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O FEMINISMO É PARA TODOS

O FEMINISMO É PARA TODOS[1]

Quando somos ensinados que a segurança está na semelhança, qualquer tipo de diferença parece uma ameaça.

bell hooks

Margarete Hülsendeger

NEW YORK – DECEMBER 16: Author and cultural critic bell hooks poses for a portrait on December 16, 1996 in New York City, New York. (Photo by Karjean Levine/Getty Images)

O nome Gloria Jean Watkins talvez pareça um nome comum, mas se no seu lugar escrevermos bell hooks, com certeza, muitos saberão de quem se trata. Gloria Watkins, escritora, professora, teórica feminista e ativista antirracista, escolheu chamar-se bell hooks como uma maneira de homenagear sua bisavó materna, Bell Blair Hooks, uma mulher que, segundo a escritora, lutou toda a vida para manter intacta a sua integridade. A opção por escrever o nome em minúscula foi a forma que encontrou para dar destaque ao conteúdo de sua escrita o que, para ela, significava não ficar presa a uma única identidade, permanecendo em constante movimento.

Em 1992, seu livro Não serei eu uma mulher? (1981) foi considerado, pela Publishers Weekly, como um dos vinte livros mais influentes escritos por mulheres nas duas décadas anteriores. Além dessa obra, um dos marcos da literatura feminista, ela publicou mais de trinta livros e numerosos artigos acadêmicos, apareceu em vários documentários e participou de diversas palestras. Contudo, a relevância de bell hooks não está apenas em seus posicionamentos feministas, mas na capacidade de articular esse tema com questões que têm relação com a raça. Oriunda de uma família humilde, o pai era zelador e a mãe empregada doméstica, hooks dizia que ao pensar no que devia escrever sempre começava “a partir do lugar da experiência concreta”, escrevendo sobre o que acontecia na sua vida e na vida das mulheres e homens que a rodeavam.

Assim, ao falar sobre feminismo fazia questão de romper com preconceitos, em especial aquele que afirma que o “feminismo se trata de mulheres bravas que querem ser iguais aos homens”. hooks, em seus livros e palestras, explicava que não se trata de ser igual, mas de ter direitos iguais. Do mesmo modo, defendia que para abolir o patriarcado – outra maneira de nomear o sexismo institucionalizado – era preciso conscientizar a sociedade da necessidade de desapegar-se de pensamentos e ações sexistas substituindo-os por pensamentos e ações feministas.

Essa substituição, pregada por hooks, atingiria também as mulheres, pois, muitas ainda estão presas a ideia de que devem se sujeitar ao homem, sobretudo no âmbito doméstico. Foi o pensamento sexista que fez com que muitas mulheres julgassem e punissem, sem compaixão, outras mulheres, reforçando a ideia de que enquanto o vínculo entre os homens é um aspecto aceito e reconhecido na nossa cultura, uma aliança entre mulheres é, quase sempre, vista como um ato de traição. Como diz hooks, uma pessoa não se torna “defensora de políticas feministas simplesmente por ter o privilégio de ter nascido do sexo feminino”. A irmandade feminista prevalecerá apenas quando estiver fundamentada no comprometimento compartilhado de lutar contra a injustiça patriarcal rompendo com o pressuposto da autoridade do mais forte (homem) sobre o mais fraco (mulher).

Por isso, na luta por direitos iguais, as mulheres passaram a acreditar que ao conquistarem um espaço de trabalho fora de casa tinham também conquistado autonomia e independência. Infelizmente, em pouco tempo perceberam que haviam caído em uma armadilha, pois trabalhar por baixos salários não liberta as mulheres, sobretudo as mais pobres, da dominação masculina. O que aconteceu é que elas passaram a acumular duas jornadas de trabalho, uma fora e outra dentro do lar, com os homens não assumindo a sua parcela de responsabilidade nas atividades domésticas e no cuidado dos filhos.

No entanto, muitos homens responsabilizam as mulheres pelo desemprego e pela perda da sua identidade como provedor. A razão por detrás dessa queixa é a percepção de que a mulher ao se tornar autossuficiente economicamente também se tornou mais propensa a terminar um relacionamento cuja a norma era a submissão. Por esse motivo, hooks, assim como outras ativistas feministas, defendia a necessidade de criar redes de proteção para as mulheres mais vulneráveis exigindo políticas públicas que as apoiem, principalmente, no cuidado de seus filhos.

bell hooks faleceu aos 69 anos no dia 15 de dezembro de 2021 em Kentucky, EUA. Entretanto, seu legado permanece impelindo mulheres de todas as idades, cores e origens a continuar lutando contra o patriarcado e o despotismo. Fortemente influenciada pelo pensamento de Martin Luther King, Malcom X, Eric Fromm, assim como pelas teorias de educação defendidas por Paulo Freire, seu olhar crítico e sua luta para promover o feminismo por meio da visão das mulheres negras permitiu que a sua obra ganhasse muitas seguidoras, tanto no campo da educação quanto em outras áreas. O trabalho incansável de hooks tem mantido vivo o sonho de libertar as mulheres da dependência masculina, estimulando a luta por um espaço onde predomine a justiça e a igualdade de direitos. Como dizia hooks, mulheres e homens “já deram grandes passos na direção da igualdade de gênero. E esses passos em direção à liberdade devem nos dar força para seguir mais adiante”.


[1] As citações neste texto foram retiradas do livro, de bell hooks, O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras (2018), da Editora Rosa dos Tempos (Edição Kindle)

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

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