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Os Espaços Negados para o Brincar: olhares a partir do Estágio Supervisionado

Os Espaços Negados para o Brincar: olhares a partir do Estágio Supervisionado

Marina Muniz Monteiro de Barros Soares*

Mara Ferreira Silva Santos**

Fernanda Duarte Araújo***

 

Resumo

Este artigo apresenta estudos desenvolvidos durante o estágio supervisionado em Educação Infantil do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal(FACIP) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Apresentamos uma intervenção realizada em uma instituição de Educação Infantil de Escola Municipal na cidade de Ituiutaba-MG. Em linhas gerais identificamos por meio dos estudos tecidos que precisamos repensar os espaços e práticas desenvolvidas nas instituições de Educação Infantil, com intuito de propiciar o brincar fundamental para o desenvolvimento integral das crianças.

Palavras-chave: Estágio supervisionado. Brincar. Práticas escolares. Educação.

AbstractThis article presents studies developed during the supervised internship in Child Education of the Pedagogy course of the Pontal Integrated Sciences Faculty (FACIP) of the Federal University of Uberlândia (UFU). We present an intervention carried out in an institution of Early Childhood Education of Municipal School in the city of Ituiutaba-MG. In general terms, we have identified through tissue studies that we need to rethink the spaces and practices developed in the institutions of Early Childhood Education, in order to provide basic play for the integral development of children.

Keywords: Supervised internship. Play. School practices. Education.

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta estudos desenvolvidos durante o estágio supervisionado em Educação Infantil do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Durante a realização do estágio, tivemos a oportunidade de observar que a escola não possuía espaços adequados para que as crianças pudessem brincar livremente. A dimensão das salas de aula não permitia que as professoras realizassem uma organização baseada nas necessidades das crianças, como os cantinhos temáticos, espaços para brincar, sentar em roda e desenvolver as atividades de maneira mais livre, entre outros.

Nesse contexto, o brincar ficava reduzido a alguns momentos pré-determinados pela rotina disciplinar e rígida, como o momento do parque, que acontecia duas vezes por semana, o recreio e as atividades de psicomotricidade, que aconteciam na educação uma vez por semana, no pátio. Nessas atividades normalmente a professora regente propunha uma brincadeira de movimento envolvendo algum conteúdo que está sendo trabalhado, como as cores.

Esse estudo foi construído então a seguinte problemática: a falta de espaços adequados para brincar na escola pesquisada.  A partir de então nos questionamos sobre como poderíamos pensar de maneira a propiciar às crianças a possibilidade de ter acesso a esses espaços, como poderíamos permitir que elas experimentassem o brincar livre, sem objetivo pedagógico, e a expressão de suas impressões sobre o momento. Dessa maneira, buscamos estudar um pouco mais sobre a importância do brincar na formação integral das crianças.

Percebemos que o brincar, exercício primordial na infância, fica prejudicado pelas limitações espaciais. Espaços adequados para a brincadeira, como uma brinquedoteca, não existem na escola. A biblioteca, que também poderia servir como um espaço de ludicidade nem sempre estava disponível, pois era utilizada frequentemente para outros fins como reunião de pais ou módulos.

A partir dessas observações, sentimentos a necessidade de pensar possibilidades de como propiciar às crianças momentos de brincadeiras livres, em espaços adequados, com variedade de possibilidades de se expressar, brincar, fantasiar e imaginar. A importância desse brincar livre é reforçada pela fala de Kishimoto (2010) “O brincar é uma ação livre, que surge a qualquer hora, iniciada e conduzida pela criança; dá prazer, não exige como condição um produto final; relaxa, envolve, ensina regras, linguagens, desenvolve habilidades e introduz a criança no mundo imaginário” (KISHIMOTO, 2010, p.1). Dessa maneira, entendemos que a brincadeira é parte integrante do desenvolvimento e constituição do sujeito.

O brincar e suas possibilidades…

A educação é direito da criança, garantido pela Constituição Federal/1988 no seu Art. 205, cujos princípios estão definidos no Art. 206, dentre eles destacamos “II–liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”. (BRASIL, 1988). A Lei de Diretrizes de Bases da Educação de 1996 estabelece o objetivo da Educação Infantil: “Art. 29. A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, completando a ação da família e da comunidade.”

O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) traz em seu Art. 16, o brincar como direito da criança, juntamente com praticar esportes e divertir-se. Os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil (RCNEI), de 1998, definido como um guia para os professores quanto aos conteúdos, objetivos e metas de qualidade para a Educação Infantil, também reforçam esse caráter de direito, definindo o brincar como forma particular de expressão, interação e comunicação. De acordo com os RCNEI (BRASIL, 1998), os jogos e as brincadeiras se entrelaçam com a cultura: “Os jogos, as brincadeiras, a dança e as práticas esportivas revelam, por seu lado, a cultura corporal de cada grupo social, constituindo-se em atividades privilegiadas nas quais o movimento é aprendido e significado” (BRASIL, 1998). O texto esclarece que a brincadeira possibilita o desenvolvimento motor da criança, da noção de ritmo e dos aspectos emocionais, afetivos e cognitivos, trazendo orientações sobre como as brincadeiras podem ser utilizadas na sala de aula para favorecer a aprendizagem.

