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DIREITOS À INFÂNCIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

DIREITOS À INFÂNCIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Arlinda Ferreira Gonçalves[1]

Raquel Aparecida Souza[2]

Introdução

O estudo tem como temática os direitos da criança e adolescente no contexto da formação inicial de professores. O interesse pela temática surgiu das discussões iniciadas na disciplina Direito à Infância e à Educação do curso de Pedagogia do Instituto de Ciências Humanas do Pontal, da Universidade Federal de Uberlândia (ICHPO/UFU).

Considerando a história da educação e da infância é possível retomar algumas das diferentes concepções dos termos “infância e criança” ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, os quais de mostram interessantes para compreendemos a importância do direito à educação da criança e do adolescente no processo de cidadania, à luz dos direitos humanos.

A perspectiva metodológica do estudo pautou-se na revisão bibliográfica a partir de referenciais teóricos básicos e complementares indicados na referida disciplina. Nesse sentido, o trabalho tem como objetivo socializar resultados parciais do estudo de modo a contribuir e suscitar novas discussões em torno dos direitos das crianças e adolescentes.

A formação docente  e a educação infantil como conquista com campo de estudo

A formação docente em cursos de licenciaturas e de pedagogia tem sido alvo de constantes críticas e de várias propostas de reformulações. Freitas (2021) assevera que o Conselho Nacional de Educação (CNE) ao apresentar a revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia, por meio da resolução CNE/CP n.2/2019 que busca uma Base Nacional Comum para formação inicial de todos os professores de ed. básica (BNCFIP), assevera que, várias conquistas no campo da formação docente estarão em jogo.

Em relação ao curso de Pedagogia, Freitas (2021) destaca, entre outros, pontos que devem ser foco de discussões, dos quais, destaca-se: A ruptura com a concepção de formação da infância de 0 a 10 anos que tem orientado os pesquisadores e professores que atuam na educação infantil nas últimas décadas.

Estudo realizado por Pimentel e Quinteiro (2015) apontou que, estudantes universitárias de cursos de pedagogia, ao chegarem quase ao final de seus cursos, “desconheciam os direitos da criança e consideravam criança e infância como sinônimos, expressando, desse modo, uma visão idílica e romantizada destes conceitos”(p.2) e assim apontam a necessidade de que os cursos ofertem disciplinas e práticas em que seja possível “problematizar junto às estudantes o processo de constituição e formação do sujeito como um fenômeno complexo e multifacetado, evidenciando as necessidades e os direitos básicos da criança de participar, brincar e aprender na escola(p.2).

Se os cursos de pedagogia ainda estão em construção dessas possibilidades de formação, percebe-se que pelas novas diretrizes que se impõe ao curso, certamente essas possibilidades serão ainda piores, pois se propõe a instituição de uma base comum de formação para todos os docentes de educação básica e a separação de 2 cursos de formação de professores multidisciplinares, para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental.

Ao se retomar a história da educação, evidenciamos que a educação infantil é tema de luta e conquistas. Durante o século XIX, a criança era vista como um sujeito incompleto, um “vir a ser”. No século XX, considerando movimentos como a Declaração de Genebra (1923), a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção dos Direitos da Criança (1989), entre outros, a criança passa a ser reconhecida como um sujeito de direitos. E de acordo com Andrade (2010), no século XXI, conquista-se a construção da imagem da criança cidadã.

Essa visão da criança cidadã, segundo Arroyo (2015) é uma enorme conquista de direitos para todos e para as relações educativas. O autor entende que a educação é fundamental para a compreensão e o exercício da cidadania, todavia, ressalta que carecemos privilegiar (e resguardar) os direitos humanos de uma forma geral.

Sobre o direito à educação, Saviani (2013) destaca que o histórico da educação no Brasil, no qual, ao longo de vários anos viveu constantes avanços e retrocessos, manteve-se constante a capacidade das esferas públicas relegarem suas responsabilidades a outras instituições e setores, sobretudo em relação à educação, invertendo os princípios constitucionais.

Dir-se-ia que essa tendência do Poder Público em transferir a responsabilidade pela educação para o conjunto da sociedade, guardando para si o poder de regulação e de avaliação das instituições e dos resultados do processo educativo, operou uma inversão no princípio constitucional que considera a educação “direito de todos e dever do Estado”, passando-se a considerar a educação pública como dever de todos e direito do Estado. (SAVIANI, 2013, p. 754).

Legalmente afirma-se que existe o direito à educação, mas em geral, ele não é efetivado pelo poder público. No Brasil, destaca-se algumas conquistas legais sobre os direitos da população, e, em especial, os direitos das crianças e adolescentes. A Constituição Federal de 1988 é nossa lei maior e em seu artigo 6º estabelece os direitos sociais, dentre eles o direito à infância. (BRASIL, 1988).

Outro importante marco regulatório é a  Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ela dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, colocando por fim o pensamento que se tinha sobre a “doutrina da situação irregular”, na qual se compreendia que a criança e o adolescente só eram percebidos quando estavam em situação irregular, não estavam inseridos dentro de uma família, ou teriam atentado contra alguma norma. Após a Constituição Federal de 1988 e a promulgação do ECA em 1990, consolidou-se a doutrina da proteção integral.

