Crônicas Margarete Hülsendeger

DEZEMBRITE

Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais.

José Saramago

Por Margarete Hülsendeger

Quando um ano termina, sempre surge aquela vontade de fazer um balanço do que fizemos ou deixamos de fazer. Pensamos em todos os objetivos que havíamos traçado para o novo ano e contabilizamos o que conseguimos e o que deixamos para trás. O final do ano é, portanto, um período confuso, pois nos vemos mergulhados em uma mistura de tristeza e esperança. Por isso, muitos psicólogos costumam alertar para o que eles denominam de “Síndrome do Fim do Ano” ou “Dezembrite”.

Esse conceito foi criado há 40 anos, quando pesquisadores da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, estudaram a piora dos transtornos mentais durante os festejos de final de ano. Os gatilhos que provocam sensações de mal-estar têm diferentes origens. Uma delas é o já citado balanço de fim de ano. Nesse caso, identifica-se um aumento da ansiedade em função das metas não cumpridas ou dos desejos não satisfeitos, dando a falsa sensação de que o ano foi improdutivo, o que só intensifica os sentimentos de frustração.

Há também o que se chama “positividade tóxica”, uma espécie de antítese do gatilho anterior, pois surge da necessidade de todos parecerem felizes e gratos, reproduzindo exaustivamente as expressões alegres e satisfeitas das redes sociais. Aqueles que não compartilham desse clima de festa acabam se sentindo desconectados dos demais, como se houvesse algo de muito errado com eles.

E, por fim, há o luto. Para as pessoas que perderam alguém durante o ano, as tradicionais festividades de final de ano podem ganhar um tom mais melancólico. Nessas datas, a saudade e a dor da perda costumam se tornar ainda mais difíceis de lidar, especialmente se for o primeiro Natal ou virada de ano em que o ente querido está ausente.

De qualquer maneira, não importa qual seja o gatilho, o fato é que muitas pessoas se sentem perdidas e sozinhas durante esses dias. Emoções que podem ser potencializadas se a pessoa vive sozinha e não tem contato com familiares. No entanto, como explica o médico psiquiatra Ariel Lipman, esse sentimento de solidão, ao contrário do que as pessoas possam pensar, não é uma exclusividade de quem vive sozinho ou não tem familiares: “Indivíduos com famílias aparentemente bem estruturadas também podem ser atingidos por essa sensação”[1].

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

É claro que existem finais de ano piores que outros; basta lembrar de 2020/2021 e 2021/2022, quando o terror provocado pela pandemia do Covid estava muito vivo em nossas mentes. Nesses anos, foi preciso um esforço extra para vencer o desânimo, a desesperança e a angústia.

A “Dezembrite”, portanto, não é uma ficção; ela é real e afeta muita gente. Uma pesquisa realizada pela Isma-Brasil (International Stress Management Association – Brasil) apontou que o nível de estresse do brasileiro sobe, em média, 75% próximo às festas de final de ano[2]. Segundo a psicóloga Daniela Pelisson, esse alto índice tem relação com a “ideia de que o final do ano deve ser um período mágico e associar o encerramento de ciclos a uma necessidade de vitória”. Essa romantização das celebrações de encerramento do ano conta com a colaboração das diferentes mídias, que apresentam cenas emotivas de famílias imersas em uma alegria digna de um filme de Hollywood. São as narrativas idealizadas criadas pelas empresas de propaganda as responsáveis por reforçar muitas das sensações de insuficiência e ansiedade características da “Dezembrite”.

Como superar essa época é a pergunta que precisamos nos fazer. Obviamente, não há uma resposta pronta e nem uma receita fácil; existem “dicas” e “conselhos” dados por especialistas que podem ajudar caso você seja uma daquelas pessoas que têm problemas durante esse período do ano. Vou deixar algumas delas para sua reflexão, e cabe a você colocá-las em prática, ou não:

  1. Evite comparar seus resultados com os de outras pessoas.
  2. Reflita sobre suas conquistas e exercite a gratidão.
  3. Tenha compreensão com seus limites e, se não está feliz com o agora, reflita sobre o que você pode mudar.

E, lembre-se: não é possível mudar o passado, mas o futuro sim. Uma pequena mudança de comportamento, por mais insignificante que pareça, pode significar uma enorme melhora para o próximo ano.

Feliz ano novo!


[1] Disponível em https://www.metropoles.com/saude/sindrome-de-final-de-ano-saiba-o-que-e-e-como-lidar. Acesso: 22 nov. 2023.

[2] Disponível https://www.terra.com.br/noticias/sindrome-do-final-de-ano-pode-agravar-sintomas-da-ansiedade,66a4916f5314b971ee7a012434fb2df7w7wbstnq.html. Acesso 22 nov. 2023.

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