Educação

A educação, a exclusão e a violência simbólica

 

Cláudia Maria Soares Rossi [1]

Resumo

         O texto traz uma reflexão sobre a “violência simbólica” que está presente nas escolas por meio do não respeito às identidades e menosprezo às diferenças. Traz à tona a questão da escola inclusiva como aquela que se livra dos preconceitos e estereótipos e promove a cultura do respeito e da tolerância à todos os grupos que a constituem por meio de currículos bem estruturados para isso. Ainda trabalha conceitos de representação e sistemas classificatórios como importantes elementos na luta contra a exclusão no âmbito escolar.

Palavras-chave: Violência Simbólica. Identidade. Diferenças. Escola. Currículo.

Abstract

The text brings a reflection on the “symbolic violence” that is present in schools by not respecting identities and disparaging differences. It brings up the issue of inclusive school as one that gets rid of prejudices and stereotypes and promotes a culture of respect and tolerance to all groups that constitute it through its well-structured curricula for this. It still works concepts of representation and classification systems as important elements in the fight against exclusion in the school. context.

Keywords: Symbolic Violence. Identity. Differences. School. Curriculum.

 

Introdução

     A escola, durante toda sua história, tem apresentado uma educação que privilegia alguns grupos que “se enquadram” nos padrões homogeneizados da mesma.  Essa exclusão dos grupos que “não se enquadram” foi sendo legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social.  A Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases e vários outros documentos falam de uma escola aberta, pluralista, para a qual todos devem ter a garantia de acesso e permanência.  Porém, o que se percebe é que só existe investimento na permanência de alguns grupos. Os demais estão fadados ao fracasso escolar, isso visto de forma naturalizada.

A pedagogia não consegue se desvincular dessa escola conservadora, portanto, segregações de grupos e rótulos são construídos, baseados em parâmetros como inteligência, problemas familiares, classes sociais, talentos e “aptidões”.  Assim sendo, os que não estão dentro dos parâmetros definidos pela educação acabam sendo excluídos, perdendo o que seria seu direito social. Eles nem reclamam porque acabam vendo isso como um processo natural e legitimado. Afinal de contas, esses são despossuídos do capital cultural esperado e predeterminado pela escola, acabam tornando-se presenças ausentes, corpos marcados pela rejeição, física e simbólica, vistos como socialmente desqualificados e, por conseguinte, inadequados às práticas escolares. Estes sujeitos não conseguem adentrar em determinados espaços sociais, são excluídos e vivem à margem da sociedade. (BOURDIEU, 1998).

Desenvolvimento

No mundo escolar, várias são as práticas, estratégias e representações, de forma até inconsciente, que acabam sabotando as possibilidades dos excluídos de se apropriarem dos conteúdos e do espaço social da escola.  Muitas dessas práticas, que promovem preconceitos e exclusões, podem ser percebidas em discursos de estereótipos relacionados às particularidades de pessoas que não pertencem ao grupo dominante. Os sujeitos que não estão no quadro da “homogeneidade”, são vistos pelas suas limitações e não como humanos que socialmente foram construídos. O que tem prevalecido é a cultura do não às diferenças raciais, culturais, de gênero, religiosas, familiares, de origem social, a certos talentos e habilidades, a aspectos ligados ao físico e demais generalizações.

Bourdieu (1998) classifica essa imposição de cultura como “violência simbólica”. É justamente essa violência simbólica que permite à escola reproduzir relações de dominação, ou seja, exercer o domínio para que os sujeitos pensem e ajam de tal forma que não percebam que acabam por legitimar a ordem vigente, colaborando assim para o aumento da desigualdade social e subtração dos direitos.

A “violência simbólica” pode ser percebida em discursos que rotulam alunos como inferiores, sem um diagnóstico prévio, nos primeiros dias de aula, sendo classificados como os “problemáticos”. Estigmatizados, muitos sujeitos sofrem por ideologias educacionais normalistas que expõem que eles não aprendem, são mais lentos na aprendizagem ou que a deficiência ou a classe atrapalham sua aprendizagem. Essas crianças são fadadas a carregar o peso dos estigmas de “incapacitados”, “deficientes” e “especiais”. (ARANHA, 2001).

Para a quebra dessa naturalização de “bons e desajustados” e realmente construir uma escola que garanta o ingresso, a permanência e o sucesso dos sujeitos que a frequentam, muitas mudanças são necessárias no sistema educacional e na forma de pensar a educação por parte daqueles que a lideram e estão nas salas de aulas.

O respeito e a tolerância devem ser a palavra de ordem nessa sociedade moderna composta de tantas diversidades e diferenças.

Os movimentos sociais na atualidade têm dado uma enorme ênfase aos direitos humanos, à dignidade, à formação de valores, ao respeito às diferenças, exigindo da escola que ela passe de adestradora àquela que favorece uma formação pluridimensional e de vivências mais plenas. (JESUS e EFFGEN, 2012).

Nesse sentindo, como podemos examinar identidades e diferenças?

Usando os conceitos de Woordward, a identidade é relacional, é marcada pela diferença, ou seja, ser um “normal” é ser um “não deficiente”. A diferença é sustentada pela exclusão: se você é “deficiente”, você não pode ser normal e vice-versa. (WOODWARD, 2014).

