Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

Natal

Natal

 

Gilda E. Kluppel

 

 

 

 

Resolveu inovar neste Natal, em cada final de ano, ele e a esposa procuravam agradar a todos, acreditando que quanto maior o gasto, maior a fraternidade. Destinavam uma grande quantia de dinheiro para que nada faltasse à mesa e também para a decoração da casa. Mas, as lembranças dos Natais passados traziam um gosto amargo. Ele sempre considerou importante reunir a numerosa família. Porém, os convidados, em sua maioria, eram compostos por pessoas que pouco se viam. Entre eles existiam algumas desavenças e muita distância.

Todos os anos contavam com a presença do “espírito natalino” para que fosse possível se aturarem mutuamente. Entretanto, no final da festa, de modo costumeiro, acontecia um desentendimento ou um mal-estar entre os presentes. Foram tantas as vezes, nas quais a discórdia prevaleceu, que o homem estava decidido a parar com a celebração.

Além do mais, não deseja mais se render à pressão pelas compras do final de ano. Com o passar do tempo, o sentido do Natal havia-se perdido, igualou-se a um evento social como tantos outros em que participava. Ele não encontra aqueles momentos felizes dos Natais antigos, restou apenas a nostalgia. Assim, ao invés da festa, pensa em aproximar-se mais dos filhos e da esposa. Contudo, teme não ser compreendido, a ceia faz parte da tradição em sua casa. Precisa de coragem e uma boa retórica para apresentar a sua proposta. Eis que, após o jantar, solta o verbo: “Neste Natal vamos viajar”.

Diante da surpresa, alguns minutos de silêncio. A mulher espanta-se em não celebrar a data natalina. Ela se ocupava em preparar a festa desde o início do mês de dezembro. Considera um gesto de extrema elegância, proporcionar aos familiares uma bela decoração da casa e a mesa repleta de pratos. A esposa associa o Natal com a ceia e sem a ceia não tem Natal. Os filhos aguardam ansiosos pelos muitos presentes que receberiam nesta data, relacionando o Natal aos presentes. Logo, caso não ocorra a comemoração, ficam sem presentes. Depois de muita conversa e discussão veio a concordância, os argumentos eram consistentes. A celebração poderia acarretar mais desentendimento entre os convidados, ao invés dos desejados momentos de descontração. A família se convence de que existem outras opções, além dos princípios estabelecidos pelas catedrais do consumo.

Entretanto, para onde viajar? Litoral ou montanha. Decidem, então, instalar-se na cabana de uma pousada simples no campo, afastada das grandes cidades. Nesse lugar não se encontra a decoração da época natalina. Fora da área de cobertura do celular, sem laptop e smartphone, não viam as luzinhas e o neon, apenas uma montanha no fim do horizonte. As crianças demoram para dormir, estão assustadas ao imaginar os bichos que existem na mata, entre aranha, cobra e lagarto, dos pequenos até os grandes, temem pela onça-pintada que sequer anda por lá.

O dia se inicia com o canto, em duas vigorosas vezes, de um galo. O  café da manhã tem um gosto diferente, pão feito com o grão de cevada, patês à base de azeitona e coalhada. Contudo, conviver com a calmaria, para quem se acostumou com a movimentação das grandes cidades, não é tarefa fácil. O silêncio domina e as palavras custam a sair. Era estranho, o passar dos dias sem conexões. Sentiam-se isolados, uma sensação nunca conhecida por nenhum deles. Parecia não restar nada para fazer.

Manhã da véspera de Natal. Não havia peru, salpicão, pernil e nem a mulher correndo para comprar um presente esquecido e, ainda, o marido estressado com a possibilidade da chegada de tantos convidados. Olham para a paisagem repousante e fazem uma longa caminhada à beira do rio. Uma família de cabras atravessando o caminho, os berros das ovelhas e o bem-te-vi na árvore tornam-se o assunto do momento. Logo após, cruzam com um homem, um carteiro, ele sorridente fala que hoje traz somente boas notícias.

Avistam algo que parece com uma grande caixa de madeira. Quando se aproximam, percebem que se trata de uma capela. Entram por uma porta estreita, mas que está sempre aberta. Cravado no portal os dizeres: “A Luz que ninguém poderá encobrir”. As madeiras de carvalho estão encaixadas com perfeição, sem a utilização de pregos e ferragens. O teto e as paredes são entreabertos, os vãos permitem que a luz adentre o recinto. Havia doze bancos de pedra e uma abertura maior no teto faz com que a luz penetre com maior intensidade no altar. Existe o contato permanente com a natureza, de dentro vislumbra-se o lado de fora, como se o bosque em volta fizesse parte da capela. Sentiram que a simplicidade engrandece e transforma o lugar em um espaço sagrado. Ao saírem, várias crianças brincam em meio ao bosque e uma delas oferece à família ramos de lírios.

À noite, na pousada, apenas uma janta servida, para todos, pontualmente às sete horas. Não se festejava o Natal por aquelas bandas. Antes do jantar, a oração feita pelo dono do lugar agradece o bom ano e lembra a alegria pelo nascimento de um menino. Três velas iluminam a mesa. No cardápio, peixe assado, arroz com amêndoas fritas, guisado de lentilhas e salada. Nunca haviam experimentado essa culinária e as verduras colhidas na hora. Não existem excessos, apenas o sabor inigualável.

Pela janela, ao lado da mesa, exala-se um aroma delicioso, cheiro de mato misturado com flor de acácia, trazido pela brisa que, ora mais forte, suprime o cheiro da comida. Revigoraram-se pela certeza de que este dia trará um amanhã mais feliz e a lembrança de um Natal verdadeiramente diferente. Agora, o silêncio ainda domina, mas poucas palavras bastam. Ficaram em paz entre eles e consigo mesmos.

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