Crônicas Margarete Hülsendeger

Alice e o coelho

ALICE E O COELHO

Margarete Hülsendeger

¿Qué clase de paseo va a ser éste si me basta mirarte para saber que con vos me voy a empapar el alma, que se me va a meter el agua por el pescuezo y que los cafés olerán a humedad y casi seguro habrá una mosca en el vaso de vino?[1]

Julio Cortázar

 

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutoranda em Teoria Literária na PUC-RS

Existem teorias na física que parecem vindas direto da ficção. Há coisas tão loucas circulando pelas mentes dos cientistas que acreditaríamos que eles perderam completamente o juízo. Uma dessas ideias malucas é a “teoria dos multiversos”.

Os físicos que defendem essa teoria acreditam na possibilidade de vários universos existirem simultaneamente. O fato de percebermos apenas um é porque em algum momento escolhemos essa versão. Isso, no entanto, não impede que, à nossa revelia, outros universos – réplicas do nosso – existam e que sofram de alguma maneira a nossa influência em algum nível ainda não compreendido pela ciência.

Assim, se chamarmos o nosso universo de X e a nós mesmos de Y, existiriam por aí universos X1, X2, X3… e réplicas de nós Y1, Y2, Y3… Eles seriam, então, os nossos gêmeos? Não. Seriam “outros nós”, levando vidas diferentes das nossas, pois assim como influenciamos sua existência, eles também influenciam a nossa e a de todos os “outros” que existem nas demais dimensões.

Confuso? Posso ver você mexendo a cabeça para cima e para baixo, com a boca um pouco aberta, imaginando o quanto tudo isso é doido. E vou mais além: você deve estar se perguntando como é possível que pessoas adultas com títulos de doutor e pós-doutor possam estar envolvidos em semelhantes maluquices. É como se, de repente, o País das Maravilhas fosse real e nos víssemos obrigados a acompanhar as aventuras absurdas de Alice.

Contudo, essa é uma das teorias que – apesar de não existir nenhuma prova que a corrobore – muitos cientistas se recusam a abandonar. Eles, inclusive, acreditam que o multiverso não é uma mera teoria, mas algo completa e absolutamente real. E os físicos que acreditam no multiverso vão ainda mais longe quando apontam quatro maneiras pelas quais ele se manifestaria em nosso universo: a função de onda, dualidade onda-partícula, computação quântica e a roleta russa quântica.

Relendo os nomes dos fenômenos que, segundo esses físicos, explicariam a existência do multiversos é difícil não lembrar alguns dos contos de Julio Cortázar ou Jorge Luis Borges. Em ambos a ficção desliza por situações na aparência estranhas, mas incrivelmente verossímeis na sua estranheza. Um leitor de Cortázar e Borges sabe que, ao começar a ler um de seus contos, estará assinando um contrato que tem entre suas cláusulas abandonar o senso comum, deixando-se conduzir pela magia poética e, em alguns momentos, bizarra, contida em seus textos.

Um contrato semelhante deve ser feito quando se pretende entender os fenômenos que a física quântica tanto preza. Se você deseja ingressar nos mistérios do multiverso, primeiro precisa renunciar às suas ideias preconcebidas sobre a realidade – pelo menos essa realidade com a qual você está acostumado a conviver. É claro que um mergulho profundo exigiria um conhecimento matemático complexo, algo que poucos podem dizer que têm. No entanto, é possível “navegar” pelas águas da física quântica sem os rigores da matemática. Afinal, nada nos impede de simplesmente assumir o papel de pessoas curiosas.

Esse será o objetivo dos próximos textos: apresentá-los às quatro formas de compreender o multiverso. Contudo, já aviso: mesmo na ausência da matemática, entender (e explicar) esses fenômenos não será uma tarefa fácil. Ao entrarmos no “buraco do Coelho” nos tornaremos uma espécie de “Alice” e, assim como ela, enfrentaremos uma série de situações bizarras; mas, assim como os contos de Cortázar e Borges, estranhamente verossímeis. O interessante dessa viagem é que teremos ao nosso lado a sempre “séria e rabugenta” ciência e como bônus um pouco de literatura para tornar o passeio um pouco mais agradável. Então, boa viagem e bem vindo ao multiverso, o “País das Maravilhas” dos físicos!

Continua…

[1] “Que tipo de passeio vai ser este se basta ver-te para saber que contigo vou molhar a alma, que a água vai subir até o meu pescoço e que os bares cheirarão a umidade e quase sem nenhuma dúvida existirá uma mosca no copo de vinho?” (Julio Cortázar, tradução livre).

HÜLSENDEGER, Margarete Jesusa Varela Centeno . ALICE E O COELHO. REVISTA VIRTUAL PARTES, SÃO PAULO, 12 jan. 2015.

Deixe um comentário