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EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM TERRAS INDÍGENAS: PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO E CURRÍCULO

EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM TERRAS INDÍGENAS: PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO E CURRÍCULO

Cristovão Teixeira Abrantes[*]

Resumo: Este artigo focaliza a questão ambiental como tema transversal no currículo das escolas indígenas do povo Cinta Larga do Parque Aripuanã, localizado na divisa de Mato Grosso com o Estado de Rondônia. Atualmente, é habitado por três povos indígenas da família lingüística Tupi-Mondé: Cinta Larga, Suruí e Zoró. O Programa de Formação de Professores Indígenas – Projeto Açaí de Rondônia, durante a formação dos 126 professores indígenas das 33 etnias procurou estabelecer um diálogo com as questões ambientais no período das etapas do curso. Nesse sentido, o curso procurou enfatizar a necessidade de uma educação ambiental multicultural e transdisciplinar com destaque à valorização dos saberes indígenas nas inter-relações com a sociedade nacional como forma de identificar novas formas de relacionamento com o ambiente, levando em conta a delimitação das terras indígenas.

Palavras-chave: Interculturalidade. Currículo. Ecossistemas. Transversalidade. Educação Indígena.

Abstract: This article focuses the ambient question as transversal subject in the resume of the aboriginal schools of the people Wide Brace of the Aripuanã Park, located in the verge of Mato Grosso with the State of Rondônia. Currently, it is inhabited by three aboriginal peoples of the linguistic family Tupi-Mondé – Wide Brace, Suruí and Zoró. The Program of Formation of Aboriginal Professors – Açaí Project of Rondônia, during the formation of the 126 aboriginal professors of the 33 etnias looked for to establish a dialogue with the ambient questions during the stages of the course. In this direction, the course looked for to emphasize the necessity of multicultural an ambient education and to transdisciplinar with prominence to the valuation of knowing aboriginals to them in the Inter-relations with the national society as form to identify to new forms of relationship with the environment, leading in account the delimitation of aboriginal lands.

Keywords: Interculturality. Resume. Ecosystems. Transversalidade. Indigenous education.

Introdução

O meio ambiente é focado aqui como tema transversal no currículo das escolas indígenas do povo Cinta Larga, uma análise da formação dos professores indígenas do Parque Aripuanã em especial dos professores Cinta Larga de Rondônia. No contexto da formação, a partir de uma perspectiva de educação diferenciada, bilíngüe e intercultural, a educação ambiental parte de um problema concreto relacionado à gestão dos recursos naturais do Parque Aripuanã considerando a diversidade dos ecossistemas e como os povos indígenas têm se relacionado com este ambiente.

Considerando as principais atividades econômicas dos povos indígenas do Parque Aripuanã que se constitui na extração mineral e o corte de madeira é evidente que a área está sujeita aos impactos ambientais.

Nos últimos trinta anos, o desenfreado processo histórico da ocupação de frentes da agropecuária no entorno do Parque e a instalação de grandes fazendas de gado, de madeireiras e de garimpos de ouro e diamante têm trazido sérios problemas ambientais e sociais para as populações indígenas que ali vivem, e usam e manejam, milenarmente, de forma sustentável, os recursos naturais dessa região.

Portanto, é importante discutir com os professores e comunidades indígenas a questão ambiental como componente curricular das escolas das aldeias Cinta Larga e demais povos. 

Neste trabalho, além de enfocarmos a transversalidade da educação ambiental nas escolas do povo Cinta Larga será considerado os seus processos educativos próprios, procurando analisar os aspectos ambientais no modo de fazer educação e de se relacionar com o meio ambiente, sem deixar de analisar ou contemplar as mudanças ocorridas por ocasião do contato oficial, a partir de 1970.

Um pouco da história

A população indígena de Rondônia está estimada em 6 (seis) mil pessoas, constituída por 33 grupos étnicos falantes de 23 línguas distintas, estes povos estão distribuídos em 19 Terras Indígenas. Atualmente, há no Estado 54 escolas distribuídas em 14 municípios, atendendo um total de aproximadamente 1.893 alunos indígenas (SEDUC, 2004). Apesar do número elevado de escolas, há um significativo contingente de crianças em idade escolar fora da sala de aula, inclusive nas escolas do povo Cinta Larga.

