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Alfabetização: um direito de todos?

Adriana Francisca de Medeiros
publicado em 01/11/2008

Nos últimos anos, em muitos países, vem se intensificando uma discussão sobre alfabetização. Nesse contexto, o início dos anos 90 foi marcado por um evento importante que muito prometia em relação ao futuro da educação. Em 1990, a Unesco declara o Ano internacional da Alfabetização, nesse mesmo ano realizou-se Jomtien (Tailândia), a Conferencia Mundial de educação que reuniu entre seus patrocinadores, pela primeira vez, a Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) o PNUD (programa das nações Unidas para o Desenvolvimento) o Unicef (Fundo das Nações Unidas para Infância) e o Banco Mundial. Nesse momento foi aprovada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Que entre os vários artigos discutidos e aprovados, o 3º do supracitado documento[1], esclarece: “A educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças, jovens e adultos. Para tanto é necessário universalizar-la e melhorar sua qualidade, bem como tomar medidas efetivas para reduzir as desigualdades”.

No Brasil, a década de 90 inicia-se com movimentos aparentemente contraditórios  de um lado as reivindicações populares da efetivação dos direitos sociais recém conquistados com promulgação da Constituição (1988), que trás no seu âmago   o espírito de cidadania, tão almejado; de outro lado, a eleição de Fernando Collor de Melo para a presidência da República,  com o projeto neoliberal que defendia a abertura do país para a era da modernidade. (Arelaro, 2003).  Esse período traz significativas mudanças ao cenário nacional, que é marcado especialmente pela transição do regime político – da ditadura militar a recuperação dos princípios democráticos. Como enfatiza Vieira (2000,p.90):

A eleição de Collor traz inúmeras mudanças em relação ao período anterior. No cenário econômico, este momento representa um claro divisor de águas, no sentido de inserir o Brasil dentro de um quadro internacional que impõe  novas perspectivas de competitividade  no cenário da globalização. Se antes o tema da reforma do Estado era posto timidamente, agora é encarado com todas as letras. Demanda-se o enxugamento do quadro de pessoal da União, e o patrimônio público – de carros velhos a residências ministeriais – é posto a venda. A privatização emerge como palavra de ordem. 

Essas regras  atendiam às propostas de minimização do Estado, como mostram os estudos de Borón (2003), para que o país incluísse na nova ordem do mercado. Os princípios que fundamentam essas reformas estão relacionados a  focalização, a descentralização, a privatização e a desregulamentação (Cabral Neto & Castro,2004) que começam a fazer parte da nova política nacional. Essas reformas difundiram-se em vários setores, inclusive no âmbito educacional. Como  define Libâneo (2003, p.163) :

O pano de fundo da reforma educacional brasileira começou a delinear-se nos anos 90 com o governo de Fernando Collor de melo, que assumiu a presidência da republica e encetou a abertura do mercado brasileiro, a fim de inserir o País na trama mundial, ocasionando sua subordinação ao capital financeiro internacional. A atrelagem financeira ao mercado globalizado reflete-se nas demais dimensões da vida social, como as políticas públicas de âmbito social e, entre elas, especialmente.

      Corroborando  com o supracitado autor, Cabral Neto & Castro (2004,p. 95) , mostram:

As reformas delineadas, na década de 1990, para a área da educação fazem parte das estratégias definidas no âmbito do ajuste estrutural, que forneceram as bases para a reforma do Estado no plano político – institucional e no plano econômico – administrativo. Essas reformas encontram-se, portanto, inseridas em um cenário de mudanças que vêm se consubstanciando no atual estágio do desenvolvimento capitalista. 

A década de 90 marca definitivamente a entrada do Banco Mundial no setor educativo, principalmente nos paises em desenvolvimentos, como organismo de expressiva importância no panorama educativo, como afirma Torres (1996 p. 126):

O BM transformou-se na principal agência de assistência técnica em matéria de educação para os paises em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a fim de sustentar tal função técnica, em fonte e referencial importante de pesquisa educativa no âmbito mundial.   

