenderam e por isso podem contribuir como mediadores no processo, o que Vygotsky chame de colaborador mais capaz, como percebemos algumas vezes nesse trabalho. Entendemos que trata-se de um aspecto que precisa ser revisto por alguns professores e professoras – o fato dos alunos se agruparem, pedirem ajuda, fazerem perguntas aos seus colegas não significa necessariamente uma prática de escora ou de cola, pode indicar uma importante parceria de aprendizagem, conforme afirma Golbert, (2002, p. 44):

A comunicação promove aprendizagem, na medida em que os alunos interagem, colaboram  na resolução de problemas, desenvolvem estratégias, exploram diferentes soluções. Evidentemente, compartilhando informações e estratégias, é possível  desenvolver um âmbito mais amplo de problemas, do que quando um estudante trabalha só.

Ao observarmos os alunos e alunas, detectamos técnicas de multiplicação e divisão utilizadas por eles e elas, como as apresentadas na foto abaixo: a utilização da técnica do agrupamento de pauzinhos, elaboração da tabuada e a contagem dos dedos.

Através dessa percepção, podemos dizer que as estratégias utilizadas pelos alunos e alunas expressam a aprendizagem mais de procedimentos – relacionada às habilidades, ao saber fazer que de conceitos – relacionada às competências, o saber, no qual é responsável pelo desenvolvimento do raciocínio das relações matemáticas. As pesquisas em Didática referentes à tipologia dos conteúdos nos autorizam a afirmar que não basta apenas concentrar esforços no resolver as contas – prática comum no ensino das quatro operações, mas igualmente importante é a apropriação que o aprendiz deve fazer para compreender o conceito desta operações, o que significa adicionar, subtrair, multiplicar e dividir e não apenas valorizar o algoritmo – primeiro se faz isto, depois isso e depois assim…

Após terminarmos esta atividade, que em nossa avaliação foi de grande importância para a aprendizagem deles, entregamos os brindes a todos e todas que participaram, aos que tiveram a frequência regular. Na oportunidade, fizemos uma entrevista com alguns deles a respeito do Projeto, sobre o que acharam de interessante e de importante, o que não foi legal, etc Alguns falaram  e  nós  também manifestamos nossas inferências. Na opinião dos adolescentes o Projeto foi interessante, porque: “Ajudou a gente nas provas”; “Estamos aprendendo muito”; “As professoras da Universidade são muito legais”; “ As professoras sabem explicar bem o assunto”. No final  fizemos uma confraternização com bolo e refrigerante, os alunos  e alunas gostaram muito e pediram que o projeto continuasse depois das férias.

 

Conclusão 

Diante desse trabalho percebemos que os alunos e alunas são muito afetivos e disponíveis para o diálogo – o tempo todo demandavam atenção, nos diziam com gestos e palavras que era bom e importante estarmos ali. Embora sejam vistos como problemáticos e com dificuldades de aprendizagem, analisamos que esta avaliação não pode ser unilateral, isto é, ser considerado apenas o lado dos alunos e alunas. É preciso que todos os elementos do sistema sejam considerados – pais, mães, escola, SEDUC e discentes. Embora as escolas se queixem da violência, não podemos esquecer que também se constituem como agências da desigualdade social que também reproduzem violência, por exemplo, quando atestam a incapacidade das crianças e adolescentes das classes populares por meio da expulsão que chamam de evasão ou da reprovação continuada. Rabelo, (2002, p. 73) insiste na necessidade da escola reavaliar seu modelo de educar, conforme transcrição abaixo:

Se a escola continuar considerando o desenvolvimento complexo como uma simples questão de combinação de hábitos, reduzirá o ensino e a educação a uma simples exercitação e, se, continuar considerando a maturação das capacidades mentais como um processo contínuo e espontâneo, não só não conseguirá explicações para os mecanismos do desenvolvimento mental como também relegará, para um segundo plano, as influências educativas, considerando-as, no máximo, como meio para  acelerar ou retardar a maturação natural, que já tem direção predeterminada. Ou seja, a escola continuará num nível inatista ou pré-formista.

Entendemos que a Universidade ao propor Projetos de Pesquisa e Extensão à comunidade, possibilita pelo menos duas grandes questões para estudo: contribuir na aprendizagem de alunos e alunas desacreditados em sua capacidade de aprender,  e permitir a estudantes da graduação de Matemática,  oportunidades de confrontar saberes aprendidos na faculdade com os desafios colocados pela prática cotidiana.

Neste sentido, ficamos satisfeitas pelas aprendizagens que compartilhamos e por aquelas que aprendemos com os alunos e alunas da 5ª série da EEEFM Gonçalves Dias do município de Ji-Paraná, Rondônia. Com a ajuda destes meninos e meninas – suas perguntas, questionamentos, atitudes e inferências, poderemos certamente ter mais chance de realizar futuramente uma pedagogia tão diferenciada quanto é a Amazônia em sua diversidade. Com Beto Guedes afirmamos que a lição sabemos de cor, só resta aprender[4]

Referências Bibliográficas:

CARRAHER, Terezinha; SCHLIEMANN; CARRAHER, David. Na vida dez, na escola zero. 6 ed. São Paulo: Cortez, 1991.

GOLBERT, Clarissa S. Novos Rumos na Aprendizagem da Matemática. Porto Alegre: Meditação, 2002.

LOBATO, Monteiro. Aritmética da Emília.  São Paulo: Brasiliense, 2000.

MACEDO, Lino (org.). Aprender com jogos e situações-problema. Porto Alegre: Artmed, 2000.

PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.

POPPOVIC, Ana Maria. Enfrentando o fracasso escolar. ANDE. Revista da Associação Nacional de Educação. 1981, vol 1, n. 2, p. 17-21

RABELO, Edmar Henrique. Textos Matemáticos:  produção, interpretação e resolução de problemas. 3. ed. Petrópolis, RJ. Vozes, 2002.

[1] Texto produzido pelas acadêmicas do Curso de Matemática: Diléia da Silva Brun (dilabrun@hotmail.com), Vaneska José Nunes da Silva (nesskanuess@hotmail.com) e Viviane Gomes, sob a Coordenação da Profª  Ms. Josélia Gomes Neves (shiva@enter-net.com.br)  da Universidade Federal de Rondônia – Campus de Ji-Paraná – Rondônia – Amazônia.

[2] Aquarela – Toquinho.

[3]

Idem

[4] Quando entrar setembro – Beto Guedes

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