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O desafio da interculturalidade em práticas institucionais

Simone Alves Scaramuzza*

Genivaldo Frois Scaramuzza**

Orlandina de Souza***

Eliete de Souza Oliveira****

Resumo: A pesquisa em tela refere-se a estudos que estão sendo desenvolvido a respeito da interculturalidade em práticas institucionais produzidas no curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural da UNIR. O principal objetivo é levantar e analisar os discursos institucionais sobre a interculturalidade dispostos em regulamentos, conhecimentos acadêmicos, didáticas e práticas pedagógicas instituídas no âmbito do curso a partir de ações institucionais.

Palavras-Chave: Interculturalidade. Institucional. Povos Indígenas. Universidade.

 

Introdução 

A partir dos anos sessenta do século XX, muitas são as discussões e debates em torno da interculturalidade.  Esse conceito vem sendo elaborado em função dos movimentos indígenas e negros em todo o contexto da América latina (WALSH, 2015). Assim, buscamos expressar neste artigo, o modo de como o conceito vem sendo discutido em contextos institucionais, a fim de permitir reflexões sobre o modo pelo qual os principais povos interessados vêm sendo pensado no interior dos aparelhos de estado.

Neste sentido, entendemos ser importante pensar o modo de como as instituições vem produzindo relações institucionais junto aos povos indígenas. Para melhor visualizar esse processo, propomos neste texto, algumas reflexões a respeito do conceito de interculturalidade de modo a produzir indagações da relação deste conceito aos dispositivos institucionais.

Desenvolvimento 

Como á foi observado, o estudo possui como conceito principal, as abordagens a respeito da interculturalidade. Entendemos que a interculturalidade,

[…] debe ser entendida como designio y propuesta de sociedad, como proyecto político, social, epistémico y ético dirigido a la transformación estructural y socio-histórica, asentado en la construcción entre todos de una sociedad radicalmente distinta. Una transformación y construcción que no quedan en el enunciado, el discurso o la pura imaginación; por el contrario, requieren de un accionar en cada instancia social, política, educativa y humana (WALSH, 2010, p. 79).

 A interculturalidade tem sido definida em resposta a lógica multiculturalista “[…] por plantearse justamente como limite sólo el reconocimiento de un relativismo cultural, cuando la realidade lationamericana exige estar más allá de este reconocimiento formal y nominal de la diversidade y pluralidade cultural” (VIAÑA, 2010, p. 10). Estar além do reconhecimento da existência da diferença tem sido um desafio, sobretudo para os grupos historicamente excluídos que em função de suas lutas e pressões junto ao padrão hegemônico de poder, tem mostrado não só suas existências físicas enquanto sujeitos com projetos distintos, mas assinalado um conjunto de mecanismos de produção de suas sociedades que diferem daqueles herdados do processo colonial de conquista (DUSSEL, 1993).

O termo interculturalidade, tem principalmente, nos últimos anos, feito presente em um conjunto de práticas documentais, políticas, ideologias, conceitos e epistemologias que alimentam discursos em torno das identidades/diferenças. Os novos significados dessas identidades/diferenças têm impelido o aparecimento, no contexto da América Latina, de inúmeras discussões e propostas que buscam ressignificar a ideia de multiculturalidade, avançando em direção a instituição de um novo conceito que expresse processos relacionais de trocas de saberes, experiências e projetos de vida, denominado então de interculturalidade.

 A este respeito, Fleuri (2003) destaca que “as propostas de trabalho intercultural surgiam principalmente a partir da emergência das identidades indígenas que buscam defender seus direitos” (FLEURI, 2003, p. 22), registrada de forma original na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394 de 1996.

Podemos dizer que nas últimas décadas vem sendo ampliadas as pesquisas que buscam compreender a interculturalidade não apenas como conceito, mas também como prática. Apesar do grande número de estudos sobre a interculturalidade, poucos trabalhos fazem referência ou buscam compreender, como esse conceito é percebido e produzido pelas instituições que diretamente trabalham com as diferenças. Pressupomos que o discurso da interculturalidade deve produzir reações no âmbito institucional, em especial, deslocar categorias e práticas fechadas. A interculturalidade tem sido distribuída em programas formativos em diversos níveis, e vem permeando políticas públicas, bem como, estratégias pedagógicas diversas.

