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A Universidade como cérebro para gestores: Educação Superior e Autonomia Universitária

 Jader Luís da Silveira*

Resumo

Jader Luis da Silveira Professor e Biólogo. Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG. MBA Executivo em Saúde e Especialista em Análises Clínicas e Microbiologia pela Universidade Candido Mendes – UCAM. E-mail: jaderbio@outlook.com

A complexidade das Instituições Federais de Educação Superior (IFES) é uma característica peculiar dessas instituições. O objetivo desse trabalho é identificar os principais desafios para que a autonomia universitária seja respeitada nas IFES. Para isso, foi realizada uma metáfora da Universidade vista como um cérebro e os desafios de seus gestores. Concluiu-se que o gestor, juntamente com a comunidade deve lutar pela autonomia, além da busca dos direitos serem respeitados.

Palavras-chave: Autonomia, Educação, Gestores, Universidade.

Abstract

The complexity of Federal Higher Education Institutions (FHEI) is a peculiar feature of these institutions. The objective of this paper is to identify the main challenges for university autonomy to be respected in IFES. To this end, a University metaphor was seen as a brain and the challenges of its managers. It was concluded that the manager, together with the community must fight for autonomy, in addition to the pursuit of rights being respected.

Keywords: Autonomy. Education. Managers. University.

  1. Introdução

As Instituições Federais de Educação Superior (IFES), a exemplo do que afirma Morgan (1996), são organizações onde a informação, o conhecimento e o aprendizado são recursos-chaves, sendo a inspiração de um cérebro vivo, capaz de aprender e ter ideias. A universidade possui como suas atividades básicas, o ensino, a pesquisa e a extensão, que por sua vez, necessitam de dirigentes para cada divisão, tais como diretorias, subdiretorias, departamentos, faculdades, escolas, etc. Tais atividades também remetem a imagem de um cérebro e suas subdivisões para seu devido funcionamento.

As universidades são instituições complexas, devido as atividades que elas exercem e a diversidade de pessoal atuante como os seus servidores, docentes, discentes e ao seu papel na sociedade. Juntamente com toda essa complexidade, as IFES ainda enfrentam vários desafios como aspectos ligados ao orçamento, luta pela sua autonomia universitária, desvalorização por parte dos governos e exigências legais e normas de entidades reguladoras.

Esse estudo foi desenvolvido a partir da apresentação de Gareth Morgan da ideia das organizações vistas como cérebros. Após isso, será realizada uma abordagem da gestão de instituições federais de educação superior como um cérebro, de acordo com a sua estrutura e seus dirigentes. A conclusão busca voltar ao enunciado, entender a organização das IFES e ressaltar a importância da autonomia universitária.

  1. Referencial Teórico

2.1. A Gestão de Instituições de Ensino e as Legislações vigentes

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96) é a legislação que regulamenta o sistema educacional brasileiro, seja ele público ou privado, abrangendo a educação básica ao ensino superior.

O artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (2017), afirma que “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.

De acordo com a LDB, a educação escolar se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. Nesse sentido, a educação é um direito de todos, considerando desde a educação básica e chegando ao ensino superior. Porém, na prática, observa-se uma desigualdade social para o ingresso, permanência e conclusão da graduação de vários estudantes.

Diante do cenário de desigualdades presente no ensino superior, o gestor responsável por qualquer instituição de ensino, deve manter-se atento as legislações, buscando métodos justos e que garantam a permanência do estudante até a conclusão de seu curso. A meta 19 do PNE 2014/2024 cita a

“gestão democrática da educação assegurar condições, no prazo de dois anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto”.

Desse modo, o gestor deve tomar as suas decisões orientadas por critérios pedagógicos, proporcionando melhorias para o processo ensino-aprendizagem, e o bom andamento da escola. Vaz (2008) relata que as atividades fundamentais para a gestão devem ser consideradas em conjunto, para entregar ao público-alvo uma melhor qualidade do produto ou serviço.

Betlinski (2013) propõe integrar os objetivos individuais (do trabalhador) e os objetivos empresariais, focando em uma gerência mais participativa e inovadora. Nessa perspectiva, o gestor deve se manter atento frente a sua postura e ao projeto político pedagógico. Esse projeto político pedagógico deve ser visto como um processo continuado e adaptativo e não apenas como apenas uma obrigação legal.

Kaufmann (2014, p. 39), relata que “as constantes mudanças que vêm ocorrendo no mundo de hoje exigem do gestor um perfil mais aberto a novas ideias, voltado para a participação de todos.” O autor ainda alerta que “para isso, uma das características fundamentais para o processo participativo é o que se refere à questão da liderança”. E continua destacando que “o gestor deve ser um líder, atento às questões administrativas, pedagógicas e de relacionamento interpessoal” (KAUFMANN, 2014, p. 39).

No momento em que a gestão ganha êxito, os ganhos não são apenas do indivíduo que ocupa o cargo, mas de toda a comunidade envolvida, com pais, equipe e professores com uma relação harmônica, visando a formação acadêmica e cidadã efetiva dos alunos de hoje, que representam o futuro da nação. No caso das IFES, tais ganhos dependem da autonomia universitária e suas prerrogativas.

