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A geração das novas mídias

Fonte: Guetty Images

A GERAÇÃO DAS NOVAS MÍDIAS

Paulo Custódio de Oliveira[i]

 

Paulo Custódio – Professor do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Letras da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras (FACALE), da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Coordenador do Grupo de Estudo InterArtes, que pesquisa a relação da Literatura com outras artes. E-mail: paulocustodio@ufgd.edu.br.

A dinâmica da vida social precisa ser frequentemente analisada do ponto de vista das mudanças provocadas pela imersão das pessoas na dromosfera, essa realidade tecnológica e informacional cuja velocidade leva as pessoas a um absurdo de “falta de tempo, de compreensão da realidade e de experiências sensíveis”. A rapidez dos eventos imprime novos rumos ao convívio humano. As perguntas, tanto quanto as respostas, são bem interessantes. Como ficará o mundo depois de o termos mergulhado em um número sem precedentes de imagens audiovisuais? Há o temor de que um dia as capacidades cognitivas das máquinas ultrapassem as do ser humano. Isso está registrado em um conjunto vasto de obras literárias, de filmes e agora, de séries.

Assistir mais filmes, ver mais séries, publicar nossas próprias imagens no youtube, ter o celular como companhia, perguntar tudo à internet, são a causa das mudanças no mundo ou essas atitudes e esses aparelhos são uma resposta às mudanças nele ocorridas? As tecnologias criam o novo mundo ou os novos modos de viver solicitam a invenção dos aparelhos. Os filósofos divergem sobre qual seria a maior dessas forças.

No passado, a resposta era uma unificação ou síntese de contrários. Isso parece ser difícil de ser alcançado nos novos tempos. É preciso redimensionar o formato da compreensão. O cenário social está repleto de sujeitos cujas características não se enquadram aos modelos analíticos tradicionais. Ao mesmo tempo, seria possível pensar fora dos quadros da tradição? Não estaríamos sempre compreendendo os problemas novos com a estrutura racional que se consolidou historicamente? É possível “fugir” dela?

Se não é simples definir uma metodologia de abordagem do problema, o seu conteúdo também não é fácil de ser demarcado. Nossa adolescência e juventude estão com o processador de dados completamente acessível porque ainda não construiu os filtros da percepção. Isso lhes dá uma dianteira no aprendizado da rotina de manuseio de certas máquinas. As experiências sensíveis decorrentes desse encontro se instalam mais facilmente no hábito de seus corpos e mentes.

A pouca quantidade de filtros, porém, lhes pesa quando têm que tecer alguma crítica mais distanciada da realidade em que estamos imersos. Ademais, algumas críticas históricas continuam fazendo sentido na contemporaneidade e se encontram dispersas em um número infindável de eventos cotidianos. Os pensadores de nosso tempo têm muita dificuldade para delimitar o problema e emitir opiniões ligeiras. À maneira dos fast-foods, temos que conviver daqui por diante com os fast-thinkers (como disse Pierre Bordieu).

Os críticos de todos os tempos não costumam observarem-se a si mesmos. Tomam-se com boas intenções e seguem adiante no trabalho de observarem o seu entorno. Mas não seria a primeira vez que pessoas muito respeitadas do ponto de vista intelectual erram sobre o encaminhamento a ser dar a coisas com a quais convivem. Sócrates temia a recessão da inteligência caso a escrita se popularizasse. Comenius enfrentou intelectuais poderosos para democratizar o livro didático. Os autores românticos foram acusados de banalização (ou melhor, esquematizam excessivamente o imaginário burguês). Em décadas passadas reclamávamos do achatamento da sensibilidade causado pela telenovela e hoje não nos conformarmos com o enclausuramento midiático deliberado de nossa juventude. De Sócrates ao celular, o que é constante são os problemas decorrentes de uma abertura tecnológica cujas consequências são imprevisíveis.

Paulo Custódio - Professor do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Letras da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras (FACALE), da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Coordenador do Grupo de Estudo InterArtes, que pesquisa a relação da Literatura com outras artes. E-mail: paulocustodio@ufgd.edu.br.

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Diante dessa situação, eu recuso certas respostas simplificadoras: Primeiro, não me junto aos que declaram a recessão das capacidades cognitivas a lá Sócrates. Por certo as mudanças se dão mais rápido que no passado e as consequências coletivas estão mais intensas e amplas. Os processos educativos implícitos no consumo das mídias tendem a aumentar a distância entre o comportamento de uma geração e o da outra. Há uma preocupante uniformização dos mecanismos de apropriação/criação da realidade. Mas, além do movimento em si não ser muito diferente de outros do passado, não se pode extrair disso a conclusão de que a inteligência, de uma forma geral, esteja diminuindo. Pelo visto, ela só não está indo para o lugar que nossas teorias previam.

Em segundo lugar, recuso colocar a questão na perspectiva do conflito de gerações que opõem jovens tecnomaníacos a adultos e idosos tecnofobos. Ainda que os jovens adorem marcar o seu território celebrando suas inegáveis habilidades com os aparelhos, está mais do que evidente que os adultos e, sobretudo os idosos, adoram conviver com eles. Em alguns casos, estes últimos maravilham-se mais intensamente que os primeiros com as novidades e possibilidades descortinadas pela tecnologia e jamais se furtam ao prazer proporcionado por elas.

É preciso evitar dois tipos de respostas rápidas, que ensejam raciocínios simplificadores como a Grande abstração e o Determinismo tecnológico. A primeira é um tipo de pensamento que se isola dos acontecimentos circundantes, impedindo as pessoas de perceberem as peculiaridades de seu tempo. Para ela, o mundo sempre mudou e o que ocorre hoje difere das mudanças do passado por conta de coisas insignificantes, imagens que se sucedem no contínuo das mutações ininterruptas.

Esquece-se que hoje em dia mudamos mais rapidamente que no passado e a tecnologia se desenvolve a partir de si mesma e não de prerrogativas humanistas, que um dia pautaram as conquistas científicas; o segundo caso, o Determinismo tecnológico diz exatamente o contrário: em tudo somos diferentes de nossos antepassados. Por isso, a imprevisibilidade é total. Estamos mergulhados em uma fatalidade incontornável: entregues ao acaso e a falta de referências históricas que nos orientem, não há o que fazer para minimizar os efeitos negativos que percebemos.


[i] Professor do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Letras da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras (FACALE), da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Coordenador do Grupo de Estudo InterArtes, que pesquisa a relação da Literatura com outras artes. E-mail: paulocustodio@ufgd.edu.br.

Sobre o Grupo de Estudos InterArtes/UFGD:

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Criado em 07 de abril de 2014, o InterArtes busca estabelecer institucionalmente pesquisas acerca da relação entre a Literatura e as outras Artes, na FACALE/UFGD. O grupo de estudos está ligado ao projeto de pesquisa “O diálogo contemporâneo da Literatura com outras mídias”, que é desenvolvido junto à Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal desde 2010 e à disciplina “Literatura e outras Artes”, do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Letras (PPG-LETRAS). Atualmente, desenvolve o projeto Cineclube na unidade 2, da UFGD, na sala 07, da FACALE.

Texto publicado também no Blog InterArtes/UFGD

https://interartesufgd.wordpress.com/2016/11/18/artigo-paulocustodio-novasmidias/

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