Neste sentido, a partir de 2019,  estamos elaborando estudos que buscam verificar a interculturalidade em contextos institucionais, isso porque não dispormos de um referencial que de conta de mostrar como nas instituições as diferenças culturais estão sendo processadas para além da simples inclusão desses sujeitos. Questões de como o conceito é interpretado, quais percepções os estudantes indígenas possuem da instituição, que estratégias são implementadas enquanto pedagogia das diferenças, como os regulamentos e normativas institucionais dialogam com essas diferenças constituem questões de pouco conhecimento. É neste sentido que esta pesquisa está sendo pensada, haja vista não penas produzir um levantamento das situações mencionadas, mas discorrer e mostrar a possíveis facetas da instituição com relação a presença dos povos indígenas em seu meio.

Considerações Finais

A interculturalidade, sobretudo a crítica (WALSH, 2010) tem sido apontada como a capacidade que grupos distintos teriam em produzirem inter-relações sem que as características que definiriam suas marcas identitárias se perdessem nesta dinâmica interativa. Nestes termos, entrar e sair de relações interculturais sem que se anulem as características “definidoras” das sociedades em interação, seria uma das características fundantes deste princípio.

No âmbito desta discussão, consideramos ser oportuno elencar algumas concepções de interculturalidade que tem sido sugerido por alguns autores latino americanos, com destaque para Tapia (2010); Candau; Russo (2010); Walsh (2010). Tapia (2010) tem argumentado na possível existência de uma Interculturalidade do tipo colonial. Para este autor, esta interculturalidade, refere-se ao “[…] producto de la instauración del dominio colonial, es decir, de la imposición de una estructura social, política y económica de poder sobre los pueblos originários” (TAPIA, 2010, p. 64) .

Candau e Russo (2010) têm destacado que o processo histórico de conquista foi significado por um tipo de violência etnocêntrica cuja tônica referia-se a imposição da cultura europeia sobre os significados produzidos pelas culturas indígenas. Destaca-se que desde o início da década de 90 do século XX, a formação de professores indígena tem sido pauta de programas formativos em inúmeras universidades brasileiras, mas que somente no último decênio do século é que houve a normatização da formação desses povos. A este respeito, Alves (2012, p. 56) destaca que:

No sentido de garantir uma educação específica e diferenciada, voltada para a interculturalidade e o bilinguismo, entre outras finalidades, no ano de 2001 foi promulgada a Lei 10.172/01 que estabelece as condições de funcionamentos das licenciaturas interculturais voltadas especificamente à formação de professores indígenas em nível superior.

Podemos dizer que a interculturalidade constitui-se em um princípio basilar na formação de docentes indígenas no Brasil, o que nos leva a acreditar que existe em funcionamento um conjunto de políticas institucionais que foram/estão sendo construídas a partir deste referencial. Neste sentido, a pesquisa que está se desenhando, pretende observar como este conceito possui aderência às práticas/discursos institucionais.

 

Referências

DUSSEL, Henrique. O encobrimento do outro: origem do mito da modernidade. Petrópolis: vozes, 1993.

FLEURI, Reinaldo Matias. Intercultura e educação. Revista brasileira de educação. n. 23, Mai./Ados. 2003.

SÁ-SILVA, Jackson Ronie; ALMEIDA, Cristóvão Domingos de; GUINDANI, Joel Felipe. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Ano I – Número I – Julho de 2009.

SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. Entrevista na pesquisa em educação – uma arena de significados. In: COSTA, Marisa Vorraber. Caminhos investigativos II: outros modos de pesquisar e fazer pesquisa em educação. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007.

TAPIA, Luis. Formas de interculturalidad In: VIAÑA, Jorge; WALSH, Catherine. Interculturalidad Crítica. La Paz: Instituto internacional de integración, 2010.

VIAÑA, Jorge. Reconceptualizando la interculturalidade. In: VIAÑA, Jorge; WALSH, Catherine. Interculturalidad Crítica. La Paz: Instituto internacional de integración, 2010.

WALSH, Catherine. Estudios (inter)culturales en clave de-colonial. Tabula Rasa. Bogotá – Colombia, n.12: p. 209-227, Enero-Junio, 2010.

* Mestre em Educação (UCDB), supervisora educacional da Secretaria Municipal de Educação da cidade de Ji-Paraná – RO.

** Doutor em educação (UCDB), professor da Universidade Federal de Rondônia – UNIR.

* ** Acadêmica do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultura da UNIR.

* ***Acadêmica do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultura da UNIR.

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