A importância do brincar é reconhecida por vários autores e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI). Publicado em 2009, o documento, estabelece as diretrizes curriculares para a elaboração de propostas pedagógicas na Educação Infantil. A própria concepção de criança trazida pela pelo documento nacional expressa que a brincadeira é parte da infância:

Criança: Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2010).

O documento determina ainda que a brincadeira deve ser um dos eixos norteadores do currículo na Educação Infantil juntamente com a interação, por meio de experiências que garantam o contato com diferentes linguagens, grupos culturais, incentivem a curiosidade, a autonomia e o autocuidado, participação em atividades individuais e coletivas, interação com diversas manifestações artísticas e culturais, conscientização para a biodiversidade e sustentabilidade, propiciar o uso de diferentes recursos tecnológicos. Além disso, a importância do respeito à liberdade de movimentos, de expressão e a individualidade está manifesta no texto que determina que o currículo deve contemplar experiências que:  “Promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem a movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança ” (BRASIL, 2010).

A Base Nacional Comum Curricular aprovada em dezembro de 2017, estabelece como direitos de aprendizagem, dentre outros, o brincar “cotidianamente de diversas formas em diferentes espaços e tempos” e o explorar “movimentos, sons, gestos, linguagens, texturas, cores, palavras, emoções, transformações(…)” (BRASIL, 2017).

 É por meio da brincadeira que a criança manipula objetos, imita os adultos, aprende, desenvolve-se física e cognitivamente, relaciona-se consigo, com o meio e com o outro. Segundo Kishimoto (2011) “é pela brincadeira e imitação que se dará o desenvolvimento natural (..)” (p.35).

A brincadeira, o jogo, fazem parte da cultura desde antes mesmo de haver o conceito de cultura. As crianças brincam desde os tempos mais remotos (HUIZINGA, 2014). Não podemos negligenciar a posição fundamental do aspecto lúdico na instituição escolar, e sua contribuição no processo de ensino aprendizagem.  Ocorre que muitas vezes nas instituições, a brincadeira passa a ser vista apenas como instrumento pedagógico, sempre com fim de ensinar algo do conteúdo curricular. Nossas crianças passam boa parte do dia na escola e suas poucas oportunidades de brincar acabam sendo sempre pedagogizadas. Sobre essa questão Barros (2009) destaca:

O caráter do brincar como instrumento facilitador é resultado de uma visão mercadológica do homem que, diante de nossas políticas atuais, passa a se firmar indiferentemente às questões do desenvolvimento infantil e sua importância para a formação humana (p.91).

Essa visão mercadológica traduz-se na organização dos espaços escolares. Com o aumento da demanda e a obrigatoriedade da expansão da Educação Infantil, as escolas foram forçadas a abrirem salas para esse público, muitas das vezes sem as adequações necessárias, colocando crianças pequenas em filas diante do quadro, numa tentativa de controlar seus corpos. Para França (1994) apud Buss-Simão (2012):

A opção pela manutenção dessa estrutura, é também a opção pelas relações existentes, as quais oferecem o conforto de uma situação permanentemente sob controle, ainda que isso seja em grande parte, uma forma de ilusão, pois a imprevisibilidade e o descontrole coabitam com o esperado (p.266)

Para que as crianças possam exercer seu direito a brincar a ter uma infância lúdica é necessário que os espaços escolares sejam pensados para atender as especificidades dessa faixa etária. Para Barros (2009) “o espaço deve proporcionar a emersão das múltiplas dimensões humanas, o que fortalece a suposição de que a sua organização será dirigida pela concepção de criança que os educadores possuem” (p.91). Além das especificidades físicas e estruturais, o espaço na Educação Infantil deve atender aos interesses das crianças, levando em consideração sua cultura. A organização espacial tem o poder de influenciar positivamente ou negativamente no aprendizado:

O espaço não é apenas uma realidade física com determinadas dimensões, mas ele representa algo, ele afeta e envolve. Afeta por sua presença e aspectos, pelos estados de ânimo que propicia, pela satisfação que produz nas atividades ali realizadas. O espaço comunica o que é permitido e o que é proibido fazer nele. (…) O espaço “comporta”, ao mesmo tempo, ser um lugar de emancipação ou de regulação, pode ser um espaço de medo e de alegria; um espaço de repetição e de criação (BUSS-SIMÃO, 2012, p.261).

