Educação Educação ensino fundamental

Sentimentos e crenças manifestadas por professores dos anos iniciais sobre frações

Patrícia Maria Sampaio Andrade*

Whesley Campos de Souza**

Gabriel de Oliveira Soares***

Resumo: Considerando que o domínio afetivo pode influenciar no ensino, esse estudo tem por objetivo investigar crenças e sentimentos de professores que ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para tal, foi proposto um questionário online com perguntas abertas a 16 professores. Após a sistematização das respostas, foi constatado que os professores possuem bons sentimentos em relação à matemática, porém quando o tema específico são as frações, mais de 80% se sentem inseguros e despreparados.

Palavras-chave: Frações; Ensino Fundamental; Crenças e Sentimentos; Professores.

Abstract: Considering that the affective domain can influence teaching, this study aims to investigate the beliefs and feelings of teachers who teach Mathematics in the early years of elementary school. For this purpose, an online questionnaire was proposed with questions open to 16 teachers. After the systematization of responses, it was found that teachers have good feelings about mathematics, but when the specific subject is fractions, more than 80% feel insecure and unprepared.

Key-words: Fractions; Elementary School; Beliefs and Feelings; Teachers.

Introdução

A inserção do conjunto dos números racionais no Ensino Fundamental é uma temática recorrente em estudos na área de ensino de Matemática, tendo em vista as dificuldades de aprendizagem que essa podem gerar. Nunes e Bryant (1997, p. 191) citam que “é possível que alguns alunos passem pela escola sem superar dificuldades relativas às frações sem que ninguém perceba”.

Além disso, o apontado pela Base Nacional Comum Curricular – BNCC (2018), é que o ensino do objeto de conhecimento frações deve iniciar nos primeiros anos da segunda etapa do ensino fundamental, com problemas envolvendo significados de dobro, metade, triplo e terça parte e seguindo uma progressão horizontal de acordo com o nível de cognição de cada ano.

Assim, esse tema se faz presente em todo o ciclo de escolarização básica dos alunos, e os professores devem se sentir aptos para trabalhá-los. Entretanto, nem sempre estão, tendo em vista que “as frações complicadas e as operações com elas são invenções dos professores que só podem entendê-las em um nível superior” (FREUNDENTHAL, 1973 apud LLINARES; SÁNCHEZ, 1988, p. 26).

Dessa forma, levando em consideração o apontado por autores como Barbato (2016), que afirma que as crenças de professores podem influenciar no ensino, experiências como as de Suleiman (2016) e Luna (2016) que investigam crenças e concepções de matemática de professores e a trajetória dos autores em curso de especialização com ênfase na Docência na Educação Básica surgiu esse estudo, que tem por objetivo, investigar crenças e sentimentos de professores que ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Crê-se que investigando esses fatores com professores, pode-se auxiliar na superação de dificuldades por professores em formação inicial e continuada ao ensinar frações.

Crenças e sentimentos de professores e sua influência no ensino

A atuação profissional de professores envolve uma amálgama de saberes, os quais Tardif (2002) classifica como: Saberes pessoais dos professores, Saberes provenientes da formação escolar anterior, Saberes provenientes da formação profissional para o magistério, Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho e Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola.

Dentre esses, um se destaca para esse estudo: os saberes pessoais dos professores. Eles são constituídos a partir das vivências com a família, o ambiente de vida, a educação, etc. E essas podem criar uma ideia pré-concebida sobre determinado conteúdo, conceito ou disciplina que passa a ser carregado pelo professor durante toda a sua trajetória profissional.

Nesse sentido, essa ideia é apoiada por autores como Ferreira (2003) e Barbato (2016), ao apontarem que “as crenças que o professor tem a respeito do conteúdo a ser ensinado, da sua capacidade de ensiná-lo e a maior ou menor afinidade com a matéria, influenciam a escolha do conteúdo e a forma de ensiná-lo” (BARBATO, 2016, p. 68).

Logo, investigá-las pode contribuir na superação de ideias pré-concebidas por esses professores, buscando também, (re)construir uma atitude positiva ao ensino de quaisquer disciplinas.

 

Metodologia

O estudo aqui descrito é caracterizado como de cunho qualitativo, no sentido de buscar explicar o como e o porquê dos fatos ocorrerem, focando nos “fenômenos atuais, que só poderão ser analisados dentro de algum contexto de vida real” (GODOY, 1995, p. 26).

Como citado anteriormente, este tem por objetivo, investigar crenças e sentimentos de professores que ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Buscando atingi-lo, foi proposto um questionário aberto a 16 professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental em escolas públicas do estado de Minas Gerais. Os questionários se mostram bons instrumentos de pesquisa em estudos da área da educação pois são “o motor que propulsiona o andamento do estudo” (MELO; BIANCHI, 2015, p. 45).

