Crônicas Margarete Hülsendeger Margarete Hülsendeger

TRABALHO X FAMÍLIA: O ETERNO CONFLITO

Não se pode, com facilidade, inserir as mulheres numa estrutura que já está codificada como masculina; é preciso mudar a estrutura.

Mary Beard (Historiadora)

Margarete Hülsendeger

Casar e formar uma família tem vantagens para homens e mulheres por igual? A resposta, por mais antipática que pareça, é um sonoro não. Segundo estudos[1], os homens casados usufruem de vantagens importantes: ganham mais, vivem mais e progridem mais rapidamente em suas carreiras do que homens solteiros. A razão? Um homem com família transmite uma ideia de maior estabilidade e responsabilidade. Já as mulheres não têm a mesma sorte. Para elas, uma família, muitas vezes é um compromisso, um peso extra que ameaça obstruir suas carreiras. O motivo? As mulheres com uma profissão ainda acumulam as obrigações da maioria do trabalho doméstico e dos cuidados dos filhos.

Na ciência não é diferente. E se pensarmos que tudo nela foi estruturado em torno da ideia de que a sociedade não precisa reproduzir-se ou de que os cientistas não estão entre aqueles envolvidos nas tarefas diárias de reprodução ou da simples sobrevivência, a situação só fica pior. E mesmo que isso seja verdadeiro para muitos cientistas homens, a realidade nos demonstra que para a maioria das cientistas mulheres não o é. Por isso, apesar de, historicamente, existir uma distinção entre as esferas doméstica e pública, na prática a vida pública não está separada da vida privada. E o conflito que muitas mulheres enfrentam entre constituir uma família e dedicar-se a uma carreira também não é apenas um assunto privado. Contudo, o espaço doméstico (ou privado) rara vez foi submetido a ações afirmativas ou a leis que tenham como objetivo repensar a redistribuição do trabalho no ambiente familiar. Como resultado, as mulheres acabam, mesmo de forma relutante, encarregadas da família e do lar.

Ser profissional (em qualquer área), esposa e mãe transforma-se, então, em uma carga numa sociedade na qual se espera que as mulheres, mais do que os homens, sempre ponham a família à frente das suas carreiras. Um fato comprovado em pesquisas que procuram medir a participação das mulheres no mercado de trabalho. No Brasil, por exemplo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), lançou um estudo em 2021 informando que em 2019 as mulheres, “principalmente as pretas ou pardas, dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas contra 11,0 horas)”[2]. Como consequência, as mulheres com carreiras, em especial aquelas entre 22 e 40 anos, vivem o dilema de terem de decidir se investem em suas profissões ou se reduzem o ritmo para constituir uma família. Nesse sentido, a mesma pesquisa do IBGE, ao medir a parcela da população em idade de trabalhar (PIT), ou seja, que está trabalhando ou procurando trabalho, contatou que em 2019 a “taxa de participação das mulheres com 15 anos ou mais de idade foi de 54,5%, enquanto entre os homens esta taxa chegou a 73,7%, uma diferença de 19,2 pontos percentuais, o que evidencia uma desigualdade expressiva entre gêneros”.

Esse quadro apesar de ter melhorado, em virtude da ampliação de políticas sociais, fomentando a melhora de alguns indicadores sociais das mulheres, ainda “não é suficiente para colocá-las em situação de igualdade com os homens em outras esferas, em especial no mercado de trabalho e em espaços de tomada de decisão”[3]. Uma desigualdade que continua se refletindo no valor dos salários, já que as mulheres continuam recebendo salários inferiores aos que recebem os homens para executar as mesmas funções.

Essa realidade, no caso das mulheres que consideram seguir carreira na ciência, é ainda mais complicada, pois o tempo que precisam se dedicar à pesquisa aumenta a dificuldade de combinar carreira e família. O fato é que muitas mulheres continuam sendo sobrecarregadas com um “segundo turno”, além de todas as pressões que precisam suportar em suas profissões. Por essa razão, o “campo de jogo” da ciência nunca estará nivelado enquanto o cuidado com as crianças e a organização do lar continuarem a ser considerados uma responsabilidade da mulher. Não é suficiente que os homens “ajudem”, eles também devem comprometer-se com o funcionamento físico, intelectual e emocional da vida familiar. Apenas quando os parceiros chegarem a um acordo sobre uma divisão do trabalho doméstico que atribua aos homens a metade desse trabalho, permitindo que eles também assumam metade da responsabilidade, será possível trazer mais mulheres para ciência ou para qualquer atividade profissional.


[1] Disponível em https://cleofas.com.br/estudo-revela-os-beneficios-que-o-casamento-traz-aos-homens/. Acesso em 13 set. 2023.

[2] Disponível em https://portal.fiocruz.br/noticia/mulheres-no-mercado-de-trabalho-avancos-e-desafios. Acesso em 11 set. 2023.

[3] Disponível em https://portal.fiocruz.br/noticia/mulheres-no-mercado-de-trabalho-avancos-e-desafios. Acesso em 11 set. 2023.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

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