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O Currículo para a Educação Infantil: algumas reflexões a partir da disciplina de Estágio Supervisionado

O Currículo para a Educação Infantil: algumas reflexões a partir da disciplina de Estágio Supervisionado

Fernanda Duarte Araújo Silva*

Resumo

Esse trabalho apresenta algumas reflexões tecidas a partir de estudos e vivências realizadas durante a disciplina de Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia do Instituto de Ciências Humanas do Pontal (ICHPO) da Universidade Federal de Uberlândia. Foram recorrentes nos relatos das estagiárias questões sobre os trabalhos desenvolvidos nas instituições estagiadas, que muitas vezes priorizam questões referentes às datas comemorativas. Nosso objetivo nesse texto é então dialogar sobre algumas possibilidades de trabalho para essa etapa e quais são segundo estudiosos da área, suas características, viabilidades e limites na busca pela   formação integral das crianças.

Palavras-chave: Estágio Supervisionado. Educação Infantil. Currículo. Infâncias.

Abstract

This work presents some reflections based on studies and experiences carried out during the Supervised Internship Course of the Pedagogy Course of the Pontal Institute of Human Sciences (ICHPO) of the Federal University of Uberlândia. In the reports of trainees, there were recurrent questions about the work carried out in the internships, which often prioritize questions regarding the commemorative dates. Our objective in this text is then to talk about some possibilities of work for this stage and which are second scholars of the area, its characteristics, feasibility and limits in the search for the integral formation of children.

Keywords: Supervised Internship. Child education. Curriculum. Childhood.

Fernanda Duarte Araújo Silva – Doutora em Educação. Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia, Campus do Pontal

O presente artigo foi construído a partir de reflexões tecidas durante a disciplina de Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia do Instituto de Ciências Humanas do Pontal (ICHPO) da Universidade Federal de Uberlândia. Foram recorrentes nos relatos das estagiárias questões sobre os trabalhos desenvolvidos nas instituições estagiadas, que muitas vezes priorizam questões referentes às datas comemorativas. Nosso objetivo nesse texto é então dialogar sobre algumas possibilidades de trabalho para essa etapa e quais são segundo estudiosos da área, suas características, viabilidades e limites na busca pela formação integral das crianças.

A atualidade é marcada por inúmeros estudos e pesquisas acerca da temática do currículo. Encontramos várias definições sobre o que é, quais seus principais elementos, entre outros. Mas ao nos propormos construir um diálogo sobre o currículo na Educação Infantil, identificamos que poucos estudos na área abordam tal temática.

Sabemos que as conquistas para a Educação Infantil ocorreram de forma sistematizada a partir da década de 1980, em especial com a Promulgação da Constituição de 1988 que a destaca a educação como direito de todas as crianças.  Até então nossa legislação brasileira era omissa em relação aos direitos educacionais das crianças. Em seguida outros documentos como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96) vieram reforçar esse direito e colocar a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica.

Apesar de todo esse reconhecimento da Educação Infantil enquanto etapa primordial para a formação de crianças, não havia ainda de forma clara quais seriam os objetivos dessa etapa e como o trabalho deveria ser organizado.

Em 1998 temos a publicação do Referencial Curricular para a Educação Infantil (RCNEI) que tiveram como objetivo orientar as práticas de professores que atuavam nas instituições educativas nesse período. Sabemos que esse material recebeu inúmeras críticas, pela forma como foi organizado, desconsiderando todos os estudos que estavam sendo tecidos no país sobre esse nível de ensino e pelo caráter escolarizante da infância. Mesmo assim, esse foi o material que foi mais utilizado na formação de professores e nas escolas de Educação Infantil para orientação dos trabalhos.

Em 2009 temos a publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, essas de caráter mandatório. Nesse documento encontramos expressos os conceitos de currículo, proposta pedagógica, elementos que devem ser considerados na organização do trabalho pedagógico para a Educação Infantil.