Nesse contexto, a última década do milênio foi marcada por muitas indefinições e incertezas no campo educacional, somada a nova ordem econômica que começava se concretizar. Porém, o conceito de educação como expressão de cidadania, muito propagado nos discursos, não conseguiu no decorrer dos governos, nem mesmo da comemoração do Ano Internacional da Alfabetização(1990), ser prioridade.(Arelaro, 2003)

Com a vitória de Fernando Henrique Cardoso nas urnas (1995), inicia-se o processo de concretização da política educacional brasileira, iniciada nos anos 90 que priorizou as normas dos organismos internacionais, inclusive na lei nacional da educação, a LDB, modificada em seu curso democrático para atender as diretrizes impostas por agentes externos.(Libâneo). Como argumenta Oliveira(2000): (…) Enfim, perde-se um trabalho desenvolvido de forma democrática e aprova-se um substitutivo, que define a sociedade política como autoridade educacional, inserido no quadro da política educacional brasileira calcada no projeto neoliberal de Estado, cujos princípios são veiculados, entre outros, pelo Banco Mundial.

Segundo Del Pino( 2001)

A reforma educacional brasileira  tem como marco importante à aprovação, no final do ano de 1995, da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Esta lei ainda está sendo regulamentada em vários de seus artigos,. Portanto, continua sendo um instrumento de disputa entre projetos diferenciados: de um lado, a intenção do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso em adequar a educação nacional as exigências  dos organismos financeiros internacionais; de outro, os movimentos sociais, sindicais, estudantis e populares que defendem a educação publica, gratuita e de qualidade social. 

Para solidificação das reformas educacionais, foram implantas por  FHC o programa denominado Acorda Brasil: está na hora da Escola, no qual de destaca cinco pontos: distribuição de verbas diretamente para escolas; melhoria dos livros; formação de professores a distância; reforma curricular e avaliação das escolas( Libâneo) , cumprindo as orientações dos organismo internacionais.

Em Cabral Neto & Castro (2004, p. 101) vamos encontrar os seguintes esclarecimentos para as reformas educacionais propostas pelo BM nesses últimos anos: 

 A política do Banco Mundial considera a melhoria da qualidade como eixo da reforma educativa. No seu entendimento, essa qualidade estaria centrada nos “insumos” que intervêm na escolaridade, como a biblioteca, o tempo de instrução, as tarefas de casa, os livros didáticos, os conhecimentos do professor, os laboratórios, os salários do professor, e o tamanho da classe. No entanto apenas alguns desses “insumos” são priorizados: o tempo de instrução, os livros didáticos,  os materiais de ensino e os conhecimentos dos professores. Em relação á formação de professores, privilegia – se a capacitação em serviço, estimulando a modalidade de educação a distancia, que o Banco   Mundial considera como avenida promissora, em detrimento da formação inicial, que, por ser longa e dispendiosa, é considerada um beco sem saída. 

Ao analisarmos as reformas educacionais implantas no Brasil e o atual quadro  educacional, podemos perceber  que estas medidas,  ao contrário do que prometiam, só aumentaram a desigualdade, os alunos das classes populares além de não ter uma educação de qualidade, corre um sério risco de não ter lugar no mercado de trabalho. A promessa de melhoria não saiu do discurso oficial. 

No  Brasil o analfabetismo ainda persiste, sobrevivendo a “campanhas” e “movimentos” e a soluções do tipo “contábil” ou “populista”. Assim, podemos citar, entre outros: Campanha de educação de Adolescentes e Adultos (1947, governo Eurico Gaspar Dutra);  Campanha Nacional  de Erradicação do Analfabetismo (1958, Governo Juscelino Kubitschek); Movimento Brasileiro de Alfabetização(MOBRAL) (1968-1978, governos da ditadura militar); Programa Nacional de Educação de alfabetização e Cidadania (1990, governo Fernando Collor de Mello)Programa de Alfabetização Solidária (1997, governo Fernando Henrique Cardoso) e finalmente  Brasil Alfabetizado do atual governo. Que por sua vez não resolveram o problema. 

Atualmente o Brasil possui cerca de 16 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais, e se usarmos o conceito de analfabeto funcional, que incluiria todas as pessoas com menos de quatro anos de escolaridade, esse número sobe para 30 milhões[2]. Na região nordeste esse quadro parece se agravar, segundo uma reportagem exibida pela TV Globo no dia 29 de setembro de 2006, dos 41 milhões dos jovens nordestinos que têm 15 anos ou mais, quase 8 milhões não sabem ler nem escrever. Sendo o Brasil um país característico das desigualdades em todos os aspectos, não poderia surpreender que uma das regiões menos desenvolvida economicamente apresentasse o maior índice de analfabetismo, que corresponde a 50% do total do país.