Por sua vez, a “doutrina da proteção integral” consiste em considerar crianças e adolescentes como sujeitos ou titulares de direitos, em relação à sociedade, à família e ao Estado, também submetidos a sanções caso descumpram alguma regra. Com o ECA, conquista-se também as garantias aos direitos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, às questões relacionadas à prevenção, políticas de atendimento, medidas protetivas, os atos infracionais, dentre outras. (BRASIL, 1990).

O Título I do ECA, que  trata da Política de Atendimento, estabelece que as políticas de atendimento devem ocorrer por meio de ações articuladas entre entidades governamentais e não governamentais. Dentre essas ações destaca-se a necessidade da criação de um Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente. (BRASIL, 1990).

Amorin (2017) destaca que “o Sistema de Garantia de Direitos determina que sejam efetivadas ações de um conjunto articulado de instituições, programas e serviços que devem atuar em sintonia para a concretização dos direitos de crianças e adolescentes” (p. 53). Assim, o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente pode ser composto por: membros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), membros do Conselho Tutelar, juiz e promotor da Infância e da Adolescência, professores etc.

Ao exposto, evidenciamos que a rede de proteção da criança e do adolescente também conta com a participação de docentes para que os direitos desse público sejam de fato alcançado. Assim, concordamos com Pimentel e Quinteiro (2015) ao destacarem que a escola deve ser um espaço privilegiado da infância e que os professores têm papel fundamental:

Para que a escola possa alcançar estes objetivos e constituir-se como um lugar privilegiado da infância nos nossos tempos, é necessário o comprometimento político e pedagógico dos professores e de todos os sujeitos envolvidos diretamente com a educação das crianças, de modo a atribuir novos sentidos e significados a esta agência de formação tão importante na contemporaneidade. (p.4)

Pimentel e Quinteiro (2015) defendem o “direito à infância na escola” como conteúdo formativo e prática pedagógica, o que sugere a criação de condições de participação para que a aprendizagem sobre esses importantes conceitos e conquistas da infância possam ocorrer por meio de atividades de ensino e de ações educativas, nos cursos de formação, e que sejam “organizadas intencionalmente para este fim de modo que a docência adquira outro sentido e significado para professores e estudantes” (p.6).

Conclusões

A concepção de criança mudou ao longo dos séculos e isso interfere diretamente na questão dos direitos e na demanda de elaboração de leis e políticas públicas que colaborem para resguardar e garantir os direitos fundamentais das crianças e adolescentes.

O sistema de garantia de direitos e a rede de proteção são importantes instrumentos que podem contribuir para proteger e garantir os direitos, propiciando ações e decisões coletivas.  Assim, para além das garantias legais, é importante que as instâncias/órgãos/entidades se articulem como uma ponte entre a população e o Estado, visando a efetivação (e criação) das políticas públicas acerca dos direitos da criança e do adolescente.

Associado a esses elementos, vemos que a formação de professores tem importante papel para que docentes se reconheçam como sujeitos participantes desse sistema de garantias.  Assim, a formação docente nos cursos de formação inicial entre seus objetivos, deve se preocupar com o processo de formação do sujeito na dimensão multifacetada e não enfatizar uma concepção de caráter técnico-instrumental e fragmentada, com se propõe a Res. 02.2019  do CNE, diferenciando percursos na formação de professores e dos Profissionais da Educação denominados Especialistas.

Referências

ARROYO, M. G. O direito à educação e a nova segregação social e racial – tempos insatisfatórios? Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 31, n. 3, p. 15-47, jul./set. 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/edur/a/TvhHNQd9rys6nwV9ghM9t9M/abstract/?lang=pt. Acesso em: 13 set. 2021.

AMORIN, D.C.  A DOUTRINA DE PROTEÇÃO INTEGRAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NAS POLÍTICAS SOCIAIS : A REALIDADE DE

CHAPECÓ. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.

2017. 161 p. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/182613/349072.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 19 out. 2021.

BLOG. FREITAS. H. C. L. de. Blog da Helena. CNE indica os caminhos para a destruição da educação e da pedagogia. 12 de fev. Disponível em: https://formacaoprofessor.com/2021/02/11/cne-indica-os-caminhos-para-a-destruicao-da-educacao-e-da-pedagogia/ . Acesso em 25 out. 2022.

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BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 13 set. 2021.

BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Constituição (1990). Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 12 jul. 2021.

JUSBRASIL. Entenda a diferença entre abandono intelectual, material e afetivo. [S. I.], 2015. Disponível em: https://cnj.jusbrasil.com.br/noticias/222926205/entenda-a-diferenca-entre-abandono-intelectual-material-e-afetivo. Acesso em: 27 set. 2021.

MENDONÇA, A. C. L. de. Política de Atendimento estabelecida no ECA. 2011. Disponível em: https://crianca.mppr.mp.br/pagina-1216.html. Acesso em: 12 jul. 2021.

PIMENTEL, M. E. C. QUINTEIRO, J. A DEFESA DO “DIREITO À INFÂNCIA NA ESCOLA” E A FORMAÇÃO DOCENTE EM QUESTÃO. 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis.

SAVIANI, D. Vicissitudes e perspectivas do direito à educação no brasil: abordagem histórica e situação atual. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 743-760, jul./set. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/BcRszVFxGBKxVgGd4LWz4Mg/abstract/?lang=pt#. Acesso em: 13 set. 2021.


[1] Graduada em Pedagogia – ICHPO/UFU

[2] Professora Pedagogia – ICHPO/UFU

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