2.2. A Autonomia das Instituições Federais de Educação Superior

A autonomia universitária incluída na Constituição Federal de 1988 vem gerando debates sobre a função da universidade, pois tal conceito não é juridicamente claro, particularmente no que diz respeito a entidades de direito público. A autonomia está pautada nas atividades fundamentais da universidade: ensino, pesquisa e extensão.

No seu artigo 207, a Constituição Federal garante que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa, e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Dessa forma, torna-se fundamental a defesa da autonomia universitária e todas as suas conquistas para as instituições.

Contudo, a expansão do ensino superior não acompanhou a legislação. A maior preocupação das universidades está relacionada a autonomia administrativa, como os aspectos financeiro, orçamentário e contratação de pessoal, através das restrições impostas por decretos.

Figura 1 – A Universidade, considerando a autonomia e seus limites na CF e também o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Fonte: autoria própria (2019).

O preceito autoexplicativo do texto da Constituição, gera interpretações de que não seja necessária a sua regulamentação. Mesmo com o reconhecimento de que a universidade deve ter a liberdade de caminhar por si mesma, determinando seus currículos, pesquisas, cursos, além de seus regulamentos internos, a autonomia universitária foi controlada várias vezes por medidas legais.

O Ministério da Educação por possuir grande poder normativo, controla a regulamentação e credenciamento de cursos, estabelece salários e remunerações, fazendo com que a autonomia não ocorra de fato. As leis serviram para moldar a autonomia universitária aos interesses políticos e econômicos, em diferentes períodos. Indicando assim, que elas foram utilizadas para direcionar a autonomia segundo propósitos de determinados grupos e reforçar a tutela dos governos (AMARAL, 2018).

A autonomia cria mecanismos para a universidade aprender a andar por si mesma, encontrar os seus próprios caminhos, sem esperar que tudo lhe seja determinado por um instrumento legal. Dessarte, a autonomia não está restrita a uma norma e sim amplia os seus limites dentro dos campi universitários. É uma autonomia construída pela ação de docentes-pesquisadores, funcionários e alunos.

A eficiência da autonomia universitária somente faz-se presente quando é obedecido o tripé professores-técnicos-alunos. Porém o nível de representação, em muitas das vezes, não é obedecido em grande parte das IES, onde o número de representantes discentes é inferior quando comparado aos docentes e técnicos. Os colegiados devem manter um número de representatividade com maior igualdade entre os integrantes do citado tripé, que por sua vez não é respeitado.

Mesmo com a representatividade dos integrantes, a autonomia universitária não quer dizer independência. A universidade é um ente da administração pública, sendo submetida as leis e princípios constitucionais da administração pública. O marco da autonomia é a importância do reconhecimento da autonomia da universidade, pois ela não pertence a nenhum governo (AMARAL, 2018).

As normas vigentes atualmente já garantem toda a autonomia da universidade, porém a comunidade universitária deve lutar contra a interferência do governo nos processos internos aos da universidade (FÁVERO, 2000). Os gestores das instituições de ensino superior devem buscar a união para o enfrentamento das ações dos governos que buscam o enfraquecimento da autonomia.

O exercício das autonomias acadêmica, administrativa, de gestão financeira e patrimonial não constitui um meio para a universidade cometer ou esconder erros, crises e carências, mas um importante avanço nas dimensões necessárias. Assim, é de extrema importância, os gestores e a comunidade universitária buscarem direitos para que a autonomia seja cumprida em sua plenitude.

A autonomia faz com que seja incrementado a responsabilidade política pelas decisões, a internalização da cultura do planejamento e da eficiência de gestão, e o desafio de articular qualidade acadêmica, foco no mérito, com compromisso social, foco na inclusão, e compromisso econômico, foco na inovação tecnológica.

A gestão democrática precisa ser uma prioridade na construção da autonomia universitária. A ampliação ou redução da autonomia universitária não dependem exclusivamente de uma lei externa, mas antes, têm relação direta com a ação política de professores, funcionários administrativos e estudantes de cada instituição. Isso significa que, se quisermos uma universidade mais autônoma, temos que lutar politicamente por ela.

  1. Discussões

A luta da autonomia da universidade ocorre quando seus dirigentes tenham habilidades gerenciais e conhecimentos para lidar com diferentes situações frente ao cenário atual. Contudo, é muito comum que os docentes que assumem cargos de diretores de unidades acadêmicas, departamentos pró-reitoria ou ainda a reitoria, não possuam tais conhecimentos. Essa ausência de conhecimentos ligados a gestão pode influenciar em tal luta pela autonomia universitária, afetando assim no cotidiano das atividades e nos serviços prestados pela instituição.

Fatores como o tempo disponível para as atividades do cargo, a quantidade de reuniões e eventos que exigem a presença de um dirigente; o número de portarias a serem lidas; e as ações emergenciais cotidianas são alguns dos desafios que um gestor pode enfrentar durante a sua passagem pelo cargo. A divisão de tarefas e a participação de toda a equipe e comunidade é algo de extrema importância para o desenvolvimento da Universidade.