O povo Cinta Larga se autodenomina “Maat’petamej”, significando: “os peritos no arco” e usa o termo “panderej” para designar “nós mesmos”, “gente”. Genericamente, recebeu o nome de Cinta Larga dado pelas primeiras frentes pioneiras – seringueiros, garimpeiros, devido à larga cinta de entrecasca de madeira que usavam na altura da cintura e abdômen e que lhes serviam para a proteção de eventuais ataques e flechadas de grupos rivais da região, também servindo como padrão de estética. 

Em 1970, quando os Cinta Larga foram contatados pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, o grupo ocupava uma área superior a 5 milhões de hectares, com uma população estimada em torno de 5 mil pessoas. “O conjunto de suas malocas oblongas formavam verdadeiras “cidades de palha”, como foram descritas em relatos da época.” (JUNQUEIRA; MINDLIN,1987).

Os Cinta Larga, juntamente com os Suruí e Zoró, estão em uma das maiores áreas indígenas do País, cerca de 3.5 milhões de hectares (8.648.500 acres), sendo que parte do Parque Indígena encontra-se no Estado de Mato Grosso e outra parte em Rondônia. (JUNQUEIRA & MINDLIN, 1987, p. 7).

A redução brusca de sua população, que se encontra em torno de 1.399 pessoas, sendo 728 do sexo masculino e 671 do sexo feminino (FUNASA, 2005), deve-se aos conflitos constantes com invasores, às epidemias de gripe, sarampo e outras doenças infecto-contagiosas que atingiram este povo. Quanto à redução territorial foi conseqüência da política governamental para com as demarcações de Terras Indígenas no País.

A área atual é formada pela Terra Indígena Sete de Setembro habitada pelo Povo Suruí (Paíter); Terra Indígena Zoró onde está o Povo Zoró (Pangãej); Terra Indígena Roosevelt, Serra Morena, Aripuanã e Parque Indígena do Aripuanã, localidades tradicionalmente habitadas pelos Cinta Larga. O Parque de Aripuanã possui um total de 5 terras indígenas e 1 parque indígena que reúne maior parte dos povos de língua tupi-mondé, sendo uma das famílias do tronco lingüístico tupi, não encontrada em outras regiões brasileiras.

Segundo Carmen Junqueira e Betty Mindlin (1987), os índios Gavião, também Tupi Mondé, que habitam a Terra Indígena Igarapé Lourdes, têm suas terras fora do Parque de Aripuanã devido aos absurdos da política indigenista, que favorece a expulsão dos povos indígenas dos seus territórios ancestrais.

Atualmente, o Povo Cinta Larga ocupa 3 Terras Indígenas e 1 Parque Indígena que faz parte do Parque de Aripuanã, o qual, localiza-se ao sudeste do Estado de Rondônia e noroeste do Estado de Mato Grosso. Sua área é ocupada por mais dois povos, dos quais todos falam língua pertencente à mesma família lingüística Tupi-Mondé, correspondendo aos povos Zoró, Suruí e Cinta Larga. Os Gavião, também tupi-mondé encontra-se localizados fora do Parque por uma estreita faixa de terras que a cada dia vai sendo tomada pelas pastagens das fazendas. Atualmente, na Terra Indígena Roosevelt há uma Aldeia constituída por pessoas do grupo étnico Apurinã, oriundos do Sul do Amazonas, localidade conhecida por “Boca do Acre”. A instalação dos Apurinã na área Cinta Larga é fruto de um casamento interétnico de uma liderança Cinta Larga com um mulher Apurinã.

Além dos Tupi Mondé do Aripuanã, ainda existem alguns representantes do povo Aruá, também do tronco lingüístico Tupi-mondé, que foram contatados e identificados, geograficamente, fora da região do Parque Indígena Aripuanã, local de maior aglomeração dos povos Tupi-modé. Atualmente, os Aruá encontram-se na região do Vale do Guaporé, no município de Guajará-Mirim, onde se instalaram e fizeram casamentos interétnicos com os povos indígenas Oro Wari pertencentes à família lingüística Txapakura. Maior parte do grupo Aruá (Tupi Mondé) encontra-se na aldeia “Baía da Coca” na margem do Rio Guaporé em Rondônia.   