Diante desse  grande número de experiências fracassadas e do alto índice de analfabetos no país é pertinente questionarmos: Que explicações podem ser dadas para esse fenômeno? O analfabetismo é um problema para quem? Por que é tão difícil alfabetizar os alunos das classes populares?

É mister refletir que o número  de analfabetos de hoje é o resultado das políticas educacionais que têm sido propostas ao longo de todo esse tempo para as séries iniciais. A escola ontem e hoje  não consegue/conseguiu cumprir sua tarefa primordial – alfabetizar. Uma vez que, um dos  objetivos da educação elementar é o ensino da leitura e da escrita, ou seja, alfabetização. Porém, atingir esta meta não tem se mostrado uma tarefa muito fácil, tendo em vista os sérios problemas apresentados como a evasão e repetência  que marcaram  durante décadas os boletins das crianças brasileiras.

 No Brasil até recentemente, de cada duas crianças que ingressavam na primeira série, uma era reprovada, ou seja, 50%.  Esse quadro permaneceu praticamente inalterado por muito tempo como podemos conferir:

 TAXA DE REPROVAÇÃO AO FINAL DA 1ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL
19561987198819891990199119921993199419951996
56,6%51%52%49%48%48%48%49%46%46%41%
Fonte: IBGE – Inep.

Esses dados sempre estiveram disponíveis. No entanto,  os órgãos públicos, só recentemente passaram a considerá-los, especialmente porque perceberam que a permanência de um aluno na mesma série gera um desmesurado desperdício de dinheiro público. Porém, as medidas tomadas no âmbito dos sistemas públicos não têm contribuído para transformar esse quadro de forma significativa. Uma das providências adotadas  para atenuar o problema da reprovação foi à implantação  da organização do ensino em  ciclos  a partir do final da década de 80, que estabelecia  a promoção automática do 1º para  o 2º ano de alfabetização. Parece  que a medida só fez deslocar o funil da repetência para o ciclo seguinte, atualmente podem ser observadas no ensino fundamental II, do 6º ano em diante. Outra medida, dentro da reforma educacional, tomada, foi/é a focalização, ou seja, a ênfase nos programas educacionais destinados ao ensino básico, atendendo a população de crianças e adolescente em detrimento dos outros níveis de ensino. (Cabral Neto & Castro,2004) 

Mas, como já evidenciamos o problema não é atual, a tabela anterior parece indicar que é completamente falsa a crença de que antigamente todos aprendiam e que escola boa, era a de antigamente. E as políticas públicas para destinadas a alfabetização não surtiram efeito esperado por todos que acreditam em uma escola pública de qualidade.

A falta de explicações para o fracasso escolar fez surgir às teorias que hoje denominamos de “teorias do déficit”. Que advogavam que a aprendizagem dependeria de pré – requisitos (cognitivos, psicológicos, motores e linguísticos), e que as crianças que fracassavam o fazia por não dispor dessas habilidades prévias, ou seja, não tinham aptidão para o estudo. Resumindo, a culpa pelo fracasso escolar era somente do aluno. Nunca da escola. Testes e exercícios de prontidão foi largamente difundido, inclusive no Brasil. O fato do déficit  se concentrar nas crianças das famílias mais pobres era explicado por uma incapacidade das próprias famílias para estimular seus filhos. Uma outra explicação disseminada relacionava o fracasso a pobreza, mais especificamente a fome. Segundo seus defensores, as crianças não aprendiam porque tinham fome. Por isso, a única forma de reverter o quadro de fracasso escolar era alimentá-las. O que levou os governos a investirem em merenda escolar e mais recentemente em bolsa – escola. Desde da implantação desses programas o quadro de dificuldades de aprendizagem não se alterou,  provavelmente o problema não era fome. 

