Crônicas Margarete Hülsendeger Margarete Hülsendeger

O PODER DE UMA IMAGEM

Não existem muitos trabalhos que realmente exijam um pênis ou uma vagina; logo, todas as outras ocupações devem estar disponíveis a todos.

Gloria Steinem

Margarete Hülsendeger

No dicionário, a palavra estereótipo é definida como uma “concepção baseada em ideias preconcebidas sobre algo ou alguém, sem o seu conhecimento real, geralmente de cunho preconceituoso ou repleta de afirmações gerais e inverdades”[1]. Já para o crítico francês Roland Barthes (1915-1980) o estereótipo é a “palavra repetida, fora de toda magia, de todo entusiasmo […]: palavra sem cerimônia, que pretende a consistência e ignora sua própria insistência”. Não importa como se interprete essa expressão o fato é que a ela está associada à força de uma imagem construída, quase sempre sem qualquer tipo de fundamentação, valendo-se mais do peso de um preconceito do que qualquer vínculo com a verdade.

Por isso, pode-se dizer que, da mesma forma que nenhuma mulher se identifica com a imagem da condição feminina projetada pela Barbie, nenhum cientista se reconhece plenamente com a imagem popular da ciência. Contudo, o certo é que as imagens alimentam o imaginário popular, para o bem ou para o mal. Desse modo, o público em geral, assim como um número significativo de cientistas, continua vendo a ciência como um universo povoado por homens e, portanto, marcado por características masculinas. A própria ideia do “gênio científico” é composta por imagens associadas a homens: usam óculos de lentes grossas, vestem-se mal, desprezam as pessoas normais, conversam uns com os outros numa língua incompreensível, não têm talentos sociais. Como resultado, os grandes “homens da ciência” são, na maioria das vezes, celebrados por ignorar inclusive suas necessidades materiais.

Essa representação é tão difundida que até mesmo Marie Curie (1867-1934) – a grande referência para mulheres cientistas – ajustava-se à imagem de uma pesquisadora solitária e introspectiva, que usava vestidos escuros e os cabelos presos em um coque severo. Foi um grande escândalo quando se descobriu que ela mantinha um relacionamento amoroso com um ex-aluno de seu falecido marido. Muito do respeito que, a duras penas, ela conquistou por seu trabalho científico correu o risco de ser desacreditado porque se comportou de uma forma que, segundo a sociedade da época, não poderia ser tolerada em uma mulher. Uma norma de comportamento que nunca se aplicou aos homens, famosos ou não.

No mundo profissional, via de regra, uma mulher pode ser considerada arrogante por não se adaptar ao que é considerado apropriadamente feminino: sorrir, suavizar suas afirmações ou se mostrar amável. Se uma mulher não sorri, ela pode ser vista como estando contrariada ou, deus nos livre, enfurecida. Como consequência, o abandono dos atributos da “feminilidade” muitas vezes torna-se necessário para que uma mulher possa ser levada a sério como cientista ou até mesmo para se proteger de qualquer atenção indesejada à sua sexualidade. Assim, mesmo que ser feminina signifique ter ao menos um olho aberto para a moda, ser cientista requer construir uma imagem de indiferença para com a aparência. E apesar de todos esses cuidados, repetidas vezes as mulheres podem-se encontrar em situações difíceis, pois qualquer que seja o comportamento que adotem, ele pode ser julgado inapropriado em um ambiente onde a moral masculina predomina.

Houve um tempo, por exemplo, em que algumas mulheres não só negaram sua feminilidade para trabalharem como cientistas, como esconderam completamente o seu sexo. Um dos casos mais conhecidos foi a da matemática francesa Sophie Germain (1776-1831) que, no final do século XVIII, para frequentar os cursos da Escola Politécnica de Paris – fechada naquela época para as mulheres –, foi obrigada a assumir a identidade de um ex-aluno da Escola chamado Antoine LeBlanc. Infelizmente, é comum que homens e mulheres caiam com facilidade em comportamentos esperados pela sociedade que acabam perpetuando o status subordinado da mulher.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

Muito mudou desde o tempo de Sophie Germain ou Marie Curie. Hoje cada vez mais revistas de ciência e folhetos de divulgação cientifica incluem rostos femininos. No entanto, ainda existe um longo caminho a percorrer. Talvez por isso a ONU tenha instituído a data de 11 fevereiro como o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. Para o Secretário Geral António Guterres, “mais mulheres e meninas na ciência é igual a melhores resultados na ciência” porque elas trazem “mais diversidade à investigação, aumentam o leque de profissionais na área e proporcionam novas perspectivas à ciência e à tecnologia, beneficiando a todos”[2]. Superar a ideia de que fazer ciência é “coisa de homem” é um dos grandes desafios que as mulheres têm pela frente e, para atingi-lo, é essencial que todos façam a sua parte para liberar esse enorme talento inexplorado no mundo.


[1] Disponível em https://www.dicio.com.br/estereotipo/. Acesso em 21 jul 2023.

[2] Disponível em https://news.un.org/pt/story/2023/02/1809607. Acesso em 21 jul. 2023.

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