Crônicas Margarete Hülsendeger Mulher mulheres

O dilema de não querer ser mãe

Margarete Hülsendeger

Qualquer escolha requer sacrifícios. Ter filhos requer sacrifícios de tempo, de privacidade, de espaço mental. Claro que é possível fazer as duas coisas, ter filhos e fazer arte, mas, por que uma pessoa tem que fazer tudo? Por que uma pessoa tem que fazer sua vida tão plena, tão difícil, tão exitosa? Por que uma pessoa não pode simplesmente fazer o que mais deseja e deixar as outras coisas menos importantes para ela? Por que não posso, como mulher, dizer que a maternidade é menos importante para mim? Não é uma experiência necessária para todos[1].

Sheila Heti

Maio é o mês das comemorações “amorosas”, pois reúne dois eventos que o mercado costuma esperar com ansiedade: o dia das mães e o fato de o mês inteiro ser dedicado às noivas. Duas comemorações que giram em torno do que seriam os desejos da maioria das mulheres. Desejos que a mídia, ano após ano, alimenta e reforça, criando estereótipos e necessidades que, se fossem analisados de forma um pouco mais objetiva, apontariam para um conceito de mulher bastante questionável.

http://maternidadeempoderada.com.br/a-escolha-por-ser-mae-ou-nao/

Atualmente, com a união estável, que protege todos os envolvidos de qualquer atitude mal-intencionada, a cerimônia do casamento tornou-se mais um evento social do que um compromisso obrigatório. Casa-se, com toda a pompa e circunstância, quem quer festejar com familiares e amigos um momento de suas vidas (não necessariamente o mais importante). Agora, essa vontade de festejar espalhou-se para outras situações, como, por exemplo, comemorar uma separação ou um divórcio. Pessoalmente, acho a ideia genial; afinal, se casar é marcante, divorciar também deve ser. Nos dois casos o comércio sai ganhando, pois continua sendo preciso investir nos “comes e bebes”, em uma decoração especial e em um DJ que saiba escolher as músicas certas para animar a data.

No entanto, quando a questão é o dia das mães os “interesses” envolvidos são de outra ordem. Quando a data se aproxima as diferentes mídias se tornam impiedosas, bombardeando-nos continuamente com as mesmas imagens: a felicidade borbulhante de uma mulher diante de sua prole. A ideia por detrás dessas imagens, no meu entender, é clara: a mulher só estará “completa” quando passar pela experiência da maternidade. Um conceito que, não sendo novo, acompanha (ou seria melhor dizer “persegue”?) as mulheres desde tempos imemoriais. Para reforçar essa visão, na infância as meninas recebem sempre os mesmos brinquedos: bonecas e seus “utilitários” (conjunto de panelinhas, mini-cozinhas, vestidos, adereços…). Com eles aprendem, desde cedo, que não existe nada melhor do que trazer ao mundo mais crianças e se essas forem meninas é preciso continuar ensinando a sublime arte de ser mãe. Parece que a vida começa e termina na maternidade, tudo o que vem antes ou depois é apenas um caminho, uma preparação, para se atingir o mesmo objetivo: ter e criar filhos.

Alguém poderia perguntar: qual o problema disso? Nenhum. Ou melhor, nenhum se isso não se transformar (como se transformou) em um determinismo cultural. Em outras palavras, o desejo de ser mãe não pode ser imposto, não pode ser empurrado goela abaixo, como se fosse algo sagrado, uma espécie de dogma ao qual as mulheres devem se submeter. Pode parecer inacreditável, mas muitas mulheres ainda são pressionadas para assumirem esse papel e, quando não se sujeitam, são forçadas a se justificarem, como se estivessem cometendo algum crime.

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutoranda em Teoria Literária na PUC-RS. margacenteno@gmail.com

Ser mãe é lindo, não estou dizendo o contrário. Contudo, também é um trabalho de tempo completo e sem prazo para terminar. Colocar uma criança no mundo é uma daquelas decisões da vida que não têm volta. Nesse sentido, é interessante lembrar quantas mulheres tornaram-se mães não estando preparadas e como acabaram jogando suas frustrações e rancores sobre seus próprios filhos, tornando suas vidas impossíveis. Logo, quando uma mulher diz não a esse “trabalho” é preciso respeitar. E quando digo respeitar, quero dizer não julgar, aceitando que, no caso dessa mulher, a sua necessidade está em outro lugar e nem por isso ela é “incompleta” ou egocêntrica.

Ser mãe deve ser uma escolha. Não ser mãe também. As duas posições são corajosas. A primeira porque a mulher assume a responsabilidade de cuidar de outro ser vivo, com todos os encargos que isso acarreta. A segunda porque, ao romper com estereótipos impostos por uma sociedade machista, torna a mulher vítima de preconceitos que podem mergulhá-la em um poço de culpa e autorrecriminação. Por essa razão, é preciso desconstruir esse determinismo cultural que coloca a mulher na eterna posição de “genitora”, aquela a qual é dada a suprema missão de gerar filhos. Uma mulher é “completa” quando compreende e aceita tanto suas potencialidades, como os seus limites. Ser mãe é apenas uma possibilidade. Optar por algo diferente e dedicar-se a ele é outra. A sociedade deve entender que as mulheres (assim como os homens) não são todas iguais e que existem aquelas que podem ser plenamente felizes sem terem filhos. Portanto, comemoremos o dia das mães, mas respeitando todas as mulheres que decidiram percorrer outro caminho.

[1] Fonte: <https://elpais.com/elpais/2019/04/26/mamas_papas/1556264752_630548.amp.html?__twitter_impression=true&fbclid=IwAR0SoAv7CeCSc_MxeJ4AYdFM0O9zPt50mCDzJlgyEx-tJgKhdPFrNGpglFM>. Acesso: 03 maio 2019 (Tradução minha).

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