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EDUCAÇÃO E CULTURA: DIÁLOGOS ACERCA DO CURRÍCULO MULTICULTURALISTA

Manuela Santana de Souza[*]

Mariah Santana[†]

Tayna Piau Ferreira Freitas[‡]

RESUMO: O multiculturalismo no currículo escolar se apresenta como uma ideologia de transformação através da diversidade cultural. Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo fazer um levantamento histórico sobre o currículo multiculturalista a fim de analisar o porquê deste currículo ser o mais propício para o ambiente escolar e quais as implicações do mesmo na formação humana, sendo o percurso metodológico de natureza qualitativa e o levantamento bibliográfico. Esperamos que este trabalho contribua com as discussões acerca do currículo, a partir da perspectiva cultural.

Palavras-chave: Educação; Cultura; Currículo escolar; Multiculturalismo.

ABSTRACT: Multiculturalism in theschool curriculum presentsitself as anideologyoftransformationthrough cultural diversity. In thisway, thepresentworkaimsto make a historicalsurveyofthemulticulturalist curriculum in ordertoanalyzewhythis curriculum isthemostsuitable for theschoolenvironmentandwhat its implications are for humanformation, themethodologicalcoursebeingof a qualitativenature. Andthebibliographicsurvey. Wehopethatthisworkcontributestothediscussionsaboutthe curriculum, from a cultural perspective.

Keywords: Education; Culture; Schoolcurrículum; Multiculturalism.

Introdução

Os estudos acerca das questões culturais sob o olhar multiculturalista surgiram no século XX por meio das teorias pós-críticas do currículo escolar, dando destaque à relação de cultura e poder. O currículo multiculturalista faz críticas ao currículo hegemônico, unilateral e que se mantém na realidade escolar como inquestionável e absoluto. Assim, para compreender o processo estrutural deste currículo é preciso refletir sobre os processos históricos, culturais, políticos e sociais que o envolvem. Segundo Silva:

O multiculturalismo não pode ser separado das relações de poder que, antes de mais nada, obrigaram as essas diferentes culturas raciais, étnicas e nacionais a viverem no mesmo espaço…O multiculturalismo representa um importante instrumento na luta política, transfere para o terreno político uma compreensão da diversidade cultural que estava restrita, durante muito tempo, a campos especializados como o da antropologia (SILVA, 1999. pg. 85-86)

Nessa circunstância, este artigo faz parte de um trabalho da disciplina de Currículo e Culturas Escolares, desenvolvida no Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) durante o ano de 2022.

O interesse pela temática surgiu após algumas leituras e debates em sala de aula acerca do currículo multiculturalista e por entender que as questões culturais transcorrem no contexto escolar e que é importante considerá-las nos métodos, nos saberes e nas práticas formadoras e transformadoras. Desta forma, buscamos analisar e responder de acordo com os estudos da área, o seguinte questionamento: Qual a importância do currículo multicultural no ambiente escolar? Pois entendemos que o currículo multicultural se constitui por características inclusivas, libertadoras e autônomas, conquistadas por meio de reivindicações que se manifestam em sociedades desiguais. De acordo com Silva:

Um currículo inspirado nessa concepção não se limitaria, pois, a ensinar a tolerância e o respeito, por mais desejável que isso possa parecer, mas insistiria, em vez disso, numa análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas através das relações de assimetria e desigualdade. Num currículo multiculturalista crítico, a diferença, mais do que tolerada ou respeitada, é colocada permanentemente em questão. (SILVA, 1999. Pg. 88-89)

Portanto, o objetivo deste trabalho é fazer um levantamento histórico sobre o currículo multiculturalista a fim de analisar o porquê deste currículo ser o mais propício para o ambiente escolar e quais as implicações do mesmo na formação humana, visto que a escola é um ambiente de formação do indivíduo, sendo responsável por grande parte das aprendizagens teóricas, culturais, políticas e sociais.

Para alcançar os objetivos deste trabalho, foi realizada uma pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa, que consiste na pesquisa de fontes como artigos, teses, dissertações, livros para análise, interpretação e embasamento do tema estudado. Gil (2002, p. 44), afirma que a pesquisa bibliográfica é “desenvolvida com base no material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Além disso, recorremos a outros autores para embasamento teórico como Silva (1999 e 2003);  Sácristán e Gómez (1998) e Nunes (2012).