Nos anos sessenta, o Governo Federal incentivava a ocupação das áreas do País consideradas pouco habitadas pela sociedade nacional. Com efeito, o governo do Estado do Mato Grosso e do então Território Federal de Rondônia, estimulados por tal política, implementavam os projetos de colonização. Nesse sentido, verifica-se através de orientações do Próprio governo, o estímulo à invasão das terras indígenas, na medida em que desconsiderava a ocupação ancestral do Parque pelos povos Tupi-Mondé: Gavião, Zoró, Cinta Larga e Suruí).

Esta área sobre a fronteira de Mato Grosso com Rondônia, entre os rios Aripuanã e Ji-Paraná (Machado), afluentes do Madeira, foi traçada preliminarmente com base em duas características: quase todos os grupos indígenas aí presentes falam línguas da família mondé, integrante do tronco tupi; e todos fizeram contato com os membros da sociedade nacional recentemente, a partir da segunda metade do século XX, de modo mais intenso a partir da década de 1970. (MELATTI, 1986)

A partir de 1976, fortes interesses econômicos e políticos se aliaram para desinterditar às áreas ora delimitadas e reservadas às populações do Parque Indígena de Aripuanã. A área compreendia entre os rios Aripuanã e Ji-Paraná, caracterizadas por solos férteis e subsolo promissor, acabou provocando a cobiça de aventureiros, empresários do sul do País, firmas de mineração, autoridades governamentais estaduais e federais sob a omissão da FUNAI. Neste contexto, encontrava-se encravada ao nordeste e ao sudeste do território dos Cinta Larga a Companhia de Desenvolvimento do Estado do Mato Grosso – CODEMAT, na execução do projeto de colonização da cidade de Juína MT. E do outro lado, ao sudoeste estava a Cia de Colonização Itaporanga responsável pelo projeto de colonização da Cidade de Espigão do Oeste – RO, agindo ilegalmente, na venda de terras indígenas no Estado de Rondônia.

A Colonizadora Itaporanga invadiu e vendeu terras indígenas pertencentes aos povos Cinta Larga e Suruí, expulsando-os violentamente de seus territórios originais. Neste contexto terras e povos indígenas se tornam problemas para o Estado quando o avanço econômico alcança as imediações de seus territórios. 

Portanto, a história dos Cinta Larga está permeada por constantes conflitos fundamentalmente a partir do contato com as frentes pioneiras, o que vai alterar significativamente as relações inter-pessoais estabelecidas a partir da implantação de um modelo de escola que tem disseminado valores culturais opostos àqueles do povo Cinta Larga.

Daí o interesse neste estudo, em enfatizar um elemento importante do currículo da escola – cuja função refere-se à relação do Povo Cinta Larga com as questões ambientais no seu cotidiano e também como tema transversal na escola. Exatamente por tratar-se de uma instituição responsável pela socialização do saber formal, onde há seleção dos saberes, partimos do pressuposto que os impactos ambientais gerados a partir do contato ou os de ordem cultural destes povos devem, impreterivelmente, fazer parte dos conteúdos do ensino na escola indígena.

Considerando que a educação tradicional das sociedades indígenas, passa a sofrer interferências profundas a partir do contato com a sociedade nacional, particularmente por meio da escola, que ao longo da história sempre se apresentou como um veículo poderoso de aceleração desse processo de mudanças socioculturais. Hoje, esperamos que este mesmo espaço (a escola) seja pensada pelas próprias comunidades indígenas e que deverá assumir uma função contrária à da escola do passado, de caráter integracionista. Nesse caso, a escola indígena atual deve funcionar como espaço de ensino e aprendizagem, mas com o compromisso de promover a revitalização da cultura destes povos, considerando os anseios de cada comunidade e povo.