Os espaços escolares são organizados dentro de uma perspectiva adultocêntrica, sem a participação das crianças, seus principais usuários. Não há o processo de escuta para saber o que eles desejam. Não há autonomia nem direito a participação na organização e decoração da sala de aula, elas chegam no início do ano e encontram tudo pronto. Borges (2001) afirma que as escolas são que limitam e aprisionam as crianças, negando-lhes a possibilidade de criar e imaginar, resultando numa aprendizagem marcada pelo desprazer. Essa organização é pensada antes mesmo do início das aulas. A instituição e o professor devem em seu planejamento considerar atividades que permitam a exploração adequada do espaço físico.

Devemos pensar no espaço como algo feito para e pelas crianças e não feito para os adultos como ocorre na maioria dos ambientes de educação infantil, pois muito se vê na prática objetos em lugares mais altos longe do alcance das crianças não permitindo assim a exploração plena do espaço pelos pequenos (SOUTO, GIL, SAITO. 2015, p. 25).

Os ambientes educativos devem ser preparados para receber as crianças, com base nos estudos sobre Educação Infantil, devem ser organizados cantos que reproduzem a vida, permitem a fantasia, o brincar e o imaginário, estimulando o desenvolvimento da criança. Nesses ambientes, a criança tem liberdade para expressar-se e interagir com os objetos e os colegas espontaneamente. Dessa maneira, e em consonância com as DCNEI, que assegura “os deslocamentos e os movimentos amplos das crianças nos espaços internos e externos às salas de referência das turmas e à instituição” (BRASIL, 2010), consideramos válido propiciar às crianças a oportunidade de vivenciar um brincar em espaços preparados e planejados para isso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estágio Supervisionado em Educação Infantil constituiu-se num momento fundamental para nossa formação, não só pela possibilidade de observar o trabalho do docente nessa etapa da educação, mas também por nos permitir ver in loco aspectos do desenvolvimento e da aprendizagem da criança estudados em várias disciplinas do nosso curso de Pedagogia. A interação com a professora e as crianças também contribuiu para a construção de uma visão mais real do que acontece na escola, principalmente no dia a dia de uma sala de aula.

Ao planejarmos esse estudo, fomos instigadas a observar mais atentamente as necessidades não só da turma observada, mas também da escola. Para tanto foi preciso mobilizarmos conceitos sobre planejamento, diagnóstico e especificidades da Educação Infantil, o que permitiu uma articulação entre diversos conhecimentos vistos na nossa formação. Além disso, estar na escola nos permitiu acurar o olhar para a questão do brincar, aspecto tão importante no desenvolvimento da criança e frequentemente negligenciado pelas instituições escolares.

Assim, podemos afirmar que o estágio além de nos oportunizar o contato com a prática docente, possibilitou que pensássemos sobre tal prática, nos deu subsídio para que conseguíssemos fazer nossos próprios questionamentos sobre a realidade da escola observada, fazendo com que refletíssemos acerca das práticas com as quais nos confrontamos e sobre como tais práticas poderão ou não estar presentes no nosso futuro como profissionais.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.

______. Ministério de Educação e Cultura. LDB – Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

_______. Lei 8.069 de 1900. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília-MEC, 1990.

______. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Ministério Da Educação e Cultura. Brasília: MEC, 1998

______.  Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil. Ministério da Educação e Cultura. Brasília: MEC, 2010.

______.  Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação e Cultura. Brasília: MEC, 2017.

BORGES, Marlene Fátima Freitas. Restos de manhã: análise do brincar nas décadas de 50 a 70 na região do Pontal do Triângulo Mineiro. Dissertação (mestrado em História e Cultura), Universidade Federal de Uberlândia-Ufu. Uberlândia, 2001.

BUSS-SIMÃO, Márcia. A dimensão corporal entre a ordem e o caos- Espaços e tempos organizados pelos adultos e pelas crianças. IN: ARROYO, Miguel G.; SILVA, Maurício Roberto. (org.).  Corpo-infância: exercícios tensos de ser criança-por outra pedagogia dos corpos. Rio de Janeiro. Vozes, 2012. p.259-279.

HUIZINGA, Jonhan. Homo Ludens, o jogo como elemento da cultura. Perspectiva. 2014

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. I Seminário nacional: currículo em movimento-perspectivas atuais. Anais. Belo Horizonte, novembro de 2010.

____________________________. O Jogo e a Educação infantil. São Paulo. Cortez, 2011.

QUEIROZ, Norma Lucia Neris; MACIEL, Diva Albuquerque; BRANCO, Ângela Uchoa. Brincadeira e desenvolvimento infantil: um olhar sociocultural construtivista. Paideia, v.16, n.34. 2006. P. 169-179.

*Estudante de Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia, Campus do Pontal. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Infâncias (GEPI/UFU).

**Estudante de Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia, Campus do Pontal. ***Doutora em Educação. Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia, Campus do Pontal. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Infâncias (GEPI/UFU).

Como citar esse artigo:

SOARES, M. M. M. de B.; SANTOS, M. F. S.; SILVA, F. D. A. Os espaços negados para o brincar: olhares a partir do Estágio Supervisionado. Revista Partes, São Paulo, 2018. p.1-6.

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