Para nós, este trabalho serve como momento de estudo das ações pedagógicas e nos ajuda refletir sobre qual a concepção de educação e qual cidadão estamos dispostos a formar? Nossas práticas transformam o processo de ensino-aprendizagem do aluno com deficiência ou se firmam no sistema excludente e opressor? Enquanto estudantes do curso de pedagogia foram feitas reflexões e relações entre a teoria e a prática docente relacionadas ao currículo. Em todas as leituras certifica-se que o currículo multiculturalista, de fato, é essencial na sociedade atual, na formação humana-cidadã e também um mecanismo para atingir mudanças significativas em todo o contexto escolar.

As contribuições do currículo multiculturalista

Durante várias décadas diferentes teóricos produziram diferentes formas de currículo, a fim de proporcionar uma melhor organização da sistematização dos conteúdos escolares.  O currículo representa o percurso que o sujeito irá fazer ao longo de sua escolarização. Nesse sentido, Sácristán e Gómez (1998, p. 125), afirmam que “a escolaridade é um percurso para alunos/as, e o currículo é seu recheio, seu conteúdo, o guia de seu progresso pela escolaridade”.

O currículo vai além de uma simples enumeração de conteúdos e diretrizes a serem trabalhados em sala de aula, ele é uma construção histórica e também cultural que sofre, ao longo do tempo, transformação em suas definições.Vale ressaltar que há diferentes teorias de currículo, sendo divididas em: tradicionais, críticas e pós-críticas.

A multiplicidade é a força da sociedade contemporânea e nesse quesito a escola não pode fugir do seu tempo e propagar ideias arcaicas e antiquadas. É importante que a educação se atente e busque responder as questões e interesse da geração atual. É justamente nessas condições que o currículo multicultural, pertencente a teoria pós-crítica, se apresenta como a mais adequada, visto que esta propõe um currículo inclusivo respeitando e pregando a tolerância à diversidade. De acordo com Moreira e Candau:

A problemática das relações entre escola e cultura é inerente a todo processo educativo. Não há educação que não esteja imersa na cultura da humanidade e, particularmente, do momento histórico em que se situa…A escola é, sem dúvida, uma instituição cultural. Portanto, as relações entre escola e cultura não podem ser concebidas como entre dois pólos independentes, mas sim como universos entrelaçados, como uma teia tecida no cotidiano e com fios e nós profundamente articulados (MOREIRA; CANDAU, 2003. pg. 159-160)

Desta forma, para compreender melhor o currículo multicultural discorremos brevemente sobre as outras duas teorias curriculares inseridas no Brasil que a antecederam, sendo elas: Teorias Tradicionais e Críticas.

A teoria tradicional curricular deve seu maior destaque na metade do século XX, atrelando o sistema educacional ao industrial, prezando pela padronização, imposição de regras, trabalho repetitivo e se baseava em divisões específicas de tarefas, buscando sempre uma produção em massa, como enfatiza o capitalismo.

Por sua vez, a teoria crítica teve maior representação a partir da década de 1960, abordando que a educação é um instrumento de reprodução e legitimação das desigualdades sociais e que por esse motivo o currículo estaria atrelado aos interesses das classes dominantes. Essa teoria surge em busca de romper com esse tipo de currículo e verticalizar ainda mais a desigualdade, enfatizando a importância do currículo conter uma estrutura crítica, permitindo uma perspectiva libertadora.

Por fim temos a teoria pós-crítica, que emergiu entre 1970 e 1980, tendo como princípio o pós estruturalismo e os ideais multiculturais. Diferente da teoria crítica, ela vai além das questões das classes sociais, focando no sujeito, nos estigmas étnicos e culturais. Esse currículo traz como foco a inclusão, abrangendo as necessidades dos grupos minoritários e reconhecendo a singularidade dos indivíduos, visto que vivemos em um país preconceituoso, machista, racista e homofóbico.