Considerando o espaço geográfico delimitado destinado aos povos indígenas atualmente, decorrente da política de demarcação de Terras Indígenas no País, pode-se dizer que apesar dos povos indígenas terem seus territórios limitados, trata-se de um mal necessário, pois no contexto das inter-relações, historicamente estabelecidas entre as populações indígenas do Brasil com a sociedade nacional os índios estiveram sempre em desvantagem. Nesse sentido, a política de “proteção” aos direitos dos povos indígenas veio contribuir para a sobrevivência física destes povos, mas as ações e políticas de revitalização e manutenção da cultura destes povos ainda são pouco expressivas.

Frente às práticas cultuais dos povos indígenas construídas ao longo de milhares de anos pelos seus antepassados e repassadas de geração a geração por meio da oralidade, pode-se considerar que, apesar dos limites tradicionais dos povos indígenas terem se modificado, ganhando fronteiras bem adversas, em relação às do passado, estes povos tem procurado manter sua alteridade.

De acordo com estrutura mitológica e dados presentes nas narrativas Cinta Larga, tudo indica que habitam a região a milhares de anos, pois o ambiente, local onde aconteceu os fatos que deu origem ao mito de surgimento dos povos, segundo depoimentos dos Cinta Larga, encontra-se dentro do Parque Indígena Aripuanã, mais especificamente na Terra Indígena Roosevelt, local pouco visitado e preservado pelos Cinta Larga. Pela proximidade geográfica e cultural entre os Zoró, Gavião e Cinta Larga, apesar de se considerem povos distintos, também reconhecem o referido local comum e correspondente ao que deu origem dos povos tupi-mondé. Não sendo reconhecido apenas por parte da população Suruí e Aruá que também fazem parte do grupo tupi-mondé.

A escola destes povos muito tem se modificado, principalmente, em detrimento à política de formação dos professores indígenas e às ações implementadas pelo Projeto Açaí. Uma delas diz respeito à realização do Diagnóstico sociolingüístico e a discussão da proposta do Projeto Político Pedagógico das escolas. Os trabalhos de formação não estão restritos ao professor indígena, todos apontam para a participação das comunidades indígenas. A atuação do professor indígena nas suas aldeias tem contribuído para uma melhor compreensão do papel da comunidade na escola.

Existem hoje no Brasil algumas propostas curriculares para a formação de professores indígenas. O estado de Rondônia, através do Projeto Açaí, implementado pela Secretaria de Estado em colaboração com outras instituições, foi responsável pela primeira discussão sobre a proposta de um Projeto Político Pedagógico para as escolas indígenas de Rondônia com a intenção de dar início à primeira versão dos currículos das escolas das aldeias.

As comunidades indígenas a partir do momento que passam a compreender que o currículo das suas escolas, a seleção dos conteúdos e as metodologias são questões que devem ser discutidas com toda a comunidade participam mais da escola e sentem responsáveis e estimulados a construir uma escola verdadeiramente pautada nos valores do seu povo. Hoje, a partir da contratação e formação do professor indígena, a escola se desmistifica e a comunidade compreende o espaço escolar, deixa de ser um espaço desconhecido e estranho aos seus costumes e valores.

Sabe-se que a escola indígena, apesar dos esforços e da significativa compreensão, por parte das comunidades indígenas, sobre a educação escolar diferenciada, há muito que se caminhar ainda. Quanto a isso os professores e as comunidades indígenas muito têm feito, mas há questões que ainda não encontraram saídas, como por exemplo, o da evasão escolar.

Uma das queixas mais freqüentes dos professores indígenas tem sido em relação à evasão escolar. Grande parte das crianças em idade escolar do povo Cinta Larga de Rondônia encontram-se matriculadas nas escolas das aldeias, mas a regularidade da freqüência destes alunos é muito inconstante, o que acaba resultando na evasão escolar, tornando-se um dos principais problemas que a escola enfrenta atualmente.

A evasão escolar entre os Cinta Larga, desde a introdução da escola no interior de suas aldeias, sempre foi considerável devido às suas práticas de coleta, caça e pescaria que, geralmente, tem caráter coletivo, em alguns casos, dependendo da população da aldeia, todas as pessoas ou pelo menos todas as pessoas da mesma família estão envolvidas na mesma atividade de coleta.