Sobre a função da Educação Infantil na formação das crianças, os estudos atuais são recorrentes em apontar que devemos:

Olhar a Educação Infantil, enxerga-la em sua complexidade e sua singularidade significa buscar entende-la em sua característica de formação de crianças, constituindo espaços e tempos, procedimentos e instrumentos, atividades e jogos, experiências, vivências…em que o cuidar possa oferecer condições para que o educar possa acontecer e o educar possa prover condições de cuidado, respeitando em suas inúmeras linguagens e no seu vínculo estreito com a ludicidade (ANGOTTI, 2010, p.25).

Para Medel (2011) atualmente o currículo deve se voltar para a formação de cidadãos críticos, comprometidos com a valorização da diversidade cultural, da cidadania e preparados para inserção num mundo global e plural.

A seguir apresentamos a forma como muitas instituições tem organizado seus trabalhos na Educação Infantil brasileiras, segundo Ostetto (2000):

-Listagem de atividades: consiste em listar as atividades a serem cumpridas durante os vários momentos da rotina, o que geralmente proporciona longos momentos de espera, pela criança, entre uma atividade e outra, sendo que estas são planejadas pelo adulto que a atende sem que exista muita expectativa deste em atender às necessidades da criança (p.169).

-Datas comemorativas: geralmente composto por festejos dedicados a marcar as várias datas do calendário comemorativo (Carnaval, Páscoa, Dia das Mães etc.). Pode muitas vezes reforçar preconceitos e estereótipos, pois se baseia na concepção de história sob a ótica do vencedor. (Ninguém “comemora” os derrotados.) Também contribui para a estereotipia o fato de que as datas praticamente se atropelam, restando pouco tempo para que sua origem seja realmente aprofundada e compreendida (p.170-171).

-Planejamento baseado em aspectos do desenvolvimento: influenciado pela Psicologia do Desenvolvimento, este tipo de planejamento procura contemplar todas as áreas do desenvolvimento infantil (psicomotor, afetivo, cognitivo, social etc.). As atividades são selecionadas de acordo com o valor que possam ter para o desenvolvimento da criança. Se, por um lado, procura observar a criança como um todo, por outro, peca por vê-la como um ser ideal, situado numa faixa de presumível “normalidade”, e não considera o contexto sócio histórico onde ela se encontra inserida (p.171-172).

Temas geradores / centros de interesse: são elencados temas semanais, supostamente interligados um ao outro, para serem trabalhados em todas as turmas de uma instituição. Partem do pressuposto de que os “temas” despertariam os interesses de todas as turmas envolvidas, do “maternal” ao “pré”. O objetivo deste modelo pedagógico seria ampliar os conhecimentos das crianças, alargando seu universo cultural (p.172-173).

Conteúdos / áreas de conhecimentos: podemos citar como exemplo deste tipo de planejamento o “Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil” (RCNEI) e o “Currículo para a Educação Básica no DF – Educação Infantil / quatro a seis anos”, pois ambos dividem as atividades a serem desenvolvidas:  “Formação Pessoal e Social”, “Conhecimento de Mundo”, “Linguagem Oral e Escrita”, “Conhecimento Lógico-Matemático” e “Natureza e Sociedade”  (p.173-174).

-Projetos de trabalho: o projeto de trabalho parte dos interesses e necessidades apresentado pelos próprios alunos, por isso, nem sempre todas as turmas de uma escola desenvolverão o mesmo projeto. Desse modo, respeitam-se as características de cada grupo, bem como as particularidades de cada indivíduo, levando-se em conta o contexto sócio histórico onde estes estão inseridos (p.174-175).

Apesar desse trabalho ter sido publicado por Ostetto (2000) a quase duas décadas, acreditamos que pouco avançamos em relação a organização do trabalho na Educação Infantil.

Entre as principais críticas a essa forma de se conceber o currículo na Educação Infantil  a partir de uma listagem de atividades é que muitas vezes o intuito é apenas que a criança cumpra as tarefas propostas pelo docente preenchendo o tempo durante o qual permanece na instituição sem causar brigas, bagunça, sujeira, barulho etc, ou seja, que mantenham a disciplina e executem atividades “preparatórias” para o Ensino Fundamental, como pontilhados, colagens com papel crepom, cópias, entre outras.