Outra explicação, inclusive muito atual, para o fenômeno do fracasso escolar é a falta de interesse da família pela vida escolar dos filhos. Os  pais em sua maioria (com baixa escolaridade) são responsabilizados por não ensinarem os conteúdos escolares aos filhos.  Dessa forma, a culpa continua sendo da criança pobre e de sua família por não aprenderem na escola.  O governo e a escola, como Pilatos, lavam as mãos, e o delito da exclusão social continua sendo praticado todos os dias no chão da escola.

O analfabetismo é um problema para quem? A análise do analfabetismo exige, para ser consistente, que se ultrapasse a dimensão exclusivamente quantitativa e pedagógica, contextualizando-o em âmbito de maior amplitude, como o social, o cultural, o econômico, além do educacional propriamente dito, como foi descrito anteriormente, a educação escolar está atrelada aos modos de produção.

 Na nova ordem mundial, a teoria do capital humano está cada vez mais presente no mercado, com isso exige-se profissionais mais qualificados, ou seja, com maior grau de escolaridade. Diante dessa realidade milhões de brasileiros (na maioria analfabetos)  estão à margem  do mercado de  trabalho, dividido-se em dois grupos: desempregados e  subempregados (trabalhos temporários com baixa remuneração), de acordo com Oliveira(2000,p. 238) :

O discurso sobre a educação para empregabilidade está intimamente relacionado com a necessidade de se justificarem a exclusão social e a segmentação do mercado de trabalho. Fica difícil saber se a maior exigência de escolaridade foi imposta pela alteração do padrão tecnológico de produção ou se resulta justamente da ampliação da oferta de força de trabalho mais escolarizada num mercado cada vez mais restrito, ou se são as duas coisas ao mesmo tempo.

 A partir desta perspectiva que busca as relações do todo e parte em suas diversas articulações, o analfabetismo vem sendo redefinido. É necessário  refletir sobre a constatação da inevitabilidade do desemprego, que  tem levado, muitos desses sujeitos a se auto – responsabilizarem a condição de excluídos do mercado. (Oliveira,200) . 

Como já foi mencionado, com a interferência dos organismos financeiros internacionais a educação passou a ser pensada com a lógica de mercado capital-neoliberal. (…) “essa nova ordem postula a liberação total do mercado e a transferência de todas as áreas e serviços do Estado para a iniciativa privada (Libâneo,2003,p.100). A educação nesse conjunto passa a ser pensada com a lógica do mercado, a partir das ideias de modernização, da tecnologia, da competitividade, da qualidade total, entre outras. Desse modo a educação/escola em comum acordo com os organismos internacionais  faz o papel de reprodutora da ideologia dominante, e de fato  se torna um espaço de seletividade e exclusão.  Segundo Del Pino (2001,p.69)

O pensamento neoliberal não é contraditório ao aceitar a miséria quando desenvolve suas teses econômicas. Se propusesse o fim da miséria, estaria propondo um sistema econômico que levaria ao fim do proletariado, à inclusão de todos/às à economia. Disto decorreria o próprio fim da burguesia; sem antagonismo não há economia de mercado.(…) a miséria exclusão são o resultado continuado e crescente dos desdobramentos do modo de produção capitalista.

Ainda de acordo com Del Pino (2001) “(…) a exclusão social não é produto natural do devir histórico”, “(…)  A exclusão social está relacionada com o processo de reestruturação produtiva”. Ser analfabeto  é não desfrutar do mínimo de condições dignas de sobrevivência.

Os analfabetos são majoritariamente os das classes menos favorecidas economicamente. E por que é tão difícil alfabetizar os alunos das classes populares?

As pesquisas  no âmbito educacional principalmente as teorias psicogenéticas evidenciam que o processo pelo qual se aprende a ler e escrever são o mesmo para todas crianças, pobres e ricas. 

O que muitos estudiosos defendem é que a aparente diferença é consequência da desigualdade no repertório de conhecimentos prévios, que faz, com que os alunos pobres cheguem à escola geralmente em fase menos avançada do processo de alfabetização, o que tem dificultado até certo ponto a assimilação de algumas informações.

Na sociedade atual é praticamente impossível não entrar em contato com a escrita, mas a quantidade e a qualidade desse contato dependem das condições de vida e das características da comunidade em que as pessoas vivem, ou seja, dos eventos de letramento aos quais as pessoas têm acesso.