Mais recentemente, a escola indígena cinta larga disputa com os garimpos de extração mineral de diamantes, atividade iniciada no final dos anos noventa, que se intensificou nos últimos seis anos. Naturalmente, tem sido a atividade de garimpo que mais causou evasão ou irregularidade de freqüência dos alunos nas escolas cinta larga.

A atividade modificou o modo de vida do grupo étnico Cinta Larga, pois o garimpo atraiu milhares de pessoas para as suas terras e aldeias. Culturalmente seminômades, os Cinta Larga não tem dificuldade de se deslocar com a família e agregados para outras localidades das suas Terras Indígenas.

Em várias regiões do país, desenvolvem-se projetos educacionais específicos à realidade sociocultural e histórica dos povos indígenas, a partir de um novo paradigma educacional de respeito à interculturalidade, ao multilingüismo e a etnicidade. De algo imposto, a educação e a criação de escolas em terras indígenas passaram a ser uma demanda dos próprios povos indígenas, interessados em adquirir conhecimentos sobre o mundo de fora das aldeias e em construir novas formas de relacionamento com a sociedade brasileira e com o mundo.

A substituição da política integracionista para uma política baseada na valorização das línguas e culturas indígenas exige alicerces reais, novos olhares, novos pensares, rompimento, de fato, com a história escolar indígena de antes, caso contrário, tudo continuará no mesmo do lugar, mesmo com todas as leis, normas, resoluções a favor dos povos indígenas. Para a implantação de uma política educacional de base interculttural e que respeite o ambiente natural torna-se necessário à discussão sobre a transversalidade da educação ambiental, assunto que os povos indígenas demonstraram ser bem conhecedores, mas que não pode deixar de ser pensado e debatido nas escolas indígenas, principalmente devido às novas práticas adquiridas a partir do contato. Também deve ser compreendido por eles que a degradação do entorno de suas áreas podem afeta-los diretamente, a partir da ocupação dos não-índios dessas áreas. 

Um dos principais problemas ambientais resultantes dessa ocupação é o assoreamento das nascentes formadoras da bacia hidrográfica dos rios Aripuanã, Machado, Roosevelt e Tenente Marques, todos afluentes do Rio Madeira, principalmente, devido ao grande desmatamento de matas ciliares às margens dos rios, riachos ou córregos que se encontram fora do Parque Indígena de Aripuanã, realizado pelos fazendeiros que desenvolvem a criação de gado e monocultura. Também são problemas ambientais, os garimpos e a contaminação, em menor escala, por agrotóxicos utilizados de acordo com o tamanho da expansão da agropecuária na região. Além da destruição de seus rios, os índios enfrentam dificuldades diante da morosidade dos setores públicos federais na intervenção e solução desses problemas de impacto sobre o meio ambiente. É preciso lembrar que o desmatamento da floresta é crime ambiental, mas falta mobilidade, agilidade e força política para intervir e solucionar esse e outros problemas responsáveis pela degradação ambiental.

Com a instalação do garimpo de diamantes na Terra Indígena Roosevelt, um dos afluentes do Rio Roosevelt está totalmente assoreado e no local crítico de extração do mineral o córrego desapareceu completamente. Em conversa com os professores indígenas cinta larga, observa-se que fazem parte do grupo de pessoas que tem noção da gravidade do problema tanto no aspecto ambiental como social, mas as demais pessoas, principalmente aquelas que estão sendo beneficiadas diretamente com a venda dos diamantes não tem dado grande importância para o que está acontecendo. Sendo os professores os cinta larga não pensam em outra coisa a não ser o garimpo, principalmente os mais jovens entre 18 e 26 anos.

Diante disso, ainda esbarraram com outro grande problema: os representantes dos órgãos oficiais do governo brasileiro, responsáveis pela questão indígena e ambiental no país, FUNAI/IBAMA, que não penalizaram os infratores em seus crimes ambientais. Cumpre notar que existe uma excelente legislação ambiental no Brasil, porém faltam decisões do judiciário e do executivo nas transformações estruturais capazes de regularizar as formas atuais de uso e abuso dos recursos naturais.

O currículo: história, rituais e mitos

As sociedades tradicionais apesar de ocuparem espaços distintos no planeta, possuírem uma riquíssima diversidade cultural e lingüística, apresentam uma forma semelhante de exprimir a realidade por meio dos mitos e rituais.