Sobre o trabalho a partir de datas comemorativas, Ostetto (2000) destaca que o conhecimento se torna, muitas vezes, fragmentado e repetitivo (afinal, todos os anos são “comemoradas” as mesmas datas). O objetivo das comemorações seria fornecer informações às crianças, mas como as crianças são ainda pequenas, as “informações são simplificadas” para que elas possam memorizá-las no curto espaço de tempo destinado a cada comemoração. Assim, acabam transmitindo concepções, muitas vezes equivocadas.

Para Ostetto (2000) práticas pensadas tendo como eixo o desenvolvimento infantil pode gerar conflitos nos critérios de avaliação, pois a criança pode ser avaliada de acordo com as expectativas ideais, descritas nos compêndios de Psicologia, ou levando- se em conta também os aspectos sócios históricos que marcam sua vida? Nessa linha, a autora ainda enfatiza que não nega as contribuições da Psicologia à Educação Infantil, mas é importante que o docente considere que este desenvolvimento se dá em ritmos diversos de acordo com a história de vida da criança, e com as possibilidades oferecidas pelo seu meio ambiente, sem que variações nesse ritmo sejam vistas como “atrasos” ou “deficiências”. “A avaliação não deve apenas identificar tais problemas, mas apontar soluções, caminhos e possibilidades de atuação pedagógica para que a criança possa vir a superá-los com o auxílio dos educadores” (OSTETTO, 2000, p.172).

Os trabalhos por temas geradores e por eixos, segundos documentos como o RCNEI também possuem críticas, na medida que a Educação Infantil pode copiar a divisão por disciplinas do Ensino Fundamental, tornando-se uma espécie de preparação para o Ensino Fundamental.

Os projetos segundo Corsino (2009) também possui críticas:

Ao basear-se na pedagogia de projetos sem levar em conta uma agenda social e política mais definida, os professores arriscam-se a torná-la mais uma técnica educacional, e não uma proposta mais global. Ao ignorar o papel das diferenças culturais, dos mitos e ritos, das cosmologias, dos hábitos e modos de pensar e agir dos diferentes grupos humanos, a pedagogia de projetos pode impor um modo de relação com o mundo unilateral, cognitivista, antropocêntrico e dominante (CORSINO, 2009. p.63).

Mesmo com essas críticas à pedagogia de projetos, acreditamos que ela pode ser uma possibilidade de trabalho interessante pelo fato de ela coadunar com a proposta de instigar a curiosidade infantil. Segundo Katz (1994), podemos conceituar o projeto como:

…uma investigação em profundidade de um assunto sobre o qual valha a pena aprender. A investigação é em geral realizada por um pequeno grupo de crianças de uma sala de aula, às vezes pela turma inteira e, ocasionalmente, por uma criança apenas. A principal característica de um projeto é que ele é um esforço de pesquisa deliberadamente centrado em encontrar respostas para as questões levantadas pelas crianças (KATZ, 1994, p.1).

A prática com projetos parte dos questionamentos das crianças e gera possibilidades para a construção de um trabalho investigativo. Além disso:

Os projetos abrem espaço nos quais a curiosidade das crianças pode ser comunicada com maior espontaneidade, capacitando-as a experimentar a alegria da aprendizagem independente. Os projetos bem-desenvolvidos levam a criança a usar sua mente e suas emoções, tornando-se aventuras em que tanto alunos como professores embarcam com satisfação (HELM, 2005, p.23).

Questões como a aprendizagem significativa, a criança no centro do processo, a relação entre conhecimentos prévios, cotidianos e científicos, a valorização dos saberes das crianças, o respeito à diversidade e a possibilidade de uma prática pedagógica com as diversas áreas do conhecimento, são alguns dos destaques desse trabalho nas instituições escolares.

Segundo Oliveira (2012) todo o esforço atual na construção de um currículo para a Educação Infantil deve estar centrado na construção de modelos pedagógicos que deem voz às crianças, acolha ao modo como elas significam o mundo e a si mesmas e promova diversificadas situações que cuidem da criança, a educando.