Esse recurso continha dez questões divididas em três blocos: 1 – Formação e atuação profissional, em que os participantes responderam sobre sua formação inicial e continuada, pós-graduação e tempo de atuação; 2 – A Matemática, em que responderam sobre os sentimentos e crenças em relação à essa disciplina e sobre a importância da mesma e; 3 – As frações, no qual responderam sobre sentimentos e crenças sobre as frações, ensino de frações e sobre o conhecimento específico de frações. Ele foi disponibilizado online por meio da plataforma Google Forms, e teve como base as questões propostas por Ferreira (2009).

Assim, após coletadas as respostas dos professores, essas foram analisadas de uma maneira interpretativo-descritiva, compondo um texto de análise em que trazem-se trechos ou a resposta inteira de alguns participantes para ilustrar as conclusões tiradas de uma maneira generalizada.

Além disso, garantindo o anonimato dos participantes e os princípios da ética na pesquisa, eles foram indicados por P1, P2, P3, …, P16, também assegurando a individualidade de cada um no processo de análise.

Resultados

As perguntas do primeiro bloco estavam relacionadas à formação e ao tempo de regência dos professores nos anos iniciais do Ensino Fundamental.  Ao fazer uma caracterização geral, pode-se constatar que todos os participantes do estudo possuem graduação em Pedagogia, Curso de Magistério de Nível Médio ou o extinto curso Normal Superior. Também possuem mais de 5 anos de regência, sendo que 25% deles possuem mais de 20 anos de profissão.

Em relação aos sentimentos sobre a matemática pode-se constatar uma gama de respostas, tanto positivas, como as de P9: “Adoro matemática, sentimentos bons, desafios” e negativas, como as de P7: “sentimento de rejeição, não gostar, é chato, difícil”.

Entretanto, apesar das respostas negativas, no geral os sentimentos relacionados ao conteúdo são positivos. 60% dos professores são otimistas em relação a matemática, sentem prazer em ensiná-la e acreditam que ela é fundamental para a vida cotidiana.

Em sequência, baseado na proposta de Ferreira (2009), foi solicitado aos professores que escolhessem animais para representar o seu sentimento em relação à matemática.

Os animais mais citados foram o leão, a cobra e o cão bravo como sentimento negativo, que apareceram de maneira expressiva em 50% das respostas. Esse fato pode ser observado nos relatos de P4: “Um cão bravo, porque no primeiro contato ficamos apavorados , mas com passar do tempo esse cão bravo pode ser nosso melhor amigo”; P6: “Embasamento a meus sentimentos acredito que seria uma cobra, por mais que seja venenosa teria que enfrentá-la”; P9: “Ela seria um leão por ser imponente, essencial, exata, desafiadora e P11: “Seria um leão, porque ambos causam medo e é o que eu sentia diante da matemática” para exemplificar.

Dessa forma, assim como o constatado por Soares, Vargas e Leivas (2020, p. 21) que alunos do Ensino Médio “possuem uma visão um pouco negativa sobre ela, de modo que a têm como algo que exige bastante conhecimento e causa medo”, pode-se verificar que esse sentimento também é encontrado em professores. Isso mostra a necessidade de cada vez mais uma formação inicial e continuada que compreenda esses fatores e impacte na atuação desses profissionais.

Ainda, no terceiro bloco de perguntas, teve-se o objetivo de investigar os sentimentos dos professores em relação ao conteúdo específico de Frações.

Diferente dos sentimentos em relação à Matemática em geral, quando o tema a ser trabalhado são as frações, os professores possuem muita insegurança acompanhada de sentimentos negativos, como pode ser visto nas falas de P1: “Insegurança, porque não é uma área em que me identifico“ e P4: “Sentimento de angústia, desafio, por ser uma área que não me identifico“. Em 80% das respostas apareceram respostas como sendo algo como desafiador, complicado, difícil, angustiante ou inseguro.

Quando solicitados que fizessem a metáfora das frações em relação a animais, a onça, o cão, a aranha venenosa, o leão, a cobra e até bicho de sete cabeças foram escolhidos pelos professores para representar as frações. 50% das respostas foram relacionadas a animais perigosos. 15% dos animais restantes, trouxeram a ideia de “neutralidade”, tais como em P2: “Uma lagarta. Porque ela tem a capacidade de se transformar” e P13: “Um gato, muitas pessoas gostam, porém em algumas podem causar pânico”.

