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Contação de histórias: uma experiência no estágio supervisionado

 

Jaqueline de Andrade Calixto¹

Fernanda Duarte Araújo Silva²

Fernanda Duarte Araújo Silva. Doutora em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professora Adjunta do Curso de Pedagogia na Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP/UFU). Possui experiência na Educação Infantil e Ensino Fundamental como docente e coordenadora pedagógica. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Infâncias (GEPI). Coordenadora do I Curso de Especialização em Educação Infantil da FACIP/UFU.
Doutora em Educação. Professora do Curso de Pedagogia pela Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Docência no Ensino Superior (UFU-2004) e graduada em Pedagogia (UFU-2003). Possui experiência na Educação Infantil e Ensino Fundamental como Docente e Coordenadora Pedagógica. Atuou como Professora Assistente da Universidade Federal do Tocantins e atualmente é Professora da Universidade Federal de Uberlândia, Campus do Pontal. fernandaduarte.facip@gmail.com

Resumo:

O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma atividade de intervenção desenvolvida em um Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia. Constatamos por meio do estágio que muitas crianças, que frequentam a escola estagiada, são filhos e filhas de migrantes nordestinos que vieram para a cidade de Ituiutaba-MG, motivados com o trabalho disponível nas usinas canavieiras. Assim nossa intervenção, na escola estagiada, teve o intuito de abordar o tema “mudança”, por acreditarmos que esse processo precisa ser abordado na formação dessas crianças. 

Palavra-chave: Estágio Supervisionado, Contação de Histórias, Educação.

           

Introdução

 

Apesar do conceito de infância manter-se inabalável desde a Idade Média, nos séculos XV e XVI as crianças passaram a ter uma diferenciação sutil em relação aos adultos.

Antes disso, elas presenciavam e participavam da vida e eventos dos adultos, mesmo que não compreendessem o sentido dos fatos ou situações que estavam vivenciando. Nesse período então, a ideia de afastamento da infância em relação à idade adulta começa a se anunciar, e a criança começa a ser vista como um ser diferente do adulto.

Segundo Zilberman (1987), o surgimento da Literatura Infantil se deu devido às modificações nas famílias dessa época e também com a reorganização da escola. As transformações observadas na família relacionavam-se ao valor dado às crianças que até então eram consideradas “adultos pequenos”, não possuindo o direito de fruição através da arte, principalmente a literatura. A reorganização da escola, por sua vez, necessitava de uma nova pedagogia, então a literatura serviu como um instrumento para ensinar.

Em relação à constituição familiar, anteriormente a constituição do modelo familiar burguês inexistiu uma consideração especial para com a infância. Com uma nova valorização da infância a partir do final do século XVII e durante o século XVIII, gerou maior união familiar e consequentemente meios de controle do desenvolvimento intelectual da criança e manipulação de suas emoções. Desse modo, Literatura Infantil e escola são convocadas para cumprir essa missão.

É possível ainda perceber que na atualidade “a Literatura Infantil permanece como uma colônia da pedagogia, o que lhe causa grandes prejuízos: não é aceita como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a presença do objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida com a dominação da criança” (ZILBERMAN, 1987, p.16).

Hoje, há compreensões distintas daquela que sustentou a produção literária para crianças e jovens no passado. Precisamos entender que o fato de a criança ter pouca idade e experiência não quer dizer que ela não possua capacidades de interpretação, pelo contrário tem absoluta compreensão daquilo que lê, desde que as histórias sejam adaptadas às condições de seus leitores.

Nesse âmbito, quando o texto infantil se compromete com as necessidades e interesses de seus destinatários, transforma-se num meio de acesso à realidade e facilita a ordenação das experiências existenciais do sujeito. Segundo Bettelheim (apud ZILBERMAN, 2003) a presença dos elementos mágicos e recurso à fantasia têm sido procedimentos recorrentes da Literatura Infantil para conquistar o leitor. Assinalamos que tal uso remonta os contos de fadas e encontra-se vivo nas mais variadas produções para crianças na atualidade.