Em 2009 as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) instituídas em 1999 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) recebem nova versão. Segundo o documento, esse movimento de revisão e atualização das DCNEI foram pensadas a partir de necessidades da Educação Infantil, tais como o alinhamento às Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, além da necessidade de pontuar questões específicas dessa área, como faixa etária, critérios de matrícula, relação com a família e com o conhecimento e a necessidade de incorporar os avanços presentes na política, na produção científica e nos movimentos sociais.

Para Oliveira (2010) dada a importância das DCNEI (2009) como instrumento orientador da organização das atividades cotidianas das instituições de Educação Infantil, é importante que os profissionais das instituições de Educação Infantil possam dialogar sobre elas e aproxima las das práticas pedagógicas, no intuito de criar coletivamente, um ambiente de crescimento e aperfeiçoamento humano que contemplem as crianças, suas famílias e a equipe de educadores.

É importante destacar que segundo as DCNEI (2009) o currículo da Educação Infantil deve ser organizado a partir de dois eixos que são: as interações e as brincadeiras. Em linhas gerais, percebemos que a Educação Infantil já possui desde 2009 um documento, que são as DCNEI que devem orientar a construção de seus currículos. Identificamos que questões sobre o que devemos priorizar no trabalho, possíveis metodologias a serem utilizadas, como avaliar e como pensar o processo de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental são abordados de forma clara nessa legislação. Assim, o que precisamos na atualidade são de investimentos dos governos municipais, estaduais e federais, para a reestruturação dos espaços físicos das instituições e para a formação dos profissionais, para que possam repensar e reorganizar as práticas desenvolvidas nessa etapa de ensino. Esse é o nosso desafio.

REFERÊNCIAS

ANGOTTI, Maristela. Educação infantil: para quê, para quem e por quê?  In: ANGOTTI, Maristela (org.). Educação infantil: para quê, para quem e por quê? Campinas, SP: Alínea, 2010.p.15-32.

BRASIL.  Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. 10. ed. Brasília: Senado Federal, 1998. Disponível em: <http://www.mec.gov.br >. Acesso em 01 jul. 2013.

______. Lei 8.069/90 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente

. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2001. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em 05 jul. 2013.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. Disponível em: <http://www.mec.gov.br >. Acesso em 10 jul. 2013.

______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.

______. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC, 2009. Disponível em: <http://www.mec.gov.br >. Acesso em 10 jul. 2016.

CORSINO, Patrícia. Introdução. In: CORSINO, Patrícia. Educação Infantil: cotidiano e políticas. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. p.1-14.

HELM, Judy Harris. Os desafios contemporâneos na Educação Infantil. In: HELM, Judy Harris; BENEKE, Sallee (orgs.). O poder dos projetos: novas estratégias para a Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2005.p.13-26.

KATZ, Lilian G. The Project approach. Champaign, Il: ERICA Clearinghouse on Elemtary and Early Childhood Education, 1994.

MEDEL, Cássia Ravena Mulin de A. Educação Infantil: da construção do ambiente às práticas pedagógicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Bases para se pensar uma proposta pedagógica para a Educação Infantil. In: GARMS, Gilza Maria Zauhy; RODRIGUES, Sílvia Adriana (orgs.).  Temas e dilemas pedagógicos da Educação Infantil. Campinas, SP: Editora Mercado de Letras, 2012.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. O Currículo na Educação Infantil: O Que Propõem as Novas Diretrizes Nacionais? Anais do I Seminário Nacional: Currículo Em Movimento – Perspectivas Atuais. Belo Horizonte, novembro de 2010.

OSTETTO, Luciana Esmeralda (Org.). Planejamento na educação infantil mais que a atividade, a criança em foco. In: OSTETTO, Luciana Esmeralda (Org.). Encontros e encantamentos na educação infantil: partilhando experiências de estágios. Campinas: Papirus, 2000.

*Doutora em Educação. Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia, Campus do Pontal.

Como citar esse artigo:  SILVA, Fernanda Duarte Araújo. O Currículo para a Educação Infantil: algumas reflexões a   partir da disciplina de Estágio Supervisionado. Revista Partes, São Paulo, 2018. p.1-6.

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