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Uma sub-versão em educação: possibilidades de uma pedagogia menor

Daniela da Cruz Schneider*

Resumo: O que quer a educação? Ou ainda, o que pode a educação? A este artigo não cabe responder nenhuma destas indagações. No entanto, afina-se mais com as matizes da segunda: procura nas possibilidades de/em uma pedagogia menor o substrato para problematizar a grande educação, dos Parâmetros, diretrizes e políticas oficiais. Em um primeiro momento, desdobra o conceito de educação menor. Em seguida, lança ressonâncias para re-pensar a educação. O terceiro e último movimento centra-se nas potências de uma pedagogia rizomática.

Palavras-chave: Pedagogia Menor; Pedagogia Rizomática; Filosofia da Diferença; Gilles Deleuze.

Abstract: Whatever education? Or, what can education? In this article does it answer any of these questions. However, tuning is more with the nuances of the second one: looking at possibilities for a lower pedagogy substrate to problematize the great education, the parameters, guidelines, and official policies. At first, unfolds the concept of lower education. Then launches resonances to rethink education. The third and final movement focuses on the powers of a rhizomatic pedagogy.

Key-Words: Lower Pedagogy; Rhizomatic Pedagogy; Philosophy of Difference; Gilles Deleuze.

Este ensaio tem por finalidade provocar inquietudes acerca do pensamento educacional. Contrapõem-se, assim, a qualquer caráter reprodutivo, pretensões decodificadoras e movimentos de re-cogoniscitivos da educação. Busca problematizar o movimento mecânico e não-criativo de uma educação que se limita a mera transmissão-recepção de verdades prontas e acabadas. Dessa forma, procuro desdobrar o conceito de educação/pedagogia menor, buscando ressonâncias e potências que possibilitem à educação verter em criação, a despeito da cópia e reprdução.

Uma educação menor não é menor em tamanho, nem menos do que uma suposta educação maior. Esse menor diz respeito a uma educação em nível micro, capilar, aquela que escapa, de alguma forma, às grandes políticas públicas, às diretrizes e parâmetros. Ela é primordialmente ação e uma ação do cotidiano, desenhada dentro de uma escola, uma sala de aula, uma turma. Ela é, antes de tudo, uma ação singular que se inscreve em determinado contexto. Ação, sempre ação… movimento. Livre de raízes fortes, presas a um território.

Desdobramentos conceituais: uma literatura menor, uma educação menor

Uma das discussões que tem sido feitas é a partir do trabalho de Sílvio Gallo, desenvolvido através de aproximações entre o pensamento de Gilles Deleuze e a educação, buscando ressonâncias e mesmo pistas nos conceitos do filosofo, para gerar idéias-força para re-filosofar a educação.

Essa concepção de educação menor foi feita por deslocamento conceitual, a partir da obra Kafka – Por uma Literatura Menor, de G. Deleuze e F. Guattari, que, como o próprio título já diz, trata do conceito de literatura menor. Deleuze e Guattari (1977) conceituam a literatura menor a partir de três características: a desterritorialização, o caráter político e o valor coletivo. Sílvio Gallo desloca essas três características, re-criando o conceito, sob a terminologia de educação menor. Primeiro, aponta para um processo de desterritorialização, em que a Educação é desvinculada dos grandes parâmetros, quebrando e driblando maquinarias e mecanismos de controle e governo; o segundo eixo centra-se na ramificação política, pois a educação é um ato político e como tal, deve empreender-se de postura revolucionária e potencializadora de militância, mas não com a preocupação de estabelecer novas totalidades. Sua ação política procura desterritorializar as grandes políticas da educação oficializada. Ramifica-se politicamente e também nos modos de operar, quando prevê e utiliza-se dos fragmentos, dos segmentos e das constantes recombinações destas partes; por fim, o valor coletivo. A educação não pode ser resultado de exercício de poder vertical em suas relações. Ela é composição entre ações de docentes e alunos. A escola, nesse contexto, é mosaico de vontades e agenciamentos, é, portanto, uma ação coletiva.

Dizem Deleuze e Guattari (1977, p. 25)  que “uma literatura menor não é de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior.” Uma educação menor não é pequena… ela é uma sub-versão e ao mesmo tempo uma subversão de uma educação maior. Uma língua maior, uma educação oficializada. Aquela da gramática, a dos grandes parâmetros, das diretrizes, dos currículos nacionais. Aquela a qual se reserva uma carga moral e condutora de posturas. Aquela em que tudo é grande em extensão e intenção… e tão pouca in-tensão.

