comportamento comportamentos Crônicas Margarete Hülsendeger Saúde

Qual o preço de uma vida?

QUAL O PREÇO DE UMA VIDA?

Margarete Hülsendeger

 

O homem não teve tempo para se adaptar às bruscas e poderosas transformações que sua técnica e sua sociedade provocaram ao seu redor; e não é arriscado afirmar que as doenças modernas sejam o meio de que o cosmos se vale para sacudir esta orgulhosa espécie humana.

Ernesto Sabato

 

A vida, todos sabemos, é feita de escolhas. Algumas são apenas circunstanciais e permanecem na memória como mais uma história a ser contada aos amigos e parentes, enquanto outras resultam em mudanças radicais de trajetória alterando, muitas vezes, toda uma concepção de mundo. Com sorte, a maior parte das nossas escolhas são do primeiro tipo, deixando na sua passagem uma pequena marca que facilmente empurramos para o fundo de nossas mentes e só as resgatamos quando fazemos aqueles famosos inventários de final de ano. Mas sabemos que não podemos contar sempre com a sorte.

Quando as primeiras notícias começaram a chegar da China falando de uma gripe muito forte pensamos: “Só podia ser na China! Aqui não vai chegar! Está muito longe!”. Em seguida quando a imprensa passou a noticiar que pessoas, vítimas dessa mesma gripe, estavam morrendo na Europa, mais especificamente na Itália, voltamos a pensar: “Só podia ser na Itália! Aqui não chegará! Há um oceano entre nós!”. No entanto, à diferença da China, as imagens que começaram a chegar da Itália vinham sem nenhuma censura. E o que vimos foram hospitais cheios, com corpos se acumulando nos corredores e o governo italiano assustado diante de uma epidemia que havia fugido ao controle.

E, finalmente, quando a OMS lançou o alerta de pandemia, informando que estávamos diante de um novo vírus da influenza, chamado Covid-19, ainda encontrávamos pessoas insistindo na ideia de que havia “um oceano entre nós e eles”. Contudo, ao contrário do que essas pessoas possam pensar, não vivemos em uma ilha isolada, à prova de invasões de qualquer espécie. Na verdade, a palavra de ordem nos tempos modernos é “conectividade”, uma palavra muito utilizada no mundo virtual, mas também aplicável ao mundo real. Hoje, em questão de horas, somos capazes de sentir o choque de qualquer evento, pequeno ou grande, não importa onde e quando ele ocorra. Oceanos, muralhas e montanhas não são mais barreiras eficazes como foram em outros períodos da história humana.

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutora em Teoria Literária na PUC-RS. margacenteno@gmail.com

Por isso, a doença que foi no início rotulada de “gripe chinesa” acabou desembarcando na Europa e agora está se espalhando com extrema rapidez pelo mundo, matando indiscriminadamente pessoas independente de credo, estrato social ou faixa etária. Não há ninguém imune a ela e nenhuma quantidade de dinheiro ou de prestígio será capaz de comprar essa imunidade. O Covid-19, para infelicidade das elites, é um vírus democrático.

Desse modo, acreditar que é possível escolher entre preservar vidas e manter a atividade econômica, demonstra uma total ignorância e uma tremenda falta de sensibilidade em relação ao momento que estamos vivendo. Nenhuma atividade econômica se justifica se for a custo de milhares, talvez milhões, de vidas. No entanto, existem aqueles que calculam quantas mortes seriam “aceitáveis”. Segundo esses pseudoespecialistas, “aceitar” essas mortes como consequência “natural” da pandemia impediria o colapso da economia, pois os países não parariam de produzir. O que eles parecem ignorar é que esse foi o raciocínio utilizado pelos governos italiano e espanhol com os resultados que todos nós já conhecemos. Além disso, eles também esquecem um fato importante: mortos não fazem compras, não vão ao shopping ou frequentam restaurantes e nem pagam impostos. Logo, o retraimento econômico e, consequentemente, a recessão são fatos que os governos e o empresariado devem atacar de frente. Sacrificar vidas pensando apenas nos danos que a economia pode sofrer é uma conduta, no mínimo, imoral.

Portanto, nesse período de crise, espera-se dos governos atitudes no sentido de evitar mais perdas de vidas, ao mesmo tempo que procuram maneiras de implementar ações que apoiem os pequenos e médios empresários. Não há razão para transformar esse momento tão complicado em uma escolha de Sofia. Não há necessidade de escolher entre a vida e a atividade econômica. É preciso aprender com os erros cometidos por outros governos em diferentes partes do mundo. Aprender com os seus erros é vital para que possamos sair dessa provação mais fortes e sábios, mesmo que mais pobres. Além disso, vale relembrar que todos podemos ser vítimas do Covid-19. Todos podemos estar entre essas mortes “aceitáveis”. Por isso pergunto: você acredita que vale a pena pagar esse preço?

#FiqueEmCasa

Deixe um comentário