Gilberto da Silva

Um estranho no Metrô

Gilberto da Silva é formado em sociologia e jornalismo, mestre em Comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Foi professor do ensino secundário. Professor universitário e edita a revista virtual P@rtes (www.partes.com.br).
Gilberto da Silva é formado em sociologia e jornalismo, mestre em Comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Foi professor do ensino secundário. Professor universitário e edita a revista virtual P@rtes (www.partes.com.br).

Depois de muito tempo resolvi ir ao subúrbio (essa palavra ainda existe? Parece que algumas estão sumidas dos vocabulários). Larguei a comodidade do carro e as dores do trânsito para enfrentar a maratona Metrô/Trem. Primeiro o Metrô, uma, duas, baldeações até a transferência para o trem metropolitano com destino final Itapevi. A primeira surpresa já ocorreu no Metrô. Uma pedinte entra no vagão com uma enorme declaração de pobreza. Desde os tempos em que eu usava estas linhas regularmente, há mais de duas décadas, pensava que este problema já tinha sido corrigido ou sanado coisas tão elementares como fome e falta de medicamentos. A mulher, então, começa o seu rosário, ou ladainha, como preferir. Primeiro alega que nem todos responderam o “bom dia” e depois desfia seu mantra de lamentações. “Sou catadora de lixo, estou passando fome, não tenho o que comer, tenho quatro filhos que estão sem pão para comer, passando frio, sem lugar para dormir…” dai em diante o tom começa a ficar mais choroso, mais tenso… “pode me ajudar com 10 reais, 5 reais, um centavo, qualquer ajuda é bem dada…” Só escuto o tilintar de moedas (somos um povo solidário!) e “muito obrigado” ser emitido: tantos aos que ajudaram como aos que não ajudaram, quem sabe tombados pelo remorso da próxima vez resolvem ser solidários.
Feito o baldeamento, mais filas, mais gente apressada (era sábado) e no alto falante – agora é serviço de som – o aviso: “Informamos aos senhores usuários, que no próximo domingo, das 06 às 17 horas, os trens da linha x “vão” operar com o a velocidade reduzida e mais tempo de intervalo entre os trens devido a obras de manutenção e de melhorias nas vias”. Mais de 30 anos e a mesma ladainha… Pobre não pode sair no domingo, tem que ficar em casa, descansando. Em organizações sérias e orientadas para o respeito ao cidadão, manutenções são realizadas em horário noturno, na madrugada e durante a semana.
Mas nem tudo acabou, dentro do trem, novamente as velhas surpresas, vendedores de balas, profetas da fé e novos pedintes. Uma mulher inicia seu discurso. Pergunto-me se há algum fonoaudiólogo que dita e ou treina o tom: “Tomo remédio controlado…. não tenho comida em casa….estou sem dinheiro para pagar o aluguel…. 
Mas nem tudo é tristeza. Estava eu com um livro e recebi vários olhares de indagação. Devem ter pensando: quem é este cara, que ainda lê livros? Loucos para saber o título da capa do livro empunhado pelo estranho no ninho. Seria um livro de sacanagem? Sentia-me como que portando uma arma letal!
Ainda assim, entre um parágrafo e outro escutei – quem não escutaria? – o diálogo entre uma senhora e outra mulher do outro lado da linha do celular:
– Maria, minha filha…. escuta… menina… Adamastor casou! Pois é! Casou, visse…
(um intervalo curto, como se do outro lado a surpresa tenha sido intensa)
– Mas Maria, mulher de Deus, não se avexe. Tá cheio de homem, lindo por ai… tem muito homem que não presta, sei, mas tem alguns bons. E tu pode colocar o cabra na linha! Tem que procurar…
_ Maria, filha minha, veja bem… Eu tô sossegada. O João é dez! Às vezes pisa na bola, mas comigo não tem como não se aplumar! Ele que não se aplume que eu furo os olhos dele! 
Aquela conversa parecia interminável tal qual o plano de minuto a minuto pré-pago do celular que elas usavam…
Finalmente o trem para em Carapicuiba. Que alívio, posso agora caminhar tranquilo pela velhas ruas da cidade.

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