Mara Rovida

O trânsito apressa as despedidas e estreita as oportunidades

Mara Rovida*

Mara Rovida é jornalista, doutoranda no PPGCOM da ECA-USP e membro do Grupo de Pesquisa do CNPQ Comunicação e Sociedade do Espetáculo
Mara Rovida é jornalista, doutoranda no PPGCOM da ECA-USP e membro do Grupo de Pesquisa do CNPQ Comunicação e Sociedade do Espetáculo

Ela nunca disse claramente, mas ele o sabia. Não poderia assumir o namoro perante a família.
Sua conduta levava a um beco sem saída, porque ela não podia ou era apenas incapaz de se decidir. Tinha de escolher entre enfrentar os olhos de desaprovação de uns ou simplesmente seguir sua história longe de quem fazia seu coração pulsar forte. Optou por adiar uma definição. Pensou que teria todo tempo do mundo para conduzir essa história como se fosse sua autora. Mas, nunca passou de personagem.
Um cara boa pinta, boa praça, bom de papo, trabalhador e cheio de vida pela frente. Ela, moça jovem, trabalhava em banco, tinha um belo futuro diante de si e a vida lhe apontava com oportunidades de todo tipo. O sorriso largo do jovem rapaz era irresistível e a moça de pés pequenos e delicados, quando se deu conta, já estava completamente apaixonada.
Nada de errado, eles se viam todos os dias. Quando ela chegava ao trabalho, ele já estava ali, manobrando veículos de todo tipo. O carro dela era só mais um entre tantos magicamente organizados no estreito estacionamento que ele lutava para manter e fazer algum lucro. Também oferecia serviços de lava-rápido e nunca deixou de arregaçar as mangas, mesmo sendo dono do negócio.
Os meses embrenhados e embrulhados num romance empacado e cheio de meias-palavras foram abruptamente interrompidos. Enquanto a moça cheia de dúvidas adiava o encaminhamento da narrativa amorosa, o destino tomou a dianteira e reorganizou o enredo transformando a história de amor em drama.
No início de uma madrugada qualquer, o telefone toca trazendo infortúnio. O manobrista assaz havia cometido um erro de cálculo numa rodovia ali perto. Um detalhe bobo, uma coisinha de nada e o sorriso jamais estaria de volta nas manhãs de cada dia.
O que ela não pôde desenhar para sua vida, o trânsito assinalou e contabilizou em forma de estatística macabra. O estacionamento ainda movimentado ficou na lembrança junto com o jovem negro que ela nunca poderia apresentar para os pais de raízes lusitanas e visão turva do mundo.

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