O pensamento cultural no Brasil é extremamente frágil e desestruturado e a escola encontra dificuldades em colocar em relacionar as suas práticas educativas e a diversidade cultural dos educandos, Por isso a importância de trazer um currículo que preze pela tolerância, respeito e inclusão dos grupos minoritários. Trata-se de um movimento reformador, que busca produzir mudanças tanto no sistema educacional como também na sociedade. Moreira e Candau corrobora:

As questões relativas às relações entre educação escolar e cultura(s) são complexas e, como procuramos mostrar, afetam diferentes dimensões das dinâmicas educativas. Não basta acrescentar temas, autores, celebrações etc. É necessária uma releitura da própria visão de educação. É indispensável desenvolver um novo olhar, uma nova ótica, uma sensibilidade diferente.  (MOREIRA; CANDAU. 2003, pg. 166)

Nessa perspectiva curricular têm-se vinculado duas ideias de multicultural, o Multiculturalismo Liberal e o Crítico. O Multiculturalismo Liberal se baseia no respeito e tolerância quanto aos diferentes tipos existentes de cultura e define que as culturas só são diferentes pelo fato da vivência do ser humano em diferentes ambientes. E que essas diferenças culturais devem ser respeitadas porque acima de tudo todos são humanos. Já o Multiculturalismo Crítico define que não tem como existir essa relação de respeito utópico no qual o liberal propõe, pois, mesmo dentro do multiculturalismo existe uma relação de poder, porque se algo é classificado como diferente então é o mesmo que dizer que existe outro tipo de cultura que é classificada como normal, sendo assim, está detêm o poder por ser considerado o normal e não o diferente.

Desse modo, é muito discutido na questão curricular dentro dessas duas narrativas a questão de identidade e diferença. Na qual identidade é o que é considerado normal, é o padrão e tudo que foge desse padrão é o diferente. Contudo, é visto que um é dependente do outro porque não somos todos iguais e temos diferenças entre si, mas o que deve ocorrer dentro dessa abordagem curricular e até mesmo social é que não deve existir um nível hierárquico entre o que é “normal” e o “diferente” no qual um é determinado superior que o outro.

Entretanto, atualmente se é notado que o currículo ainda tem uma abordagem patriarcal e machista na qual o normal ainda é retratado como ser branco, ser hétero e ser homem. Todo currículo existe uma relação de poder e é visto isso quando se é abordado questões sobre o diferente do que é considerado normal, pois, sempre é retratado como uma relação de ter respeito, ter tolerância ao diferente. Porém, nenhum lado tem que tolerar o outro e sim ter o mesmo espaço e representatividade dentro dos temas curriculares.

Hoje se é notado um currículo patriarcal e que possui relação de poder, pois, quando se é proposto temas sobre LGBTQIA+, religiões, feminismo e luta racial se gera desconforto nas classes mais tradicionais e conservadoras nas quais se sentem ameaçadas por tal discussão. Portanto, esses debates nunca são alvo de temas a serem retratados por parte do currículo com o propósito de se conhecer o diferente e sim com o objetivo apenas de tolerá-lo.

Entretanto, dentro de uma perspectiva feminista, tendo em vista todo esse processo histórico do currículo as críticas acerca de currículo por muito tempo envolviam apenas critica sociais, ignorando as outras desigualdades, considerando-se que o poder estava concentrado apenas no capital, mas, também ficou evidente que está no patriarcado.

É notório que o nível de mulheres com acesso à educação é visivelmente menor do que o dos homens, e quando o currículo foi criado as mulheres não tinham acesso à educação.  Descarte, na luta contra um currículo machista o feminismo passou por uma fase de lutar pelo acesso à educação para as mulheres, mesmo que fosse uma educação baseada e controlada pelo patriarcado.

