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Um mergulho em busca do soneto em obras didáticas infanto-juvenis

 

 

 

 Um mergulho em busca do soneto em obras didáticas infanto-juvenis

Izaura da Silva Cabral (Graduada em Letras/UNISC, Mestre em Letras/UNISC, Doutoranda em Letras/UFRGS) 

 

RESUMO 

O trabalho apresenta uma pesquisa em livros didáticos sobre a presença do gênero poético soneto, além disso, faz-se uma análise de como são abordados e como se apresentam aos alunos de determinada série, seus prováveis leitores. Dessa maneira, escolhemos livros que circulam pelas escolas públicas, sendo distribuídos gratuitamente.

Palavras-chave: soneto, poesia, língua portuguesa, livros didáticos, literatura. 

 

1 Introdução

 

          Este artigo tem como objetivo analisar a trajetória do soneto brasileiro dentro de obras didáticas destinadas ao público infanto-juvenil, considerando aquelas disponíveis às Escolas Públicas e às séries/anos finais do Ensino Fundamental. Buscaremos que sonetos são considerados para essa faixa etária, quais são os principais autores escolhidos para a leitura dos pequenos e como eles são trabalhados em sala de aula.

 

  • Definindo o soneto

 

          É de senso comum que o soneto é o poema de forma fixa mais encontrado. Goldstein (2002, p. 57), nos diz que ele é composto de dois quartetos e dois tercetos, o soneto apresenta, geralmente, versos de dez ou doze sílabas. Aparecem rimas de um tipo nos quartetos (AB), e de outro, nos tercetos (CD). O soneto costuma conter uma reflexão sobre um tema ligado à vida humana. Como exemplo, um soneto de Vinícius de Moraes. Ao retomar o modo camoniano de compor sonetos, o poeta moderno presta homenagem ao grande clássico da língua portuguesa.

          O soneto apareceu na Sicília no século XII na corte de Frederico II de Hohenstaufen, sob a pluma do poeta Giacomo da Lentini. Ele ainda é escrito nos dias atuais, mesmo após séculos de existência, o soneto não é considerado como um gênero ultrapassado.  Durante os dois primeiros séculos que se seguiram ao seu aparecimento, foi praticado apenas na Itália. Com o Renascimento, ele se expandiu através de uma parte da Europa: França, Espanha, Alemanha e países baixos. Sua expansão geográfica continuou no século XIX no resto da Europa e, um pouco mais tarde, no restante do mundo ocidental.

É um poema lírico composto na maioria das vezes de catorze versos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos, obedecendo a regras restritas quanto à disposição das rimas. Sua forma regular, simétrica e restritiva favorece a precisão, a concisão e a sugestão (Baudelaire: “Parce que la forme est contraignante, l’idée jaillit plus intense” – Por causa da forma restritiva, a idéia faz-se mais intensa); ela impede o poeta de ceder às liberdades do lirismo. A rima e o movimento das estrofes permitem jogos de antíteses e de metáforas que exprimem as tensões – a complexidade da vida interior do poeta. O soneto é então caracterizado por uma forte coerência interna. Em outras palavras, ele permite uma concordância perfeita entre forma e conteúdo.

Desde Petrarca, o soneto vem sendo quase sempre prestigiado. Ele constitui sem dúvida o gênero literário mais praticado no Ocidente durante os últimos cinco séculos (estima-se em 45000 o número de sonetos que foram publicados na França, apenas no século XVI). Endereçado a um público restrito, capaz de apreciar as riquezas e as nuances dos versos e da rima; é um gênero nobre.

         O soneto teve grande importância na definição de uma nova poesia na França no Renascimento (com a Plêiade) e especialmente no século XIX. Baudelaire e seus seguidores Verlaine, Mallarmé e Rimbaud re-introduziram na poesia o soneto que o Século das Luzes tinha ofuscado, fazendo-o passar por transformações importantes (deslocamento dos versos e novo posicionamento de rimas) com o objetivo de exprimir uma nova concepção do mundo.

