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Título de pornochanchada, reflexão sobre o preconceito

Título de pornochanchada, reflexão sobre o preconceito

Juliane Santana Lopes*

As aventuras amorosas de um padeiro

Não se engane com o título! Não se trata de pornochanchada (embora o título seja uma alusão a ela). Dividido entre drama e comédia esse filme faz uma abordagem crítica à sociedade de classe média do Rio de Janeiro.

A personagem principal é Ritinha. A moça é recém-casada com Mário. Após o casamento, a moça não encontra no marido o que esperava: ele não a completa sexualmente. O marido é um homem bem sucedido no trabalho, carinhoso e compreensivo com a esposa; um típico homem de classe média da década de 70. Mas conservador ele faz de tudo para que a moral e os bons costumes permaneçam intactos ao seu redor.

Ritinha é aconselhada por amigas a procurar um amante. Assim a moça poderia encontrar o prazer que esperava no sexo. Após os conselhos, ela começa a ter fantasias sexuais com trabalhadores de uma obra onde sempre passava, mas é com o português Seu Marques que a moça se envolve. E se arrepende. Com o padeiro português ela não consegue alcançar o prazer que procurava. Decidida a acabar com o caso com Marques, a moça tenta mantê-lo distante, mas ele está apaixonado e começa a incomodá-la em sua casa.

Decidida a dar um ponto final na situação, Ritinha se encontra com Marques na praia. Lá a moça vê algumas pinturas feitas por Saul, um artista negro que expõe ali mesmo os seus quadros. Ela fica encantada com a arte e o carisma do artista. E é com Saul que Ritinha encontra o que procurou em Mário e Marques. Saul tem um sonho: ser ator de teatro. Quer interpretar Hamlet, mas ele acredita que ninguém daria o protagonismo da peça para um negro, capoeirista e praticante de Saravá. O artista é o oposto dos dois primeiros homens. Leva uma vida simples sobrevivendo de suas pinturas, se Mário e o padeiro representam a classe média do Rio de Janeiro, o artista representa a classe marginalizada pelo preconceito para com a etnia e a religião dos afro descendentes.

Logo Marques descobre o caso que a amante estava mantendo com Saul. Enfurecido o português deixa num bar próximo à casa de Mario e Ritinha um envelope contendo as fotos dos encontros extraconjugais de Ritinha com ele (o padeiro sempre tirava fotos das amantes com a ajuda de um amigo para depois ficar mostrando aos amigos bêbados e clientes da venda).

O esposo vê essas fotos depois que todos os clientes do bar. Volta para casa bêbado e disposto a terminar o casamento, mas ao ser avisado por sua mãe que Ritinha está grávida, decide que a esposa deve ficar até a criança nascer. Ele quer a criança a todo custo. Ritinha quer abortar. Não encontrando o apoio de Mário para o aborto, Ritinha procura o apoio de Saul. O artista não consente em ajudá-la, é contra o aborto por considerar a vida uma arte. Marques organiza uma multidão para dar o flagrante do adultério em Ritinha e Saul. Mário, como parte muito interessada no caso, é somado ao grupo e o flagrante é uma verdadeira peça de teatro.

Na casa, enquanto o público aguarda ansioso a consumação do ato sexual, Saul e Ritinha ensaiam a peça de Shakespeare. Os curiosos confundem o espetáculo com um crime. Até dão Ritinha por morta e Saul por suicida.

O filme abre possibilidades de interpretação muito interessantes. Por meio de suas imagens é possível tomar contato com uma série de problemas, tais como: a experiência sexual da mulher, o machismo e o preconceito ao artista negro e a religião de origem africana.

A experiência sexual e o machismo

Ritinha se casou virgem, isso teria influenciado a procura por outro homem? O prazer sexual passou a ser exclusivo do marido. O preconceito sexual pode atrapalhar os planos das mulheres que guardam seu corpo para o marido, pois não há garantias de reciprocidade.  A mulher passa a ter a função de dar prazer e filhos ao marido. Ocorre, nesse caso, uma espécie de reificação; Ritinha não possui autonomia sobre seu corpo; a ela é dada a função de esposa e mãe.  A decisão pelo aborto parte da moça, mas fica nas mãos dos homens que a cercam (Mário e Saul). A paixão do padeiro pela moça também faz parte desse construto machista. Marques quer manter o controle sobre Ritinha, mantê-la fiel ao caso dos dois mesmo com a moça querendo acabar com a situação. Também as fotos tiradas da moça em seus momentos íntimos e a divulgação delas configuram esse poder e exibicionismo que do homem.

O preconceito ao artista negro e a religião de origem africana

Essa temática envolve a personagem Saul. O sonho do rapaz é ser ator profissional de teatro, de interpretar Hamlet; mas o artista reconhece que ninguém daria um papel tão importante para um negro. Embora esse filme tenha sido produzido a mais de 40 anos, há ainda muito o que pensar na figura do negro cedidas pela mídia tradicional.

O ator negro dificilmente é protagonista, notadamente se as obras são canônicas. “O lugar do negro é em todo lugar” essa é a campanha midiática atual, mas que lugar a mídia dá ao protagonismo negro? Parece-nos que ele ainda continua a ser o figurante. Ironicamente mesmo em obras com temas de escravidão os protagonistas são brancos. O papel do negro ainda continua sendo a sua própria marginalidade.

Há, em 2016, que se pensar no protagonismo e no lugar cedido ao negro pela mídia. Com tantos artistas negros, tantas atrizes negras e poucos papéis de protagonistas negros. A religião afro adentra ao enredo de forma sutil, o filme acaba com uma canção que evoca a pomba. Essa divindade afro é pouco vista nas produções fílmicas ou midiáticas em geral. Esses preconceitos adentram a narrativa e dão muito o que pensar, desviando-se muito das interpretações ligeiras que se faz do seu título.

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Juliane Santana Lopes*

Acadêmica do curso de Letras da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras (FACALE), da Universidade Federal da Grande Dourados. Faz parte do Grupo de Estudos InterArtes, que estuda a relação da Literatura com outras artes, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Custódio de Oliveira. Juliane Santana tem como objeto de pesquisa o livro Sonhos tropicais (1992), de Moacyr Scliar e o filme Sonhos Tropicais (2002), dirigido por Andre Sturm. Saiba mais sobre o #InterArtesUFGD: https://interartesufgd.wordpress.com.

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