O restante dos animais foram escolhidos devido a sua característica de divisão, como as formigas na resposta de P3: “As formigas. Porque dividem o trabalho entre elas, cada uma com sua função” e as zebras, na resposta de P6: “Uma zebra. Pois, suas listras são bem “repartidas”.

Quando perguntado aos professores se sua formação inicial deu subsídios para ensinar frações na escola básica, 75% dos professores responderam que essa não deu os subsídios necessários para trabalhar com o conteúdo de frações de forma aprofundada.

Em relação aos maiores desafios em trabalhar com frações na sala de aula, segundo os professores, são a falta de materiais concretos, ensinar frações equivalentes, ensinar operações com denominadores diferentes e a dificuldade de trazer exemplos reais e concretos.

Por fim, buscando compreender o conhecimento específico de frações foi feita a seguinte pergunta aos professores: “Uma professora colocou o exercício de uma divisão de frações abaixo para seu aluno resolver. Ao fazê-lo, o aluno perguntou por que deveria conservar a primeira fração e inverter a segunda e multiplicar. Como você sanaria essa dúvida do estudante?”

Aproximadamente 70 % dos professores que participaram da pesquisa disseram não saber uma outra forma de ensinar, e no caso, reforçariam que é uma “regra” da matemática e que deve ser seguida para uma correta resolução do problema. Os 30% restantes disseram que conseguiriam explicar ao aluno a construção da fórmula.

Conclusão

Esse trabalho teve por objetivo investigar crenças e sentimentos de professores que ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Após a aplicação e análise dos dados, foi possível verificar que esses profissionais, em sua grande maioria, veem a Matemática com bons olhos, como uma disciplina importante e indispensável e possuem sentimentos tanto positivos quanto negativos em relação a ela.

Porém, em relação ao ensino de frações, mais de 80% dos professores entrevistados se sentem inseguros, despreparados e ficam angustiados por tal condição. Ficou evidente que boa parte deles possuem grande dificuldade em relação ao ensino das frações, o que pode interferir diretamente na aprendizagem dos alunos.

Outro aspecto relevante a se considerar, são as deficiências na formação inicial dos professores em relação ao ensino de conteúdos específicos como as frações, sendo que 75% disseram que a graduação não foi suficiente para lhes dar segurança diante tal atividade.

É válido ressaltar que os professores dos anos iniciais lecionam todos os componentes curriculares, tornando o trabalho e a busca por capacitação ainda mais complexos. Para tanto, este professor precisa constantemente de formação continuada que o possibilite trabalhar de forma mais segura, interdisciplinar, com apoio de materiais concretos, jogos, etc, não só o objeto de conhecimento frações, mas todos os outros componentes.

Referências

BARBATO, Christiane Novo. A constituição profissional de formadores de professores de Matemática. 322p. 2016. Tese (Doutorado em Educação) –  Universidade São Francisco,  Itatiba, 2016.

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FERREIRA, Ana Cristina. Um olhar retrospectivo sobre a pesquisa brasileira em formação de professores de Matemática. In: FIORENTINI, Dario (Org.) Formação de Professores de Matemática: explorando novos caminhos com outros olhares. Campinas, SP: Mercado das Letras, v. 1, 2003. p. 19-51.

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GODOY, Arilda Schmidt. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de Empresas, v.35, n.3, 1995. p. 20-29.

LLINARES, Salvador Ciscar; SÁNCHEZ, María Victoria García. Fracciones la relacion parte-todo. Madrid: Sintesis, 1988.

LUNA, Jéssica Maria Oliveira de. Crenças e Concepções de professores dos anos iniciais que ensinam multiplicação e divisão para crianças. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, XII, 2016. Anais… São Paulo: Sociedade Brasileira de Educação Matemática, 2016, p. 1-12.

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SULEIMAN, Amal Rahif. Concepções dos professores em relação à matemática, a seu ensino e às dificuldades dos alunos. Acta Scientiae, v. 18, n. 2, 2016. p.371-397.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

Como citar esse artigo:

ANDRADE, Patrícia Maria Sampaio; SOUZA, Whesley Campos de; SOARES, Gabriel de Oliveira. Sentimentos e crenças manifestadas por professores dos anos iniciais sobre frações. Revista P@rtes. 2020.

* Licenciada em Matemática. Aluna do curso de especialização em Docência do IFMG – Arcos. patriciamsa-@hotmail.com

** Licenciado em Matemática. Aluno do curso de especialização em Docência do IFMG – Arcos. whesleycampos@hotmail.com

***Mestre em Ensino de Ciências e Matemática. Orientador do curso de especialização em Docência do IFMG – Arcos. gsoares8@outlook.com

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