A ausência de conhecimento prévio sobre a função e sobre aspectos de gestão, as divergências relacionais de subordinados, administrativas e pessoais também são acrescidas às principais adversidades dos novos gestores de IFES, sobretudo das universidades. Os docentes que assumem cargos relacionados a gestão, deparam-se com a ausência de informações das gestões passadas, o que dificulta mais o trabalho. Esses aspectos devem ser repensados para que o cenário seja modificado. Com as adversidades citadas e partindo da metáfora do cérebro, a visão de autonomia pode ser ferida nos momentos em que são resolvidos tais impasses.

  1. Conclusões

O cargo de gestor exige conhecer e executar processos de avaliação institucional e de desempenho dos servidores, e a criação de políticas para o ingresso, permanência e conclusão de curso dos discentes. Conforme Morgan (1996), deve-se “iniciar ações corretivas quando discrepâncias forem detectadas” para evitar um feedback negativo, como no momento de assumir o cargo e ao longo de toda a sua passagem. Assim como um cérebro que aprende em todos os momentos e situações, o gestor visto também como uma parte do cérebro da universidade, deve manter-se aberto para formação e capacitações para tal cargo.

Mesmo que o novo gestor já possua experiências ligadas a direção na universidade, é preciso ter em mente que cada momento é único, o cargo ocupado pode estar em um grau de hierarquia maior e a equipe nem sempre é a mesma. Saber conviver com as divergências é um fator fundamental para o sucesso da instituição. Pode-se dizer que se o gestor não tenha uma postura adequada ou não saiba dirigir corretamente a sua unidade, na analogia feita com o cérebro, seria como se esse órgão tivesse com um ponto central falho, podendo gerar problemas em outras funções do corpo, mesmo que não seja próxima do sistema nervoso. Dessarte, mesmo que a direção não sofra com interferências de uma má gestão, algum servidor ou aluno poderá ter algum serviço defasado.

A gestão tida como o cérebro da universidade, terá meios para comandar as outras funções do organismo, exercendo ligações com os diversos setores e proporcionando um ensino de qualidade. Importante lembrar que, assim como o cérebro trabalha em conjunto com os demais órgãos e sistemas, a gestão universitária não trabalha sozinha. Os gestores universitários no exercício de sua função, devem buscar a gestão democrática e participativa, auxiliando os gestores e as IFES a melhorarem seus processos de planejamento e acompanhamento desses profissionais e nas atividades cotidianas.

A metáfora utilizando o cérebro e a inteligência é um ponto chave para os gestores universitários. Ao mesmo tempo que a gestão é vista como o cérebro pela universidade, devido a sua grande importância para o desenvolvimento da instituição, torna-se necessário também que exista a inteligência. Essa inteligência pode ser vista de duas formas: a primeira no sentido de o dirigente adotar a gestão democrática e participativa, obtendo assim melhores resultados para a própria IFES, e a segunda, no sentido de o próprio docente buscar capacitação para o cargo de gestão assumido, buscando conhecimentos e estudos ausentes em sua formação que são essenciais para o exercício de tal função e garantir a autonomia universitária.

Referências Bibliográficas

AMARAL, Nelson Cardoso. Autonomia e financiamento das IFES: desafios e ações. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 13, n. 3, p. 647-680, nov. 2008.

BETLINSKI, Carlos. Práticas e Perspectivas de Democracia na Gestão Educacional. São Paulo: Paulus, 2013.

FÁVERO, Maria de Lourdes A. Autonomia universitária mais uma vez: subsídios para o debate. In: SGUISSARDI, Valdemar (Org.).  Educação superior: velhos e novos desafios.  São Paulo: Xamã, p. 179-196. 2000.

FEDERAL, Supremo Tribunal et al. Constituição da República Federativa do Brasil. Supremo Tribunal Federal, 1988.

KAUFMANN, C. Barreiras de uma gestão democrática: Dificuldades encontradas para que a Democracia se consolide na gestão. Unoesc & Ciência – ACHS, Joaçaba, v. 5, n. 1, p. 33-42, jan./jun. 2014.

LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017. 58 p.

MORGAN, Gareth. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.

Plano Nacional de Educação 2014-2024: Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara – Série legislação; n. 125, 2014. 86 p.

VAZ, José Carlos. Processos de trabalho no setor público: gestão e redesenho. 2008. Disponível em: <http://www.camaraitapevi.sp.gov.br/images/PDF/gactexto5.pdf>. Acesso em 14 de novembro de 2018.

SILVEIRA, Jader Luís da. A Universidade como cérebro para gestores: Educação Superior e Autonomia Universitária. P@RTES (São Paulo), ISSN 1678-8419. n.0, v. 1, p.1., 2019.

* Professor e Biólogo. Especialista em Uso Educacional da Internet pela Universidade Federal de Lavras – UFLA. MBA Executivo em Saúde e Especialista em Análises Clínicas e Microbiologia pela Universidade Candido Mendes – UCAM. P@RTES (São Paulo), ISSN 1678-8419. n.0, v. on-line, p.1., 2019.

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