Contudo, o currículo foi criado com uma divisão de gênero no qual havia matérias que eram consideradas masculinas, portanto eram destinadas aos homens e as femininas para as mulheres. Silva contribui afirmando que:

Na medida em que se reflete a epistemologia dominante, o currículo existente é também claramente masculino. Ele é a expressão da cosmovisão masculina. O currículo oficial valoriza a separação entre sujeito e conhecimento, o domínio e o controle, a racionalidade e a lógica, a ciência e a técnica, o individualismo e a competição. Todas essas características refletem as experiências e os interesses masculinos, desvalorizando, em troca, as estreitas conexões entre quem conhece e o que é conhecido, a importância das ligações pessoais, a intuição e o pensamento divergente, as artes e a estética, o comunitarismo e a cooperação – características que estão, todas, ligadas às experiências e aos interesses das mulheres. A solução não consistiria simplesmente numa inversão, mas em construir currículos que refletissem, de forma equilibrada, tanto a experiência masculina quanto a feminina. (SILVA, 1999, p. 94)

Deste modo, seguindo o oposto dessa ideia machista, se deu início à segunda fase do feminismo na educação que é transformar o patriarcado, pois, não bastava apenas ter o acesso à educação e sim ao que está sendo educado e o porquê. Portanto, deve ser problematizado a própria construção do conhecimento em si.

As demandas do currículo multiculturalista deve ser levadas para dentro da sala de aula de forma que incomode e estimule os educandos a refletir sobre as diferenças, a diversidade e toda a intenção cultural, política e social que estas estão envolvidas, para que assim possam aprender sobre respeito e responsabilidade.

Considerações Finais

É perceptível que o currículo utilizado hoje ainda possui traços patriarcais, pois ainda há uma grande relação de poder ao definir os conhecimentos abordados e qual cultura que deve ser considerada diferente ou normal, consequentemente, tendo uma abordagem muito rasa a respeito das diversidades. Por isso a importância de um currículo multicultural, que visa a diversidade, o respeito a todos. Contudo, antes de ser abordado sobre o respeito deve-se abordar historicamente o porquê de existir uma identidade e uma diferença, pois, o preconceito é um desvio de conduta e a pedagogia e o currículo dentro da educação não se trata disso porque fazer pedagogia é acolher o diferente e não o subestimar.

A escola deve ser colocada como uma instituição socializadora e que percorre pelas diferentes culturas, a fim de que todos possam manifestar suas ideias, seus anseios, sem ser rotulados ou discriminados pela cultura que o pertencem ou que defendem. Assim, a educação e cultura são fenômenos sociais que estão intimamente ligados e são capazes de transformar a forma que alunos (as) e professores(as) refletem sobre a sociedade e se relacionam uns com os outros.

O currículo multicultural é essencial no ambiente escolar, pois ele ensina desde cedo que todos nós devemos respeitar as outras pessoas, independente de seu gênero, ética, cultura ou religião. Esses grupos minoritários já sofreram muitas retaliações devido ao preconceito, machismo. O currículo multicultural surge exatamente para romper com essa visão antiga que privilegia somente homens brancos e heterossexuais, portanto entendemos que “currículo é poder”, mas não o poder em vias de exploração e dominação de uns sobre os outros, mas o poder que por meio de pessoas que se utilizam do conhecimento, de reflexão e de condutas positivas umas com as outras.

Referências:

FERREIRA, Fernanda Nunes. Multiculturalismo e currículo escolar: desafios e possibilidades para o novo milênio. Pesquisa em Pós-Graduação: Série Educação, Santos, v. 7, n. 4, p. 133-142, dez. 2012. Disponível em: https://periodicos.unisantos.br/serieducacao/issue/view/50. Acesso em: 25 março de 2022.

GIL, Antonio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4° edição. Editora Atlas S.A. São Paulo, 2002.

MOREIRA, Antonio F.  Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Educação escolar e cultura(s): Construindo caminhos. Rev. Brasileira de Educação. Maio/Jun/Jul/Ago 2003 Nº 23. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/26421881_Educacao_escolar_e_culturas_construindo_caminhos. Acesso em: 20 de março de 2022.

Pérez A.I. Compreender e transformar o ensino. 4° ed. São Paulo: Artmed, 1998.

SACRISTÁN, G. Os professores como Planejadores. IN: SACRISTÁN, Gimeno; GÓMEZ,

SILVA, Tomaz Tadeu. Documento de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.


[*]Estudante do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: manuela.santana@ufu.br.

[†]Estudante do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: mariahsantana19@gmail.com.

[‡] Estudante do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: taynapiauf98@gmail.com.

Como publicar na Revista Virtual P@rtes**: SOUZA, Manuela S; BARBOSA,
Mariah S; FREITAS, Tayna Piau F. F;

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