Crônicas Margarete Hülsendeger

Cérebro de pipoca

CÉREBRO DE PIPOCA

Margarete Hülsendeger

Publicado originalmente como <http://www.partes.com.br/cronicas/mhulsendeger/cerebro.asp>

 

Se nosso cérebro fosse tão simples a ponto de entendê-lo, seríamos tão tolos que continuaríamos sem entendê-lo.

Jostein Gaarder

 

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutoranda em Teoria Literária na PUC-RS. margacenteno@gmail.com

Se você pensa que esse é o título de alguma comédia, você errou. Na verdade, essa é a denominação de mais um distúrbio comportamental. Segundo os especialistas, o tempo cada vez maior de conexão a internet seria a causa de alterações químicas no cérebro, provocando dificuldades de concentração e socialização. Assim, suas “vítimas” teriam muita dificuldade de se focar em apenas um assunto e a lidar com coisas simples do cotidiano, como ler um livro ou dirigir sem falar ao celular. Esse distúrbio está sendo chamado pelos médicos de “cérebro de pipoca”.

É apenas impressão minha ou a cada dia que passa mais e mais síndromes estão sendo descobertas e catalogadas? Parecem não ter fim os problemas que a modernidade (leia-se internet) vem causando ao homem. Estão surgindo tantos distúrbios psicológicos associados ao uso do computador que tudo leva a crer que esse fenômeno está tomando a forma de uma verdadeira pandemia.

Exageros a parte o fato é que estamos vivendo um período de mudanças. As pessoas agem e pensam de forma diferente da que os nossos pais ou avós pensavam e agiam no passado. Os interesses, os valores, as necessidades estão se transformando de uma maneira tão rápida que, em muitos momentos, fica até difícil de acompanhar. A questão é: isso é uma coisa boa ou ruim?

Eu confesso a minha “culpa” quando digo que gosto de todas as facilidades que a internet tem nos oferecido. Aderi ao e-mail, transformando-o no meu meio de comunicação mais direto e eficaz. No entanto, continuo escrevendo de forma correta e clara, evitando essa linguagem cifrada que muitos adotaram. Do mesmo modo, tornei-me uma adepta entusiástica do facebook. Por meio dele, não só encontrei e fui encontrada por pessoas que não via há muito tempo, como também consegui torná-lo um importante canal de divulgação do meu trabalho. Contudo, não o utilizo para expor a minha vida pessoal, pois ainda acredito na privacidade e batalho por ela com unhas e dentes.

O que estou querendo dizer é que o uso dado à internet é que vai determinar se ela se tornará uma ferramenta útil ou nociva ao homem. Não podemos endeusá-la, pois corremos o risco de acreditar que o mundo se resume apenas ao que ela nos informa, mas também não devemos tratá-la como se fosse obra do demônio. Afinal, se existe algum demônio, ele foi criado por nós.

Por outro lado, compreendo a preocupação dos médicos. Os problemas de falta de concentração entre os jovens vêm aumentando de forma assustadora. Como eles acreditam que todas as respostas estão ao alcance do apertar de um botão, não têm paciência para ler um livro ou escrever corretamente e querem que as informações e o conhecimento já venham editados, diminuindo assim o esforço exigido no processo de aprender. E isso, num sistema que ainda privilegia uma educação formal nos moldes mais tradicionais, só faz com que as dificuldades de concentração se tornem ainda maiores. Do mesmo modo, a questão dos relacionamentos interpessoais. O chamado analfabetismo emocional nada mais é que o resultado do distanciamento dos seus iguais, ou seja, os jovens preferem uma comunicação via MSN ou chats a se encontrarem frente a frente para um bate-papo à moda antiga.

Todos esses elementos são realmente preocupantes. No entanto, é preciso lembrar que esses jovens estão sendo apresentados ao computador cada vez mais cedo. Crianças no jardim de infância navegam na internet, muitas vezes, com pouca ou nenhuma supervisão. Será que elas têm a maturidade necessária para entender como funciona esse tipo de ferramenta? Ou será que tornaram a internet uma nova espécie de babá para pais muito ocupados? E as escolas? Será que na sua ânsia de se mostrarem “modernas” não estão forçando o uso do computador apenas para justificar os gastos com seus laboratórios de informática?

Enfim, esse é um assunto complicado e sujeito a debates acalorados e argumentos de toda ordem. Contudo, para mim, a questão toda se resume a um único ponto: equilíbrio. Não se pode endeusar, assim como não se pode crer que a internet seja a causa de todas as mazelas humanas. Portanto, é importante que as crianças tenham tempo para serem crianças e que os jovens aprendam que o conhecimento implica esforço e dedicação, pois o Google apenas oferece informações que precisam ser, antes de tudo, interpretadas para não serem mal compreendidas.

Enfim, como a essa altura deveríamos saber, o problema não é a internet e as suas ferramentas, mas as pessoas que a utilizam. Esse entendimento, com certeza, não é fácil de alcançar, precisa-se de maturidade e de muito bom senso; artigos que, infelizmente, andam em falta na nossa sociedade. De qualquer maneira, é preciso compreender que os recursos que nos são oferecidos pela internet estão aí para nos ajudar e, portanto, devem ser usados a nosso favor. Não entender essa premissa básica só vai nos transformar em pessoas que passam pela vida acreditando que as respostas para os problemas estarão na barra de pesquisa do Google.

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