Crônicas nair lucia de britto

UM PRESENTE PARA O MEU PAI

Nair Lúcia de Britto
Já escrevi tantos textos homenageando meu pai que, no Dia dos Pais deste ano, eu não sabia o que mais poderia escrever. De repente ocorreu-me um episódio pitoresco relacionado ao meu pai, que ocorreu na minha infância.

Eu tinha pouco mais que sete anos de idade, e queria dar um presente ao meu pai no dia do aniversário dele.

Eu costumava juntar algum dinheiro que eu economizava não comprando o lanche na Escola ou indo a pé até o “Grupão”, onde eu estudava.

Eu sabia que meu pai gostava muito de ler. Seus assuntos prediletos eram Política e Literatura. Então, no percurso da Escola, eu parei numa livraria para comprar um livro. Fiquei olhando na vitrine, sem saber qual livro meu pai gostaria. Eu observava a capa dos livros dispersos na vitrine e que eram bem atraentes. Olhava todos, sem saber qual escolher; até que me chamou a atenção um dos livros de Monteiro Lobato. Aquele nome não me era estranho; e escolhi esse livro não só pelo nome do autor, mas principalmente porque era o que o dinheiro dava para pagar.

— Pode embrulhar pra presente?

A balconista então fez um pacote bem bonito, e eu voltei toda contente para casa. Na manhã seguinte era o aniversário do meu pai. Logo que ele acordou eu lhe entreguei o presente. Ele abriu, surpreso, e ficou todo feliz quando viu o título do livro: “O Escândalo do Petróleo”, de Monteiro Lobato.

Meu pai adorou o livro, lia e relia, fez seu livro de cabeceira. Sem querer eu tinha acertado em cheio no presente e, claro, também fiquei bem contente!

Monteiro Lobato ficou conhecido por seus livros infantis, com os quais fez um grande sucesso. Mas antes de escrever para crianças ele escreveu para os adultos. Tinha um estilo brilhante e punha esmero nas palavras. Segundo pesquisa, “gostava de criticar certos hábitos brasileiros, como a cópia de modelos estrangeiros, nossa sobrevivência ao capitalismo internacional etc.” Era polêmico e moralista; um doutrinador que aspirava que o povo brasileiro se emancipasse econômica e mentalmente.

Em 1941, na Ditadura Vargas, foi condenado a seis meses de prisão, acusado de ataques ao governo. Ganhou notabilidade por um artigo que escreveu para o jornal o “Estado de S. Paulo”, em 1917: “Paranóia ou Mistificação”?

Quando eu era criança não pude entender por que aquele livro tinha deixado meu pai tão contente. Mas hoje eu entendo. Meu pai era um intelectual, um homem inteligente e apreciava aqueles que, de fato, eram também inteligentes.

“O Escândalo do Petróleo” (1936) era uma denúncia sobre o jogo de interesses motivados pela extração do petróleo. No livro Monteiro Lobato criticava o envolvimento internacional permitido pelas autoridades brasileiras. Ele também defendia a tese de que no Brasil existia petróleo e que os brasileiros poderiam se emancipar, sem depender de estrangeiros. Mas ninguém  o compreendia nem lhe dava crédito.

Só um homem inteligente como meu pai poderia entender. E que me perdoem a falta de modéstia!

Nair Lucia de Britto – Folha

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