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A teoria psicogenética e suas implicações no processo de aprendizagem da língua escrita

A teoria psicogenética e suas implicações no processo de aprendizagem da língua escrita

Larissa Manuella Santos Pulgatti *

Patricia Miolo**

Resumo: Este artigo busca discutir a cerca das contribuições da teoria psicogenética para a aprendizagem da língua escrita, procurou-se demonstrar que a aprendizagem da lecto escrita é um processo que se inicia muito antes de a criança ingressar em ambiente escolar, buscou-se também identificar os períodos que fazem parte deste processo de construção da alfabetização. Alpha

 

Palavras chave: criança, alfabetização, teoria psicogenética, aprendizagem.

 

Abstract: This paper discusses about the contributions of psychogenic theory for learning the written language tried to demonstrate that learning lecto writing is a process that begins long before children enter school environment, are also sought identify the periods that are part of this process of building literacy.

Keywords: children, literacy, psychogenic theory, learning.

Considerações iniciais

Há alguns anos atrás, toda a discussão sobre alfabetização estava centrada no método de ensino. Porém, a psicogênese da língua escrita deslocou a questão central da alfabetização do ensino para o aluno que aprende, pois partiu-se de como se aprende e não de como se deve ensinar. Outra ideia que se tinha era que havia pré-requisitos para que alguém pudesse aprender a ler, ou seja, um conjunto de habilidades perceptuais conhecidas como “prontidão para a alfabetização”. Porém, Ferreiro e Teberosky (2007) demonstraram que a questão crucial da alfabetização inicial é de natureza conceitual.

A teoria psicogenética tem uma visão radicalmente diferente do método tradicional sobre aquisição da linguagem. Na visão psicogenética, a criança procura ativamente entender a natureza da linguagem que é falada ao seu redor, e tratando em compreende – lá, segundo Ferreiro e Teberosky “formula hipóteses, busca regularidades, coloca à prova suas antecipações e cria sua própria gramática (que não é simples cópia deformada do modelo adulto, mas sim criação original)”(Ferreiro e Teberosky 2007, p. 24). Aparece aqui uma criança que por si própria reconstrói sua linguagem, tomando seletivamente a informação que vem do meio.

 A alfabetização como processo contínuo e dinâmico

A leitura e a escrita não são apenas materiais escolares, ou seja, a leitura e a escrita existem fora do ambiente escolar, entende-se que a criança tem contato com a escrita muito antes de ingressar na escola e sua aprendizagem não inicia e termina na escola, ela traz consigo uma “bagagem” de experiências e está sempre aprendendo. Para Ferreiro:

Estamos tão acostumados a considerar a aprendizagem da leitura e da escrita como um processo de aprendizagem escolar que se torna difícil reconhecermos que o desenvolvimento da leitura e da escrita começa muito antes da escolarização. ( Ferreiro, 2010, p.63)

Desde que as crianças nascem estão cons­truindo objetos complexos de conhecimento e o sistema de escrita é um deles. A construção do objeto do conhecimento vai muito além do que somente uma coleção de informações, implica na construção de um esquema conceitual, que possibilita interpretar dados prévios e novos, para poder receber informações e transformar em conhecimento. Sendo assim, é de suma importância ressaltar que a escrita é um objeto cultural, fruto do esforço coletivo da humanidade, não é apenas produto escolar.

A alfabetização é um processo contínuo e dinâmico para a criança, esta não se reduz apenas à leitura, à escrita das palavras e dos textos e antes que a criança compreenda o nosso sistema alfabético, ela passa por níveis conceituais específicos, os quais se dividem em três períodos fundamentais.

No primeiro período conseguem-se as duas distinções básicas que as construções subsequentes serão sustentadas, ou seja, a diferenciação entre escrita e desenho, por um lado, e a constituição da escrita como objeto substituto, por outro. Quando se desenha, está no domínio icônico; as formas dos grafismos importam, pois reproduzem as formas dos objetos. Quando se escreve, está no domínio não-icônico: as formas de grafismo não reproduzem as formas dos objetos, nem tampouco sua ordenação espacial reproduz o contorno dos mesmos.

Ainda neste período, de acordo com Ferreiro e Teberosky “escrever é reproduzir os traços típicos da escrita que as crianças identificam como a forma básica da mesma” (Ferreiro e Teberosky, 2007, p.1993). A criança começa a produzir riscos ou rabiscos típicos da escrita que tinha como forma básica (modelo), ou seja, se a letra de imprensa for sua forma básica, fará rabiscos separados, com linhas retas e curvas, entretanto, se a letra cursiva for o modelo com que ela tem contato, fará rabiscos ondulados.

Outro ponto a ressaltar é que, neste período, a criança não separa letras de números. Costuma muitas vezes escrever colocando numerais junto às letras já que ambos os caracteres envolvem linhas retas e curvas, em alguns casos confunde letras com números. Como exemplo: confunde 1 (numeral ) com “L” (letra). Outra característica deste período observada é que a criança acredita que o nome das pessoas (realismo nominal), animais e coisas têm relação com seu tamanho, peso ou idade. Assim, tem-se o exemplo que as pessoas grandes devem ter nomes grandes e as pessoas pequenas nomes pequenos.