Essas afirmações de Bettelheim (apud ZILBERMAN, 2003) são pertinentes ao assunto abordado, pois percebemos uma grande preocupação com a formação literária das crianças em nossos dias. Ele salienta que as histórias possibilitam a criança a desenvolver a imaginação e assim elas podem organizar a realidade em que vivem por meio da fantasia. Como essas histórias são narrativas com início, meio e fim, essa estrutura faz com que a criança consiga compor sua visão sobre a vida, ou seja, a tomada de decisões, o enfrentamento de problemas, a compreensão de fatos que acontecem em seu contexto social.

Nesse sentido, a função social da literatura é facilitar ao homem compreender – e, assim, emancipar-se – dos dogmas que a sociedade lhe impõe. Isso é possível pela reflexão crítica e pelo questionamento proporcionado pela leitura. Se a sociedade buscar a formação de um novo homem, terá de se concentrar na infância para atingir esse objetivo.

Nesse sentido de acordo com Caldin (2003) pode-se dizer que o movimento da Literatura Infantil contemporânea, ao oferecer uma nova concepção de texto escrito aberto a múltiplas leituras, transforma a literatura para crianças em suporte para experimentação do mundo. Dessa maneira, as histórias contemporâneas, ao apresentarem as dúvidas da criança em relação ao mundo em que vive, abrem espaço para o questionamento e a reflexão, provenientes da leitura.

Por outro lado, ainda de acordo com Caldin (2003) os contos clássicos não impedem o raciocínio lógico, porque não embotam a inteligência da criança. Envolvem isto sim, o aguçar de sua sensibilidade artística e o equilibrar o sonho com o real. É um jogo estimulante – a criança sabe que o que está lendo não é verdade, mas finge acreditar – é a magia do imaginário, tão necessária ao desenvolvimento infantil.

Jaqueline de Andrade Calixto – Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Formada em Pedagogia

De acordo com Silva (1986, p.21), a leitura do texto literário “pode se constituir num fator de liberdade e transformação dos homens”. Em consequência, pode-se dizer que tanto a leitura do texto maravilhoso quanto a leitura do texto realista cumprem o papel social de transformar a infância, na medida em que fazem a criança pensar criticamente.

Em síntese, diante as análises e experiências vivenciadas a Literatura Infantil tem uma função formadora que não se confunde com uma missão pedagógica. Com efeito, ela dá conta de uma tarefa a que está voltada toda a cultura- a “de conhecimento do mundo e do ser”, como nos sugere Cândido (1995), o que representa um acesso à circunstância individual por intermédio da realidade criada pela fantasia do escritor. Indo mais além- propicia os elementos para uma emancipação pessoal. A Literatura, aproveitada em sala de aula em sua natureza ficcional, aponta a um conhecimento de mundo levando a escola à ruptura com uma educação contraditória e tradicional.

Segundo Cândido (1995), a literatura é um direito humano, o qual deve ser um bem incompressível, pois esses não “são apenas os que asseguram sobrevivência física em níveis decentes, mas os que garantem a integridade espiritual” (CÂNDIDO, 1995, p. 241). Ainda para o autor, bens incompressíveis garantem as necessidades humanas como alimentação, vestuário, instrução, saúde entre outros, incluindo a arte e a literatura.

Assim, esse projeto de intervenção, construído no decorrer do Estágio Supervisionado da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal da Universidade Federal de Uberlândia possui o objetivo de oportunizar um trabalho com Literatura Infantil em uma escola pública da cidade de Ituiutaba/MG.  Trabalhamos especificamente com duas turmas de 1º ano do Ensino Fundamental, ou seja, com crianças na faixa etária de seis e sete anos de idade.