Apesar das variações no posicionamento das rimas e das estrofes, o soneto tem conservado praticamente a mesma forma através dos séculos. Seu conteúdo, no entanto, apresenta uma grande diversidade: o soneto é na maioria das vezes sentimental (é um atestado que exprime o estado do coração de um indivíduo), mas ele pode também ser satírico, político, moral, religioso, realista, burlesco. Dois grandes momentos do soneto: o Renascimento, com os poetas da Plêiade, e o século XIX, de Baudelaire a Mallarmé, depois de aproximadamente dois séculos de relativo eclipse.

Soneto vem do italiano sonneto (diminutivo de som) que quer dizer pequeno som: no princípio, o soneto era cantado ou recitado com um acompanhamento musical. Em sua origem, ele nem sempre teve apenas um conteúdo: amor alegórico e místico. Ele nasceu de uma série de experimentos feitos por poetas italianos sob a influência de vários gêneros literários: a canção dos trovadores, o “casida” e o gazel dos poetas do Oriente Médio, a poesia escandinava dos Vikings, o hino dos monges, o tenzoni dos italianos etc.

Ele continua a ser usado no século XX por poetas como Louis Aragon e Philippe Jacottet. Em 1992, uma importante coletânea de sonetos foi publicada na França: trata-se da obra Liturgia de Robert Marteau. O fato de se escrever sonetos no fim do século XX é significante. Isso marca uma posição contra os princípios da poesia moderna: ruptura com o passado, ausência de unidade e continuidade.

  • O mergulho do soneto nas obras de caráter didático

 

             Em primeiro lugar analisaremos os sonetos apresentados em uma coleção, que circula nas escolas públicas brasileiras, conhecida como “Literatura em minha casa”, projeto do Ministério da Educação do então presidente Fernando Henrique Cardoso e que permaneceu ainda sendo recebida pelas escolas durante anos. A própria coleção apresenta nas obras uma definição de seu principal objetivo: promover um encontro entre duas metades, eternamente feitas uma para outra: o livro e o leitor. Além disso, convém destacar que todas as obras trazem uma classificação por faixa etária, sendo divididas de quarta à oitava série.

              Selecionamos oito livros de poesias dessa coleção, os sonetos encontrados foram O dia abriu seu pára-sol bordado de Mario Quintana, Soneto de fidelidade, Soneto de véspera, Soneto de separação, Soneto de Carnaval, Soneto do amor total, Soneto do Corifeu, Anfiguri (sonetilho), Soneto de Luz e treva em um livro com poemas de Vinicius de Moraes, Infantilidade de Artur Azevedo, O sono de um anjo de Luís Guimarães Júnior, Cromo (sonetilho) e Berço de B. Lopes, Menininho doente e Rua dos Cataventos II de Mário Quintana, Soneto de aniversário e Soneto de fidelidade (que apareceu novamente) de Vinícius de Moraes, Um dia acordarás de Mário Quintana.

             Um dos livros apresenta uma seleção chamada Nossos poetas clássicos, que traz cinco sonetos: As pombas e Mal secreto de Raimundo Correia, Esperança de Vicente de Carvalho, Círculo Vicioso e À Carolina de Machado de Assis.

          Outro projeto trazido pelo Ministério da Educação em 2008, que continua acontecendo de dois em dois anos, para as escolas públicas e aplicado por muitos professores é a Olimpíada da Língua Portuguesa, o tema para as oficinas no Ensino Fundamental é “Poetas da escola”, junto com os textos para serem trabalhados em sala de aula, foram enviados aos professores o Caderno do Professor, com orientações para produção de textos. As oficinas se organizam sob os seguintes temas: Mural de poemas, O que faz um poema, Primeiro ensaio, Memória de versos, Os clássicos, Rimando, Poeta do povo, Metáforas, O lugar onde vivo, Um novo olhar, Nosso poema, Virando poeta, Últimos retoques. De todas as oficinas apenas uma traz uma atividade com um soneto Cidadezinha de Mário Quintana.