              Com base nessa perspectiva, Claude Lévi-Strauss, (1996) afirma que os mitos e os rituais agregam entre si inventários exaustivos de dados relativos à fauna e flora, da organização social do grupo, das tradições históricas, das técnicas de fabricação de ferramentas, casas, meios de transporte e de outros materiais, por isso devem fazer parte dos conteúdos curriculares da escola. Com efeito, os mitos, são formas de interpretar e obter algum controle sobre uma realidade natural e social, contendo, de forma, implícita ou explícita, fatores que relacionam o homem e a natureza entre si.

Para João Dal Poz (1991), os mitos e os rituais são os elementos usados para explicar a cosmologia (teoria do mundo) de um grupo indígena, neles aparecem dados de grande relevância para a sobrevivência física e cultural do grupo. Cada povo elabora, no seu dia a dia, um acervo comum de saberes práticos, de elementos concretos e abstratos, criando e recriando fabulosas histórias de humanos que voam, lua e sol parentes, transformações, dilúvios, etc., revelando uma busca do sentido e significado da existência humana no mundo. Nesse sentido, os mitos além de constituírem conteúdos curriculares devem ter um caráter de transversalidade assim como a educação ambiental.

              De acordo com Betty Mindlin (1985), a complexidade desse fenômeno reside na multivariedade encontrada nos mitos em relação a temas comuns, porém, originados de acordo com a identidade cultural de cada grupo.

              Nesse contexto, as sociedades indígenas do Brasil compõem universos sócio-culturais específicos, onde, os mitos articulam-se à vida social, ao campo cognitivo, aos rituais, à história, à filosofia própria do grupo, com categorias de pensamento localmente elaborados que resultam em maneiras peculiares de conceber a pessoa humana, o tempo, o espaço, o cosmos, conforme Aracy Lopes Silva (1995). Portanto, os mitos e os rituais representam os mecanismos mais evidentes de reafirmação cultural para um grupo, interferindo diretamente no comportamento coletivo e individual das pessoas, portanto a importância da revitalização das narrativas indígenas nas escolas indígenas.

Considerações

No currículo das escolas e na formação de professores indígenas, focando o tema transversal “meio ambiente”, pode contribuir para a compreensão dos problemas relacionados aos ecossistemas. Porém os problemas ambientais num curso de formação e no currículo das escolas devem também ser enfocados por uma perspectiva interdisciplinar e globalizadora. Numa escola indígena, é imprescindível que as disciplinas de língua indígena e portuguesa, história, matemática, ciências, artes contribuam, a partir de outras ferramentas, para a construção das novas possibilidades de gestão dos recursos naturais dentro e fora dos territórios.

A interculturalidade que reúne processos de formação dos professores índios à educação em geral é a possibilidade de alunos e professores de pequenas sociedades tribais ampliarem os mecanismos de defesa do seu meio ambiente e, ao mesmo tempo, produzirem conhecimentos e contribuírem para ampliação das lutas da sociedade civil na defesa do planeta, usando como instrumento a nova legislação ambiental, produto e resposta aos vários problemas vividos pela sociedade nacional e internacional em relação ao meio ambiente.

Os processos educativos que visem à formação de uma nova consciência ambiental, a partir do conhecimento do “outro”, são um dos mecanismos atuais para a urgente transformação do quadro de deterioração do meio ambiente e de degradação dos valores e atitudes relacionados à preservação da natureza e da cultura.

Referências

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NETO, João Dal Poz. No País dos Cinta Larga: Uma etnografia do ritual. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social da Universidade de São Paulo – USP. São Paulo: USP, 2002.


[*] Professor Assistente Curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural – Departamento de Educação Intercultural (DEINTER), Campus de Ji-Paraná, Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Pesquisador: Grupo Pesquisa na Amazônia – GPEA/UNIR e Grupo de Pesquisa Parentesco, comparação, mudanças linguísticas, variação, dialetologia e contato linguístico – UNB. e-mail: cristovaoabrantes@unir.br ou cristovaoabrantes@yahoo.com.br.

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