Desenvolvimento… O momento da contação de histórias…

 

A partir das observações realizados no Estágio Supervisionado percebemos poucas práticas com literatura na escola. Não detectamos uma rotina, em que a Literatura Infantil estivesse inserida nas práticas diárias visando à formação do ser

O hábito da leitura começa a ser estimulado e pode fazer parte do universo infantil não só na época da escolarização, mas desde os primeiros meses de vida.  Ao ler ou contar histórias para crianças pequenas ou até mesmo bebês, estamos contribuindo para uma interação surpreendente com o mundo da leitura e da escrita.  Nesse sentido, por meio da contação de histórias, o professor pode propor as crianças uma entrada paralela em uma forma de linguagem oral e escrita, motivando-as a interessar-se pelo mundo letrado. Com isso uma forma de manifestação desse interesse é o próprio brincar com essas situações que as crianças criam e também o recontar de suas próprias histórias.

Com isso, nosso objetivo com essa intervenção foi proporcionar o contato com a literatura por meio da Contação de Histórias, propiciando aos alunos a experienciar momentos de imaginação, prazer e também de aprendizado. Além disso, sabemos que essas atividades possibilitam: ampliar o repertório e o universo imaginário (capacidade de abstração); aprender mais sobre a língua que se fala; aprender como contar suas próprias histórias e desenvolver a capacidade de escutar.

Escolhemos, assim, uma história denominada Os sapinhos, partindo da realidade vivenciada na escola, que abriga maioria de migrantes nordestinos, os quais vieram em busca de trabalho, com o objetivo de proporcionar uma melhor qualidade de vida às suas famílias. Sabendo que no Nordeste do país há vários problemas motivadores dessa migração, mas que um deles é a questão climática que causa grave seca interferindo nas questões econômicas e sociais, optamos por um tema que toca e ilustra esse assunto. Nesse sentido, as crianças puderam se identificar neste cenário e a história tornou-se significativa.           Assim, a narrativa conta a migração de dois casais de sapinhos para uma lagoa maior, já que a antiga havia secado. No entanto, a nova lagoa sendo bastante profunda, provoca reações diferentes entre os dois casais de sapinhos. O primeiro fica preocupado com a profundidade e assim que quando ocorre a primeira chuva ele decide retornar. O outro casal adorando o lugar, resolver permanecer no novo lugar.

Para o desenvolvimento da história, optamos por dividir o processo em três etapas pensando possibilitar aos alunos um maior aproveitamento da narrativa e, ainda, alcançar os objetivos propostos. O trabalho assim realizado facilita situações de ensino-aprendizagem mais eficazes, pois pressupõe atividades conectadas entre si, cujo planejamento foi elaborado para ensinar um conteúdo passo a passo.

Sendo assim, realizamos uma contextualização com base no diálogo para que as crianças pudessem, a partir de questões instigadoras, dizer o que pensavam e sentiam sobre os tipos de mudanças que fizeram, com suas famílias.

Levamos as crianças para a biblioteca com o intuito de proporcionarmos um ambiente calmo para que elas pudessem ouvir a história. As crianças se mostraram motivadas e começaram a opinar sobre o que faríamos naquele dia. Elas começaram a interagir com o ambiente e com o nosso grupo que iria contar a história. A princípio as crianças ficavam tentando descobrir o que faríamos naquele dia na escola, até que elas começaram a prestar atenção no cenário e nos personagens que colocamos em cima de uma mesa. Então interpretaram que contaríamos uma história e que os personagens dela seriam sapos. Mas ainda faltava estabelecermos com as crianças um diálogo sobre o tema da história, sendo a migração e mudança. E assim partimos para as perguntas motivadoras e elas falaram sobre as experiências de mudanças que tinham, a saber: de casa; de cidade e do meio rural para o meio urbano.

No passo seguinte apresentamos os personagens, os nomes e o parentesco deles, e narramos à história. Para cada turma tivemos que contá-la duas vezes, pois as crianças se entusiasmaram com a mesma. O grupo gostou da ideia já que de início estávamos nervosas e repetindo a história íamos ganhando mais segurança.