O menor é uma língua modificada dentro de uma língua maior. Ela está desterritorializada. Seu uso, sua função, sua in-tensão já não é mais seguir a estrutura da língua padrão, mas criar para si uma intensidade própria, singular. Ela não uma língua-menos ou mesmo a utilização da língua nata de uma minoria que se encontra sob a hegemonia de uma língua maior, ela é, antes, o que a minoria faz com a língua maior. A resistência não está na negação da língua maior/oficial, é ainda mais abusiva: sub-verte, faz verter uma literatura outra, que re-cria a língua maior, a faz outra, sem deixar de ser a mesma. Não rompe com a língua, rompe o código, a regra… a gramática que oficializa a língua.

Uma educação menor e desterritorializada levanta as raízes que a prendem nas grandes políticas, faz o pensamento pedagógico flutuar, borboletear. Ela age como a língua menor, ela é a língua que age por menor no território amplo da educação. Ela é essa intensidade que atravessa, cruza um modelo maior e re-cria na língua oficial essa língua/pedagogia que faz sub-verter e verter novas possibilidades de invenção: “ir sempre mais longe na desterritorialização… por força de sobriedade. Já que o vocabulário está dissecado, fazê-lo vibrar em intensidade.” (DELEUZE; GUATTARI, 1977, p.29)

Ao contrário de uma literatura maior, a menor não soma-se ao todo, não busca totalizar-se. Ela está mais para n-1, subtraindo-se das generalizações. Enquanto a primeira busca traços identitários que a faça agir em grande bloco, enquanto que na segunda não há essa homogeneização dos casos particulares e familiares, há um desdobramento que mostra a multiplicidade do particular. “seu espaço exíguo faz com que cada caso individual seja imediatamente ligado à política. O caso individual se torna então mais necessário, indispensável, aumentado ao microscópio, na medida em que uma outra história se agita nele.” (DELEUZE; GUATTARI, 1977, p. 26)

Potências do conceito em educação

Em uma educação menor o processo também é esse: de singularização, ao mesmo tempo em que se tornam gigantes pequenos artifícios, proposições menores e por que não inutilidades. Esse processo de singularização deriva de um todo e faz explodir sua multiplicidade quando aumentada. O que o menor pode? O que há em uma partícula das grandes listas de conteúdos e dos objetivos dos parâmetros nacionais de educação? Uma educação menor é, sobretudo, uma composição. Reforço que não por soma, mas subtraindo em conexões múltiplas partículas que se agitam e intensificam a prática pedagógica. Não impõe modelos. Do modelo são retirados apenas pontos que viabilizam artistagens e um movimento que não cessa, conecta e conecta. A cada conexão, novas possibilidades intensivas:

Não interessa à educação menor criar modelos, propor caminhos, impor soluções. Não se trata de buscar a integração dos saberes. Importa fazer rizoma. Viabilizar conexões e conexões; conexões sempre novas. Fazer rizoma com os alunos, viabilizar rizomas entre os alunos, fazer rizomas com projetos de outros professores. Manter os projetos abertos. (GALLO, 2008, p. 68)

Uma pedagogia menor é plural, múltipla. Ela não é única, é várias. Busca em lugares diferentes novas conexões e não limita-se a uma definição única. Não é possível falar de uma única educação menor, visto que ela não se pretende como modelo ou mega-paradigma. É movimento e tem por fundamento a não-fixidez. Não é possível falar de educação menor sob a perspectiva de uma totalidade, nem mesmo por mera transposição de algumas características do que possa vir a ser uma educação menor, como receituário, para a prática pedagógica. Assim, para os fins deste trabalho, a educação menor é uma provocação, é potência para pensar possibilidades de pedagogia, age pinçando e catalisando outras formas de produzir saberes, fazendo ressoar modos de ensinar, sem pretensões de oficializar.

Experimentar, mas nunca oficializar (uma minoria, uma vez oficializada, torna-se uma maioria) ou impor, como modelo esta ou aquela pedagogia, porém contaminar os processos pedagógicos com “costumes bárbaros”. Se a ideologia utilitária mapeia o dia-a-dia de cada um, tudo grava, cataloga, por que a educação seria diferente? Como pensar a produção do inútil nas escolas? Reuniões “inúteis”, “sem agenda”, encontros “inúteis”, oficinas “inúteis”, tudo isso são experimentos e “práticas bárbaras” no campo dos afectos não estruturados nem estruturáveis ou oficializados, conseqüentemente não fadados à repetição, ou ao tédio da experiência cooptada pela norma, pelo imaginário instituído. Tudo isso educa para o sensível, para se pensar fora do pensamento único. Tudo isso significa não um método, mas um pouco de ar fresco, uma diferença mínima, um afecto minimamente não-controlável, uma onda de alegria na arte de aprender e de coabitar. (LINS, 2005, p. 1239)