Nesse contexto, a maioria das crianças, antes de entrar na escola, já tem acesso à escrita. As crianças da classe média, por exemplo, encontram-se largamente expostas às mais diversificadas fontes de escrita seja em casa, seja na rua: livros infantis, jogos, brinquedos, revistas, CDs com músicas para crianças, entre outras e, geralmente, acompanham os pais ao supermercado, lojas, lanchonetes e bancos. Além disso, na maioria dos casos, essa exposição é produtiva porque as crianças participam sendo mediadas/instigadas a selecionar os produtos, manipular os valores, enfim, atuar como sujeitos letrados e em letramento.

Por outro lado, isso acontece com uma certa raridade com as crianças de famílias de baixa renda, muitas delas vivendo na periferia das cidades. Nessa realidade, as fontes de escrita que são comuns nas comunidades letradas tendem a tornarem-se mais escassas rareando, assim, as oportunidades de inserção das crianças numa cultura letrada. Em algumas periferias, principalmente nas favelas de pequenas cidades não existem jornais, bibliotecas, outdoor, folhetos de supermercados e lojas, folderes, dentre outros materiais gráficos. Na maioria das vezes a única entrada de textos escritos é através das tarifas de serviços públicos e raramente, um bilhete ou comunicado da escola.

Enquanto as crianças de classe média e alta passam a primeira infância aprendendo  e interagindo com materiais de leitura e escrita, as crianças pobres estão aprendendo o que seria impensável a uma criança da classe média; cozinhar para os irmãos menores, arrumar a casa, acordar de madrugada para ir para roça ou para a rua, vender objetos nos semáforos. As primeiras ocupam seu tempo desenvolvendo procedimentos que permitem sua sobrevivência. O repertório de saberes é outro.

Em síntese, as crianças pobres não aprendem a ler e a escrever aos seis anos ou sete anos pela mesma razão que as outras não aprendem a cozinhar, passar, cuidar de casa, porque a vida exige delas coisas muitos diferentes e lhes oferece oportunidades de aprendizagem muito diferentes, não  por apresentarem um déficit intelectual como se defendeu durante muito tempo, mas pela ausência de  interações significativas para a aprendizagem escolar.

Quando a escola não valoriza os saberes que os alunos pobres trazem, fruto de sua experiência anterior, faz que eles se sintam entrando em novo mundo, estranho e hostil. Por não poderem corresponder ao que os professores esperam deles e percebendo que frustram as expectativas da escola, é de esperar que acabem se sentindo incapazes. 

Nesse contexto o contingente de analfabetos se amplia no interior da própria escola, pela não efetivação por parte desta da sua função primordial de propiciar o acesso ao conhecimento sistematizado. Pesquisas recentes  vêm demonstrando que o ingresso e a permanência na escola por quatro,  seis ou até  oito anos não  tem garantido ao estudante torna-se alfabetizado, muitas vezes nem mesmo no sentido restrito originalmente atribuído ao termo, ou seja, decodificar e codificar signos linguísticos. É o que podemos observar nos resultados da mais recente avaliação nacional[3], o Prova Brasil, os estudantes de 4ª série obtiveram em língua portuguesa competências que deveriam ser comuns a 1ª série. E os de 8ª série mal conseguem alcançar os conteúdos previstos para a 4ª.

Por outro lado, educadores  mencionam que a falta de condições e valorização profissional, a inadequação curricular, a árdua  jornada de trabalho, entre outras questões, como sendo responsáveis pelo baixo rendimento dos alunos da educação básica. A formação do professor é um tema bastante discutido na atualidade. Inúmeros estudos têm sido publicados sobre o assunto (Alarcao, Tardif, Nóvoa), que apresentam  como um aspecto fundamental no processo de ensino –  aprendizagem, principalmente no período  da alfabetização. Entretanto, as reformas educacionais  têm priorizado outros procedimentos para a formação docente, que não priorizam uma formação sólida.   A esse respeito ,Cabral Neto & Castro(2004,p.114) alegam que: 

O treinamento está estreitamento relacionado à idéia de formação para aquisição de habilidades especificas, ou seja, refere-se a uma concepção  de atividade  docente como algo que possibilita ensinar a alguém apenas uma determinada tarefa. Essa visão de formação está muito aquém da formação necessária ao professor, para que ele possa enfrentar as novas mudanças e os novos desafios requeridos pela prática educativa.