A finalização constituiu um momento de socialização, liberdade e também de avaliação. Solicitamos às crianças que fizessem desenhos sobre a história, a fim de percebermos se alcançamos os objetivos aos quais nos apoiamos. Mesmo sabendo que essa metodologia de desenhos é recorrente na prática dos professores de Educação Infantil, a utilizamos por ser uma forma de apreendermos quais foram as percepções das crianças sobre o momento da Contação de Histórias.

Análise e Discussão

 

Durante a realização da Contação de Histórias observamos que as crianças ficaram atentas. Isso demonstra o quanto esse momento foi importante para que elas desenvolvessem a imaginação. As crianças ficaram atentas durante a atividade  e demonstraram estar seduzidas pela história.

Depois da apresentação, por meio dos desenhos construídos pelas crianças, pudemos ver o que elas extraíram de importante na história contada. A história teve algumas interpretações, e as crianças tiveram maneiras particulares de representá-la, a maioria delas viajou em seu universo imaginário, trazendo a tona em seus desenhos e até em falas, algumas das suas vivências e experiências. Despertou-se, assim, autonomia para que as crianças pudessem expressar seus sentimentos. E isso foi muito interessante, pois nos mostra que cada criança tem um olhar e um modo de compreensão diferente. A interação e o envolvimento entre os alunos com a história, nos fez acreditar o quanto a atividade foi significativa, estimulante e prazerosa para todas as crianças envolvidas no projeto de intervenção. E o mais importante nos fez refletir mais ainda na formação desses novos leitores, que por serem das camadas populares acabam sendo excluídos desse universo cultural da leitura.

É importante destacar que a escola tem sido receptiva com a nossa presença, e no dia da Contação de Histórias pudemos nos organizar com liberdade dentro da instituição. Não podemos nos esquecer das professoras que durante todo o tempo estiveram presentes nos auxiliando no desenvolvimento do trabalho. Acreditamos que esses profissionais mostraram interesse na realização desta atividade, por terem autorizado este momento e por terem disponibilizado espaço e tempo para desenvolvermos as atividades.

 

Algumas Considerações  

 

Sabemos como é importante ouvir histórias para a formação de qualquer criança. Escutá-las é o início da aprendizagem para ser um bom leitor, tendo um caminho absolutamente infinito de descobertas e de compreensão do mundo, principalmente o letrado. Um trabalho com literatura contribui-se dessa forma para a construção da linguagem oral e da escrita, dando-lhes abertura para expressar-se e favorecendo para a inserção cultural.

Por meio da contação de historias, a criança deixa fluir o imaginário instigando a curiosidade, possibilitando a descoberta do mundo imenso das inter-relações sociais com seus conflitos, impasses e soluções que todos vivem e atravessam.

Em linhas gerais, nosso objetivo era proporcionar às crianças, por meio da literatura um momento diferente, prazeroso, em que pudessem “soltar” a imaginação, aflorar a alegria e praticar a capacidade de escutar. Percebemos que os alunos demonstraram bastante interesse e curiosidade no decorrer das atividades.  Além disso, o assunto “mudança” foi bastante discutido, o que pode ter contribuído de alguma forma, com a formação plena dessas crianças.

 

Referências

CALDIN, Clarice Fortkamp. A Função Social da Leitura da Literatura Infantil. 2003. Disponível em:<www.encontros-bibli.ufsc.br/edicao_15/caldin_funcaosocial.pdf>.

CÂNDIDO, Antonio. O direito à Literatura. In.: CÂNDIDO, Antonio. Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca. Campinas: Papirus, 1986.

ZILBERMAN, Regina. A Literatura infantil na escola. São Paulo: Ed. Global, 2003.

ZILBERMAN, Regina & Magalhães, Liga Cademartori. Literatura infantil: Autoritarismo e Emancipação. São Paulo: Ática, 1987.

¹Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Formada em Pedagogia.

² Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia- Campus Pontal. Doutoranda em Educação.

Contatos: jaquelineandradecalixto@gmail.com

fernandaduarte@pontal.ufu.br

 

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