No segundo período, as crianças dispõem de um enorme esforço intelectual na construção de formas de diferenciação entre as escritas, a hipótese central é que para poder ler coisas diferentes, deve haver uma diferença objetiva nas escritas. O fato conceitual mais importante e interessante é que se segue o trabalho com a hipótese de que faz falta certa quantidade mínima de grafismos para escrever algo, que geralmente são três caracteres e com a hipótese da variedade no grafismo. Em outras palavras, a criança é capaz de definir marcas de representação (noção de quantidade e variedade), sabe identificar o que é desenho, letra, números, etc. De acordo com Ferreiro: “estes dois primeiros períodos, o escrito não está regulado por diferenças ou semelhanças entre os significantes sonoros” (Ferreiro, 2012, p.27). Isto é, estes dois períodos são chamados de nível pré-silábico, pois tem a mesma hipótese.

O terceiro período é dividido em três níveis: o primeiro é o nível silábico, seguindo do nível silábico – alfabético e por fim o nível alfabético.

No nível silábico, segundo Ferreiro, “a criança começa por descobrir que as partes da escrita (as letras) podem corresponder a outras tantas partes da palavra escrita (suas sílabas)” (Ferreiro, 2010, p. 27). A criança passa a utilizar uma sílaba por letra, sem omitir sílabas e sem repetir letras.

Esse nível é de suma importância para Ferreiro por dois motivos: “permite obter um critério geral para regular as variações de quantidade de letras que devem ser escritas, e centrar a atenção da criança nas variações sonoras entre as palavras” (Ferreiro, 2010, p.27). Porém, no que diz respeito aos conflitos, a hipótese silábica cria suas próprias contradições quando se confronta o controle silábico e a quantidade mínima de letras que uma escrita deve possuir para ser considerada “interpretável”. Isso ocorre quando a criança se confronta com palavras monossílabas e dissílabas.

Ainda neste mesmo nível, porém não necessariamente no mesmo tempo, as letras podem começar a adquirir valores sonoros (silábicos) relativamente estáveis, levando a estabelecer correspondência com eixo qualitativo: as partes sonoras semelhantes entre palavras começam a ser representadas por letras semelhantes.

O nível silábico-alfabético é marcado pela transição entre os esquemas prévios a serem abandonados e esquemas futuros a serem construídos. Esse período é um período de transição, onde a criança está saindo do período silábico e entrando no período alfabético. Neste período a criança já começa a entender que a sílaba não pode ser considerada como uma unidade, mas sim, que ela é por sua vez, reanalisável em partes menores.

E por fim, o nível alfabético que constitui o final desta evolução, ou seja, a criança já possui compreensão do sistema de representação. De acordo com Ferreiro e Teberosky:

[…] a criança já franqueou a “barreira do código”; compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba e realiza sistematicamente uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever. (Ferreiro e Teberosky, 2007, p.219)

Porém, não significa que todas as dificuldades foram superadas, após isso, a criança se defronta com dificuldades próprias da ortografia.

A aprendizagem da leitura e da escrita precisa ser entendida como um processo de muitas dimensões, uma vez que promoverá ao sujeito a condição de ser social, levando em consideração suas experiências e interação com seus pares a partir da cultura.

 A língua escrita é um objeto de uso social, é fundamental que a criança entenda a função social que a língua escrita desempenha, para que a aprendizagem tenha significado. Segundo Teberosky (1992) apud Bolzan (2007, p.23):

 […] através da restituição à língua escrita do seu caráter social, ajudamos a criança a descobrir que é necessário ler para inteirar-se de algo e aprender coisas novas, pois a partir de diferentes portadores de texto, propiciando-lhes um ambiente “alfabetizador” é que ampliaremos, em parte, as muitas concepções e idéias existentes sobre a lecto-escrita.

Se a criança entender que é necessário ler para aprender algo novo e que é necessário escrever para se comunicar com alguém ausente, ela se interessará pela leitura e pela escrita e sendo assim a aprendizagem terá significado para ela.

Considerações finais

Atualmente, a criança tem ingressado na escola cada vez mais cedo. Esse ingresso geralmente já se dá por meio da escola de educação infantil. A própria legislação tem contribuído para que isso ocorra, antecipando, por exemplo, a idade obrigatória para o ingresso na escola de Ensino Fundamental. Porém, não podemos esquecer que quando as crianças começam a frequentar a escola, trazem consigo experiências diversas referentes ao uso da linguagem escrita. Algumas destas, desde muito cedo, tem contato com livros, jornais, revistas, computador enquanto outras não. Caberá ao professor e, a escola de maneira geral, oferecer um ambiente rico em elementos escritos, com diversos tipos de materiais.

Entende-se que a alfabetização é um processo muito complexo para a criança. Cabe ao professor (a) alfabetizador (a) fazer com que esse processo se torne menos mecânico, mais prazeroso e significativo. Para que isso aconteça é fundamental que o professor considere o nível conceitual que o aluno se encontra e compreenda que é de suma importância entender “como o aluno aprende” ao invés de se preocupar apenas “como se deve ensinar”. Ou seja: o foco central da alfabetização deve ser o processo de aprendizagem do aluno.

Referências

BOLZAN, D. P V. Leitura e escrita: ensaio sobre alfabetização. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2007.

FERREIRO, E.; Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 2010.

FERREIRO, E.; Teberosky, A.; A psicogêneses da língua escrita. São Paulo: Cortez, 2007.

*Acadêmica do curso de pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). larissapulgatti@gmail.com

**Pedagoga pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). patriciamiolo@gmail.com

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