Ao nosso ver a formação docente, especialmente do professor alfabetizado, requer investimentos públicos, na capacitação contínua, já que consideramos estes os principais agentes de transformação do quadro de analfabetismo do Brasil. 

Esses investimentos homeopáticos em educação têm provocado uma má qualidade na educação, Mészaros (2005,p.73) enfatiza: “vivemos numa ordem social na qual mesmo os requisitos mínimos para a satisfação humana são insensivelmente negados à esmagadora maioria da humanidade(…)”

 Como consequência de tal situação há uma tendência à privatização, o Estado delega ao setor privado uma boa parte de suas obrigações e assume somente aquele tipo assistencial para aqueles sujeitos cujo poder aquisitivo não lhe permite pagar por um serviço de boa qualidade.

Em lugar dos cidadãos reivindicarem seus direitos enquanto cidadão e contribuintes, se conformam como se fosse natural que eles comprem os serviços. Aqueles que não podem compra-los devem se contentar com a ação assistencial do Estado, que se limita a dar o mínimo necessário. Del Pino(2001,p.73) alega que:

O caráter mínimo do Estado se apresenta na deterioração das políticas sociais, na incapacidade de conter o desemprego em massa, na  baixa aplicação de recursos públicos para a educação e a saúde, na contenção de gastos com os servidores públicos para a educação e a saúde, na contenção de gastos com servidores públicos, enfim, em um conjunto de medidas tomadas sempre de forma autoritária, muitas vezes passando por cima da Constituição do país, sempre em prejuízo do conjunto da nação.

A soma de todos esses fatores ao nosso olhar é o que  tem provocado o baixo desempenho acadêmico de nossas crianças na educação básica e o alto índice de analfabetos

Assim, como defende Ferreiro(2002)  “a alfabetização não é um luxo nem uma obrigação; é um direito.”

E deveria ser direito de todos, não só para alimentar o mercado de produção capitalista.

Referências bibliográficas 

ARELARO, Lisete Regina Gomes .Direitos sociais e política educacional: alguns ainda são mais iguais que outros. In: SILVA,Shirley, Vizim, Marli(orgs.) Políticas públicas: educação, tecnologias e pessoas com deficiência. Campinas: mercado de letras, 2003 

BORÓN, Atílio. El Estado y las “reformas del Estado orientadas al mercado”. Los “desempeños” de la democracia en América Latina. In: KRAWCZYK, Nora Rut; WANDERLEY, Luiz Eduardo. América Latina: estado e reformas numa perspectiva comparada. São Paulo: Cortez, 2003. p. 19-67.

CABRAL NETO, Antonio; CASTRO, Alda Duarte Araújo. A formação do professor no contexto das reformas educacionais. In: YAMAMOTO, Oswaldo; CABRAL NETO, Antonio(org.). O psicólogo e a escola. 2ª ed. EDUFRN: NATAL, 2000. 

DEL PINO, Mauro. Política educacional, emprego e exclusão social. In: GENTILI,Pablo;FRIGOTTO, Gaudêncio(orgs.). A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001  

FERREIRO Emilia. Passado e presente dos verbos ler e escrever. São Paulo, Cortez, 2002. 

GARCIA, Regina Leite (org). Alfabetização dos alunos das classes populares. 4 ed. São Paulo, Cortez,2001. 

LIBÂNIO, José Carlos. et al. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003. 

TORRES, Rosa Maria. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial. In: TOMASSI, Líviade; WARDE, Miriam Jorge ; HADDAD, Sérgio(org). O banco Mundial e as políticaseducacionais. São Paulo: Cortez,1996.


[1] Declaração Mundial sobre Educação para todos –Plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem.aprovada pela conferência Mundial sobre educação para todos satisfação das necessidades Básicas de aprendizagem.Jomtien,Tailândia 5 a 9 de março de 1990.

[2] Dados do Inep, disponível em “O mapa do analfabetismo no Brasil”

[3] Matéria publicada na revista Nova Escola em outubro de 2006

Adriana Francisca de Medeiros, professora da rede pública do estado do RN,  especialista em Educação Infantil e mestranda em Educação – UFRN

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