Crônicas Margarete Hülsendeger Margarete Hülsendeger

UMA ESCOLHA PERTURBADORA

Toda a escolha pressupõe uma reflexão sobre motivos e consequências. Pôr um filho no mundo é um compromisso de longo prazo que implica dar prioridade a ele. É a decisão mais perturbadora que um ser humano é levado a tomar na vida.

Elisabeth Badinter

Por Margarete Hülsendeger

No decorrer de uma vida recebe-se, de diferentes fontes, fórmulas/receitas para conquistar a felicidade, sem perceber que, na maioria das vezes, elas costumam falhar. No entanto, a necessidade de seguir algumas dessas receitas pode transformar a vida em uma prisão imaginária que acorrenta as pessoas a um roteiro único sobre o que é ter uma “boa vida”. Como diz Rebecca Solnit, a nossa cultura está “impregnada de uma espécie de psicologia pop que pergunta obsessivamente: ‘você é feliz?’”. No caso das mulheres, esse script significa um casamento convencional e a crença de que os filhos chegam em uma família cercados por uma aura mágica maravilhosa.

Por isso, espantei-me quando ouvi minha própria mãe argumentar contra meu desejo de engravidar. Ela, ao contrário das mulheres de sua época, não via a maternidade como um elemento essencial da identidade feminina. Para ela, mãe de quatro filhos, uma decisão importante como essa resultava em mudanças, muitas vezes radicais, não só na vida da mulher, como do casal. Mudanças que nem todos estavam prontos para enfrentar, tornando-se a origem da infelicidade de inúmeros casais. Lembro que na época fiquei irritada e até mesmo magoada. Afinal, se ela era tão contrária à maternidade, por que me deixou nascer? Será que era tão ruim ser mãe?

De qualquer maneira, eu não a ouvi e, um ano depois, meu filho nasceu. Foi uma decisão consciente, tomada após seis anos de casamento, quando senti que a relação com meu marido era suficientemente estável e tranquila para receber uma criança. Era o que eu queria e nunca me arrependi dessa decisão. Contudo, seria hipocrisia não reconhecer a verdade por detrás das palavras de minha mãe.

O primeiro ano de vida de uma criança é uma verdadeira montanha russa de emoções. Tudo é novidade e, na maioria das vezes, novidades aterrorizantes. O bebê chora e nada do que fazemos parece estancar suas lágrimas e gritos. A sensação de se estar fazendo algo errado pode afogar qualquer mãe de primeira viagem num mar de culpas e angústias indescritíveis. E nem vou comentar sobre as adaptações na vida do casal. É como se estivéssemos em uma corrida onde nunca conseguimos ver o ponto de chegada.

Conforme os filhos crescem e se tornam mais autônomos os problemas, antes restritos às trocas de fraldas na madrugada, mamadeiras a cada meia hora e noites inteiras sem dormir, são substituídos por outros igualmente extenuantes. Agora novas preocupações tomam o lugar das antigas.

Será que a criança vai andar, falar, ler, interagir da maneira correta, do ‘jeito normal”? Essas duas palavras, “jeito normal”, são uma maldição, pois uma mãe só quer um “filho(a) normal”, mesmo não sabendo exatamente o que isso significa. Horas de sono são perdidas na tentativa de encontrar a solução para todas as pequenas e grandes dificuldades que, a seus olhos, o filho/a filha, sempre pequeno(a) e frágil, aparenta demonstrar. A necessidade de proteger é tão intensa que nos sentimos capazes de enfrentar a tudo e a todos.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

Por outro lado, o amor materno é também uma luta constante entre essa necessidade de proteger e a certeza de que a proteção excessiva pode gerar um indivíduo sem personalidade, dependente e absolutamente indefeso para vida. Assim, mesmo sendo difícil, uma mãe consciente compreende que o pequeno ser a quem lhe foi dada a missão de gestar e criar não lhe pertence. Ela precisa aceitar que o filho é dono do próprio destino, com seus erros e acertos. E isso, acreditem, dói.

O instinto é forte e ele sempre impele a mãe a proteger o que mais ama. Um filho pode ter quatro ou quarenta anos, não importa, para uma mãe ele sempre será parte de seu corpo e de sua alma. Assim, a uma mãe só resta mergulhar de cabeça nesse trabalho que é para a vida toda, sem direito a férias, feriados ou finais de semana prolongados. Talvez tenha sido esse fato, inerente à maternidade, que a minha mãe tentara me advertir e eu, em minha arrogância, não consegui entender.

Agora, passados quase 30 anos, eu entendo.

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