          Analisando a coleção Projeto Eco: língua portuguesa do Quinto ao Nono ano do Ensino Fundamental, encontramos o Soneto XII de Olavo Bilac no volume que se refere ao Nono ano. Também na coleção Português Linguagens, somente o volume do Nono ano apresenta uma atividades com soneto, o Soneto do amor como um rio de Vinícius de Moraes (p. 144) e o sonetilho Anfiguri também do mesmo autor (p. 147).

  • A superficialidade do mergulho

 

          Mesmo se tratando da forma fixa mais utilizada pelos poetas de todos os tempos, podemos dizer que o soneto ainda se apresenta de uma forma tímida aos pequenos leitores, em relação à coleção Literatura em minha casa, percebemos que Vinícius de Moraes e Mario Quintana foram os poetas que mais tiveram seus sonetos considerados como infanto-juvenis.

          Em relação ao soneto que aparece para ser trabalhado em uma das oficinas da Olimpíada da Língua Portuguesa, Cidadezinha de Mário Quintana, as atividades propostas foram do tipo: qual é o tema desse poema, ele nos faz lembrar de coisas alegres ou tristes, vocês conseguem imaginar a “Cidadezinha” que Quintana descreve em seu poema, como é essa cidadezinha, é parecida ou muito diferente da nossa cidade? Depois se pede que os alunos façam uma relação desse poema com Milagre no Corcovado de Ângela Leite de Castilho Souza. Ainda para finalizar a oficina há a sugestão de produção textual levando em consideração o tema “O lugar onde vivo”. Essa oficina seria o momento ideal para a apresentação das características do soneto, da sua tradição na literatura, mas em nenhum momento há sugestão para que isso aconteça, encontramos apenas um comentário sobre a rima que está presente no poema de Quintana, cabe ao docente, então responsável pela oficina não se limitar ao que é proposto e aproveitar o momento para apresentar a forma fixa soneto para os pequenos.

          No volume da coleção Projeto Eco-Língua Portuguesa em que encontramos o Soneto XII de Olavo Bilac, percebemos que há um quadro chamado Curiosidade que apresenta informações sobre o poeta, bem como características de sua obra. Além disso, o poema é utilizado como meio para o estudo das rimas, escansão, sílabas métricas, exemplo da forma fixa soneto, rimas internas e externas e sua classificação. Não há nenhuma extrapolação, interpretação, os autores da coleção se preocuparam em trabalhar o poema como exemplo do soneto, as questões que se apresentam somente tratam do estudo da versificação, do tipo “Faça a escansão do verso tal…”, “Qual a denominação que os versos recebem de acordo com o número de sílabas métricas…”. Inclusive o trabalho com o soneto se limita a uma página do livro.

          Também no volume da coleção Português Linguagens em que encontramos o Soneto do amor como um rio de Vinícius de Moraes, a forma fixa é utilizada como pretexto para o estudo da versificação que se estende por cinco páginas, há a definição de verso e estrofe, métrica, rima e ritmo. O sonetilho Anfiguri de Vinícius de Moraes aparece como exemplo para exercícios de rima e ritmo, porém não se limita a isso, também traz questões de interpretação tais como: “O título é coerente com o conteúdo do poema, justifique sua resposta…”, “Como você caracteriza os sentimentos e as emoções do eu lírico…”, não se limitando apenas ao estudo da parte estrutural do poema.

          As questões relacionadas ao primeiro soneto são do tipo “Quantas estrofes tem esse poema…”, “Quantos versos há em cada estrofe desse poema…”, “Que pares de palavras de final de versos apresentam semelhança sonora…”. Depois de analisar as respostas com os alunos o professor começa a demonstrar como se estrutura o soneto.

          Ainda podemos encontrar um quadro salientado com o título “Formas fixas” que diz: existem poemas cuja estrutura segue um modelo de construção. Entre outros é o caso do soneto, formado por catorze versos (duas estrofes com quatro versos e duas com três versos), do haicai, um poema de origem japonesa formado por três versos (dois pentassílabos e um heptassílabo). Veja este exemplo de haicai, do poeta japonês Yataro Kobayashi: “Vem cá passarinho/E vamos brincar nós dois/ Que não temos ninho.