Como sub-versão do maior, subverte as lógicas homogeneizantes, resistindo aos grandes padrões, às metas pré-estabelecidas, lança-se ao inútil em educação. Não é menos educação por esse motivo, apenas cria novas relações com o saber, colocando-se como linha de fuga que rasga as estruturas. Sua lógica está para além de uma educação de aquisição e transmissão de representações. Coloca-se em oposição aos sentidos prontos. Faz vibrar, intensifica a gramática educacional, buscando novas expressões, novos meios de trazer o impensado ao pensamento. Por isso, assume a ordem desordenada de um conhecimento rizomático, que é multiplicidade. Não está sob a condição de um tronco, sua ramificação se dá por meio de incessantes conexões.

Os sistemas arborescentes são sistemas hierárquicos que comportam centros de significância e de subjetivação, autômatos centrais como memórias organizadas. Acontece que os modelos correspondentes são tais que um elemento só recebe suas informações de uma unidade superior e uma atribuição subjetiva de ligações preestabelecidas. (DELEUZE; GUATTARRI, 1995, p.26)

Intersecção de campos, de saberes, de singularidades. Uma educação das multiplicidades faz o pensamento movimentar-se.

Diferente da árvore, a imagem do rizoma não se presta nem a uma hierarquização nem a ser tomada como paradigma, pois nunca há um rizoma, mas rizomas; na mesma medida em que o paradigma, fechado, paralisa o pensamento, o rizoma, sempre aberto, faz proliferar pensamentos. (GALLO, 2008, p. 76)

Conexão. Heterogeneidade. Multiplicidade. Ruptura assignificante. Princípio de cartografia. Princípio de decalcomania: “a árvore paralisa, copia, torna estático; o rizoma degenera, faz florescer, desmancha, prolifera” (GALLO, 2008, p. 78)

Pedagogia Menor, Pedagogia Rizomática

 

Conectar-se sempre, conectar-se com qualquer ponto do rizoma. Ele não se ramifica e ordena uma hierarquização. É movimento de conexão e ruptura. Rompe-se para fazer novas conexões. Rompe-se em linhas de fuga e não em ordenamentos fixos.

um rizoma não começa e nem chega a nenhum lugar, ele está sempre no meio, entre as coisas, interser, intermezzo. O rizoma tem por tecido e conjunção e… e… e… Capaz de sacudir e desenraizar o verbo ser. (DELEUZE;GUATTARI, 1995, p.23)

Varia, pulsa, intensifica-se, é diferenciação constante em velocidades que ascendem e diminuem: “Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 32). Essa des-ordem o faz ter múltiplas entradas. Um rizoma não segue um tronco que se ramifica, na qual a cada bifurcação é preciso se fazer uma escolha… esse ou aquele… em oposto extremo, o rizoma nos oferece o e como conjunção… ele não é divisão, é multiplicação… esse e aquele… e… e… e… conecta-se sem certo ou errado. É uma heterogeneidade e não homogeneização. Não tem a pretensão de aglutinar, moldar… não é totalidade, mas singularizações: “a educação menor é uma aposta nas multiplicidades, que rizomaticamente se conectam e interconectam, gerando novas multiplicidades. Assim, todo ato singular se coletiviza e todo ato coletivo se singulariza.” (GALLO, 2008, p. 69)

Um rizoma na educação. Um não… vários. Um rizoma nunca é somente um, é vários. Uma educação que privilegia o rizoma, não as árvores, estabelece uma relação mais sincera com a educação. Um rizoma [des]ordena-se por rupturas com segmentos rígidos, escapa a fixidez das grandes políticas, dos objetivos e metas vazios, das fixações identitárias por meio de linhas de fuga… Cada linha de fuga, cada encontro em conexão é de natureza variada e não estanque, seu movimento é fugitivo das naturalizações: “uma tal multiplicidade não varia suas dimensões sem mudar de natureza nela mesma e se metamorfosear.” (GALLO, 2008, p. 69)

Foge, movimenta-se, conecta-se sem parar. Uma relação mais sincera, pois é um tecido de intensidades, vontades e desejos daquele ou daqueles que propulsionam e intensificam os rizomas. Rizomas na educação alinham-se com Sílvio Gallo (2002, p. 174), a partir e com Deleuze, que diz que aprender está mais “para alguém que procura, mesmo que não saiba o que e para alguém que encontra, mesmo que seja algo que não tenha sido procurado. E neste aspecto, a aprendizagem coloca-se para além de qualquer controle.” Essa concepção de aprendizagem quebra, desestrutura a rigidez de um sistema arbóreo… traz a figura impertinente da insegurança somada a da impossibilidade de regulação da relação com o conhecimento.