A identidade também está vinculada a condições sociais e materiais. Se um grupo é simbolicamente marcado por estereótipos, ele sofrerá efeitos reais, pois, será socialmente excluído. Surgem as representações, que ligam a identidade e a diferença a sistemas de poder.

A representação, compreendida como um processo cultural, que produz significados, estabelece identidades individuais e coletivas, tornando possível aquilo que um sujeito ou grupo é e aquilo no qual pode se tornar. A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos e posicionam os sujeitos. Todas as práticas de significação envolvem relações de poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído, quem são os “outros” ou forasteiros. (WOODWARD,2014).

As identidades são construídas por meio da marcação da diferença, sendo que esta ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação, quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade depende das diferenças, sendo que nas relações sociais essas formas de diferenças são estabelecidas por sistemas classificatórios.

Cada cultura tem distintamente sua forma de classificar o mundo e é essa forma consensual, sobre como classificar as coisas e pessoas, que faz com que alguma ordem social se mantenha. A produção de categorias pelas quais os indivíduos que transgridam são relegados ao status de “forasteiros”, faz parte de um sistema cultural de classificação cujo objetivo é a criação da ordem. As culturas. ao criarem esses sistemas classificatórios, estabelecem fronteiras simbólicas entre o que está incluído e o que está excluído, se organizam de acordo com os princípios da classificação e diferença, envolvendo comportamentos sociais repetidos ou ritualizados.

A identidade, porém, não é rígida, ela é fluida e deve ser vista como uma questão de “tornar-se”. Os sistemas classificatórios não podem explicar, de forma isolada, o grau de investimento pessoal que os indivíduos têm nas identidades que assumem. Portanto, o ideal é que os que reivindicam uma identidade sejam capazes de se posicionar por si próprios e de reconstruir e transformar as identidades históricas, construídas por meio de um passado comum ou por participação em determinados “campos sociais”. Bourdieu chama de campos sociais as diversas instituições das quais participamos com diferentes graus de autonomia e escolha. (BOURDIEU, 1998)

Vivemos um tempo de mudanças de identidades em diferentes escalas. As relações familiares, de trabalho, de política têm mudado e a etnia, a raça, o gênero, a sexualidade, a idade, a incapacidade física, a justiça social e preocupações ecológicas têm produzido novas formas de identificação.

É necessário o reconhecimento que a sociedade moderna, caracterizada por intensas e expressivas transformações culturais, tem exigido a revisão das antigas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social e agora estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um “sujeito unificado”. (BOURDIEU, 1998)

A identidade tem importância porque existe uma crise da identidade em diferentes níveis: global, local, pessoal e político. Os processos históricos que amparavam a formação de certas identidades estão entrando em “crise” e novas identidades estão sendo moldadas por meio da luta e da contestação política. (WOODWARD, 2014).

Há de se pensar que cada sujeito carrega consigo elementos históricos que trazem opiniões e vivências coletivas que repercutem na construção cultural, social e política da sua identidade.

A concepção de diferença é essencial ao processo de construção cultural das identidades, porém, ela pode ser construída negativamente, por meio da exclusão ou marginalização daqueles que são “diferentes”, ou pode ser vista como enriquecedora – como fonte de diversidade, heterogeneidade e hibridismo. (HALL, 2014).

Questionar a identidade e a diferença é essencial para a crítica aos sistemas de representação que dão suporte e sustentação ao poder. As implicações pedagógicas e curriculares dessas conexões entre identidade e representação são explicitamente perceptíveis. A função da escola é ajudar para que crianças e jovens desenvolvam capacidades de crítica e questionamento dos sistemas e das formas dominantes de representação da identidade e da diferença. (SILVA, 2014)

Considerações Finais.

         A “diferença” é um elemento central nos sistemas classificatórios por meios dos quais os significados são produzidos. Os significados fornecem novas formas de se dar sentido à experiência das divisões e desigualdades sociais e aos meios pelos quais alguns grupos são excluídos e estigmatizados. (WOODWARD,2014).

         Urgente se faz a atenção para uma ressignificação da escola e do currículo como um espaço de que luta contra a exclusão dos que não se “enquadram” nas identidades homogêneas. Novas formas de participação de sujeitos sociais com representação minoritária devem ser planejadas de forma a fazer com que os currículos sejam mais inclusivos.

         A busca pela redução das desigualdades sociais se dá não apenas com o discurso de universalização da educação, mas a partir da mudança do olhar sobre os currículos, que devem deixar de serem hegemônicos, para serem multiculturais incluindo metodologias explícitas para trabalharmos aspectos da diversidade de nossa sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARANHA, Maria. S. F. Paradigmas da relação da sociedade com as pessoas com deficiência. Revista do Ministério Público do Trabalho, 21, 160-173.2001.

BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 39-64.

HALL, Stuart. Quem precisa de Identidade? In: SILVA, Tomaz T.(Org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2014.

JESUS, Denise M; EFFGEN, Ariadna Pereira Siqueira. Formação docente e práticas pedagógicas Conexões, possibilidades e tensões. In: GALVÃO FILHO, T.A.; MIRANDA, T.G. O professor e a educação inclusiva: Formação, Práticas e Lugares. Salvador, EDUFBA, 2012.

SILVA, Tomaz T. A produção Social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz T.(Org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2014.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz T.(Org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2014.

[1] Pedagoga, Mestra em Educação.  E-mail: claudiamariasoares@hotmail.com

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