Considerações finais

 

          No livro Era uma vez… na escola, no capítulo que trata da arte de fazer versos, as autoras estabelecem agrupamentos para os textos poéticos, especialmente os destinados aos pequenos, quanto a autoria podem ser de origem folclórica ou autoral, o discurso predominante pode ser narrativo, descritivo, expositivo e misto, já quanto ao efeito que pode causar no leitor pode ser lúdico, pedagógico, humorístico, nonsense e lírico. Além disso, as formas poéticas destinadas aos pequenos apresentam uma origem popular, com traços de poemas que passam oralmente de geração em geração, na maioria das vezes fáceis de memorizar, porque apresentam uma estrutura fixa, simples, quase sempre igual, como aqueles que lembramos facilmente da infância. São características bem distintas do soneto que tem uma origem nobre e cujos poetas não podem se entregar inteiramente a subjetividade e ao  lirismo que atraem o leitor infantil, por que tem uma preocupação com a métrica, além disso tratam muitas vezes de temas que podem não agradar ao pequeno leitor.

          Apesar disso, não há regras que ditem se o texto irá agradar ou não a um leitor seja ele adulto ou criança, dessa forma cabe ao professor oferecer ao educando os mais variados tipos textuais, dentre eles o soneto, cabendo ao leitor fazer escolhas, dessa forma Aguiar (2009, p. 131) nos diz que a “poesia infantil só estará plenamente realizada se for capaz de se aproximar do leitor, criar imagens, sons e ritmos que o façam brincar com a linguagem e descobrir novas formas de se relacionar com o mundo”.

           Na coleção Literatura em minha casa podemos dizer que os sonetos se apresentam de forma espontânea ao leitor, sem nenhuma proposta de trabalho, proporcionado ao leitor a leitura pela leitura, sem nenhum objetivo proposto, já em relação ao soneto destinado às oficinas da Olimpíada da Língua Portuguesa, vemos que há uma proposta mais variada tanto do ponto de vista formal, quanto do ponto de direcionar o leitor a uma interpretação, também isso acontece nas duas obras, coleção Eco e Português linguagens, porém uma delas utiliza o soneto somente como exemplo de forma fixa sem se preocupar com a extrapolação, com o ir além, com o levar a criança a novos horizontes, a outra procura ampliar essa questão formal e trabalhar a interpretação.

          O que se pode perceber é que somente na obra da Olimpíada da Língua Portuguesa, houve um importante trabalho sugerido para os pequenos, a produção textual, porém mesmo que o trabalho tenha sido relacionado ao soneto, quando se falou em produção textual, não se mencionou a forma fixa.

          Em razão de tudo que vimos, há ainda um longo percurso para introduzir o estudo do soneto aos pequenos, cabendo aos professores despertar o gosto pelo soneto, bem como de qualquer outro texto poético ou literário, também os produtores dos materiais didáticos devem levar essa falta do soneto em consideração no momento da produção de suas obras, bem como deixar de lado o preconceito de que talvez esse tipo de texto não seja adequado ao infante, dando autonomia ao leitor para que ele decida o que é adequado, o que faz sentido em sua leitura.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Vera Teixeira de. (Coord.). Era uma vez… na escola: formando educadores para formar leitores. Belo Horizonte: Formato, 2009.

ALTENFELDER, Ana Helena. Poetas da escola. São Paulo: Cenpec: fundação Itaú Social; Brasília: MEC, 2008.

AZEREDO, Cristina. Projeto Eco: língua portuguesa. 9º. ano. Curitiba: Positivo, 2009.

CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cohar. Português linguagens. 9º. ano. São Paulo: Atual, 2009.

COLEÇÃO Literatura em minha casa. FNDE, Ministério da Educação.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. São Paulo: Àtica, 2002.

ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler: a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

http://www.sonetos.com.br/maissoneto.php Acesso em 07/01/2012

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