Crônicas Margarete Hülsendeger

Violência sem fim

VIOLÊNCIA SEM FIM

Margarete Hülsendeger

Por sutil que seja uma agressão vinda do homem, por indireta, camuflada, por premeditada que seja, revela suas origens inexpiadas. Um pequeno filamento animal vive no menor dos ódios.

Gaston Bachelard (A Poética do Espaço)

” – Por que este homem não é preso antes que o pior aconteça?” – perguntou a mulher na delegacia da polícia.

Resposta da delegada:

” – A Lei Maria da Penha não prevê a violência contra a mulher como crime inafiançável. Tudo depende da interpretação do delegado para conceder ou não a fiança.”

Interpretação?! Qual será o significado disso? O que é preciso acontecer para que o delegado “interprete” uma situação como sendo de risco? Ameaças psicológicas? Ameaças físicas? Ataques diretos? O que é preciso fazer para que essa “interpretação” ocorra o mais rápido possível, de preferência antes da mulher ou os filhos serem feridos ou até mesmo mortos?

O fato é que a violência contra a mulher tem aumentado de forma exponencial. Segundo a polícia, em média, um homem por dia é preso por agressão em Porto Alegre. E estamos falando de um dado estatístico que leva em conta apenas os casos denunciados. Imagine, então, qual seria o número se todas as mulheres agredidas – física ou/e psicologicamente – fossem até a delegacia?

Segundo os especialistas, as motivações que levariam os homens a atos extremos de violência são de toda a ordem: desde casos clínicos de distúrbio mental até problemas de baixa autoestima gerados pela falta de perspectivas. A violência pode começar em qualquer uma das fases do relacionamento, no entanto, aparentemente a frequência maior é entre os casados. Nesses casos, muitas vezes, as mulheres silenciam alegando tratar-se apenas de uma fase difícil e que precisam pensar na família. Para piorar esse quadro, a mulher também sofre com outras formas de preconceitos, como por exemplo, a ideia de que se ela não denuncia a agressão é porque “gosta de apanhar”. Dentro dessa lógica torpe e sexista, a vítima acaba transformando-se na causa da violência.

Em relato feito a um jornal, uma mulher de 30 anos informou que a primeira agressão só ocorreu após o nascimento da filha, quando o bebê tinha seis meses e o casal já estava vivendo juntos há dois anos. A partir desse momento começaram as surras e em seguida, a mulher teria sido obrigada a se prostituir. Segundo ela, o marido prometia tirar a guarda da filha caso ela não fizesse o que ele desejava. Quando, enfim, a mulher tomou coragem para pedir a separação a violência passou à outro nível: começaram as ameaças contra a sua vida.

Quando se lê notícias desse tipo é impossível não pensar em todos os castigos que se poderia infligir a homens como esse. Contudo, o mais triste é saber que essa situação faz parte da rotina diária de inúmeras mulheres. Homens violentos que agridem as companheiras e até mesmo os filhos para aplacar alguma espécie de sentimento de inferioridade e inadequação. E como são covardes, veem nas mulheres – mais frágeis fisicamente – uma válvula de escape para todas as suas frustrações.

No caso da mulher que virou notícia no jornal, foram feitos seis boletins de ocorrência até que uma medida protetiva foi concedida. O problema é que o marido já descumpriu, por no mínimo duas vezes, a ordem judicial e mesmo sendo preso em flagrante foi liberado após o pagamento de fiança. Portanto, é compreensível que muitas mulheres decidam não procurar a Justiça. Afinal, o risco de passarem de vítimas a responsáveis indiretas pela violência aliado ao medo e a certeza da impunidade são razões suficientes para qualquer pessoa pensar duas vezes antes de fazer uma denúncia. E é o que muitas mulheres fazem, se calam e tentam resolver seus problemas sozinhas, inclusive, optando por suportar – até que seja tarde demais – a violência dos companheiros.

O que mais me surpreende é o fato de muitos desses homens alegarem amar suas mulheres. Cometem os atos mais insanos afirmando aos gritos que não podem viver sem elas. Justificam sua violência dizendo-se, inclusive, perdidamente apaixonados. Essas declarações me levam a questionar: é possível existir um amor que humilha e usa de crueldade extrema para com o ser amado? Que tipo de paixão é essa que extrai prazer em destruir?

De qualquer maneira, o fato é que palavras ásperas muitas vezes são trocadas entre casais. Afinal, a utopia da eterna lua de mel existe apenas nos romances baratos. Vida a dois não é fácil. É um continuo aparar de arestas, na tentativa de se atingir um denominador comum e, consequentemente, um ambiente de relativa harmonia. Entretanto, quando certos limites são ultrapassados e as palavras são substituídas por atitudes violentas, não há amor que resista, não há relacionamento que se mantenha. Existe apenas o ódio e nele nem a maior das paixões sobrevive.

 

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