O professor, suposto saber “mais” que a criança, não é superior ao aluno, suposto saber “menos” que o mestre, mesmo porque na “contabilidade” rizomática não há sinais negativos. Estamos, pois, no universo dos intercessores e não do General, dos devires e não das estruturas arborescentes. Saber ou não saber são devires imperceptíveis, sua percepção exige que se tenha pequenas orelhas, pequenos olhos, e ausência de hierarquias terroristas, interpretações assassinas, verdade ou juízo. (LINS, 2005, p. 1248)

Pensar uma pedagogia rizomática ou através do rizoma é abrir o processo de educação. Expandir horizontes, criar mundo, trazer algo de impensado para a educação: lugar de repetição e transmissão daquilo que já foi pensado. A lógica, ou melhor, a poética das conexões do rizoma desaloja essa necessidade de se chegar a um determinado conhecimento previamente objetivado.

Um ponto do rizoma liga-se a qualquer outro… e suas múltiplas conexões não dizem respeito a objetivos premeditados… o rizoma é da ordem do presente. É sempre um recomeçar o novo. É aberto, sem começo nem fim, está em plena concordância com encontrar mesmo que não se esteja procurando nada e/ou ainda procurar sem saber o que.

Pode inspirar uma pedagogia rizomática, inserida no movimento, abrindo à criação e às conexões: desterritorialização e linhas de fuga. Rizoma e não árvore. A árvore define o território, o crescimento vertical e a identidade do ser. O rizoma é horizontalidade que multiplica as relações e os intercâmbios que dele se originam. A vida assim compreendida é um contínuo fluxo e refluxo, potência de interação e produção de sentidos. (LINS, 2005, p. 1231-1232)

Uma educação rizomática é menor, é contrária ao sistema arborescente oferecido pelo currículo nacional. Dizer que uma educação menor é rizomática é afirmar sua postura deslizante em relação às grandes políticas. Uma educação menor não se orienta por hierarquias, está além das proposições significativas e moralizadoras. Ao propor dissidência à estrutura, desvia dos cânones e do suposto ar moralizador do currículo, com sua pretensão de formar um cidadão pleno, capaz de solucionar problemas, ler o mundo – pois é dono de uma gramática visual – em outras palavras, desempenhar um papel útil no contexto social em que vive.

Notas Conclusivas

O que pretendi neste artigo foi problematizar o caráter reprodutivo das práticas educacionais, buscando no conceito de educação/pedagogia menor a potencialização da criação em educação. por meio de práticas moventes, que privilegiam o movimento no aprender, que intentam um saber do acontecimento. Há uma dimensão desejante na educação, que acaba subsumida pelo peso de verdades que devem transmitidas e adquiridas. Parece não haver êxito em educação se algo não for acumulado. Há no meu entendimento, um bloqueio dessa dimensão sensível e desejante.

O rizoma é movimento. Movediço, nômade, deslizante. Múltiplo. Não é único, não é unidade. Não se lança a unificação, fixação. Ele se expande, agindo pelos propósitos de uma constante recriação. Não tem começo, não tem fim, não tem fim-finalidade anterior ao seu fluxo. É uma educação da proliferação e não da restrição, repetição do mesmo e possibilidade de verificação do mesmo.

Referências

DELEUZE, Gilles e GUATARRI, Félix. Kafka: Por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1977.

DELEUZE, Gilles e GUATARRI, Félix. Mil Plâtos: capitalismo e esquizofrenia v.1. São Paulo: Editora34, 1995.

GALLO, Sílvio. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

GALLO, Sílvio. Em torno de uma educação menor. In: Educação & Realidade – Dossiê Gilles Deleuze. Porto Alegre, v. 27 n. 2, jul./dez. 2002.

LINS, Daniel. Mangue’s school ou por uma pedagogia rizomática. Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 93, p. 1229-1256, Set./Dez. 2005.

Daniela da Cruz Schneider – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFPel). Especialista em Educação (UFPel) e Graduada em Artes Visuais (UFPel). Bolsista CAPES. Colaboradora do Núcleo de Arte, Linguagem e Subjetividade (NALS – UFPel) – email: danic.schneider@gamil.com

SCHNEIDER, D.C . Uma sub-versão em educação: possibilidades de uma pedagogia menor. P@rtes (São Paulo) , v. X, p. 01-08, 2012.

* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFPel). Especialista em Educação (UFPel) e Graduada em Artes Visuais (UFPeL). Bolsista CAPES. Colaboradora do Núcleo de Arte, Linguagem e Subjetividade (NALS – UFPel)

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