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Entre a denúncia e o anúncio: educação crítica e violência obstétrica em Ji-Paraná, Rondônia

ENTRE A DENÚNCIA E O ANÚNCIO: EDUCAÇÃO CRÍTICA E VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA EM JI-PARANÁ, RONDÔNIA.

Josélia Gomes Neves

Fundação Universidade Federal de Rondônia

joseliagomesneves@gmail.com

Gisele de Oliveira

gissellee1994@gmail.com

Fundação Universidade Federal de Rondônia

Resumo: O objetivo deste texto é comunicar saberes pedagógicos sobre a Violência Obstétrica (VO). O estudo se caracteriza como qualitativo, um resultado parcial da pesquisa “Violência Obstétrica sob o olhar da Educação crítica” (2017-2019), campo do saber que entende os processos formativos como possibilidades de intervenção no mundo (FREIRE, 1987; 1997; 2002), no âmbito da pesquisa documental (GIL, 2008). Embora a VO seja de conhecimento recente no Brasil, é possível observar que a discussão para além do campo da saúde e do direito tem repercutido nas áreas da educação, justiça e cidadania.

Palavras-chave: Violência Obstétrica, Educação Crítica, Saber Local.

 

Introdução

            A Violência Obstétrica (VO) tem sido apresentada e problematizada em relatórios e estudos desde 2010. Sua repercussão na linguagem das redes sociais possibilitou a ampliação do debate nacional sobre o tema. Nosso olhar para a VO aconteceu no início do ano de 2017 quando uma pesquisadora da iniciação científica do Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia (GPEA), vinculada à Linha de Pesquisa Amazônia Feminista, da UNIR – Campus Urupá de Ji-Paraná sofreu essa violência. Em função disso, a temática passou a fazer parte dos estudos por meio do Projeto de Pesquisa intitulado: “Violência Obstétrica sob o olhar da Educação crítica”, ação do Programa – Violência contra a mulher, a Universidade mete a colher.

Neste trabalho, nosso objetivo principal é apresentar alguns elementos da sistematização que temos construído em relação ao tema Violência Obstétrica (VO) que envolve a adoção conceitual sobre o que é violência contra a mulher, o que é Violência Obstétrica (VO), principais características, repercussões midiáticas e respostas legais relativas a esta forma sutil de agressão às mulheres e justamente em um momento em que se encontram bastante vulneráveis.

Trata de uma pesquisa de caráter qualitativo, dentre outras questões, quando “[…] os materiais registados mecanicamente são revistos na sua totalidade pelo investigador, sendo o entendimento que este tem deles o instrumento-chave de análise. […]”. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 48). Em relação às fontes de dados, elas foram obtidas por meio da pesquisa documental, um recurso metodológico que “[…] vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa”. (GIL, 2008, p. 51), neste caso, a análise de relatórios – Fundação Perseu Abramo (2010), Parto do Princípio (2012) e Relatório Nascer no Brasil (LEAL et al, 2014) e materiais da internet. A etapa da pesquisa bibliográfica considerou as contribuições de Freire (1987; 2002), Saffioti (2011) e Rodrigues et. al., (2017), além da inserção de textos legais (BRASIL 1997; 2005; 2006; 2013).

 

I – Educação crítica: Violência contra a Mulher por meio da Violência Obstétrica

Quando falo em educação como intervenção me refiro tanto à que aspira a mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde, quanto à que, pelo contrário, reacionariamente pretende imobilizar a História e manter o ordem injusta. (FREIRE, 2002, p. 68).

A intenção deste tópico é apresentar os elementos teóricos referentes a educação critica na visão freireana, bem como as leituras sobre a violência contra a mulher e particularmente, Violência Obstétrica (VO) envolvendo a pesquisa bibliográfica (FREIRE, 1997;2002; SAFFIOTI, 2011) e documental (ONU, 1994; BRASIL, 1997; 2005; 2006).

No livro Pedagogia da Autonomia, o educador Paulo Freire, escreveu um tópico específico: Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo. No decorrer de seus escritos situa o exercício da docência como uma estratégia de manutenção das desigualdades, mas aponta também sua possibilidade de problematização para a superação das injustiças: “[…]. Sou professor [professora] a favor da esperança que me anima apesar de tudo. […] contra o desengano que me consome e imobiliza. […] lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. […]”. (FREIRE, 2002, p. 64).

Nesta mesma direção, nos apropriamos do binômio, denúncia e anúncio, termos adotados por Paulo Freire, para discutir as relações entre apontar problemas e elaborar proposições ou respostas a eles: “[…], não há utopia verdadeira fora da tensão entre a denúncia de um presente tornando-se c

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ada vez mais intolerável e o anúncio de um futuro a ser criado, construído, política, estética e eticamente, por nós, mulheres e homens. […]”. (FREIRE, 1997, p. 47). É nessa perspectiva que desenvolvemos os estudos acadêmicos no Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia (GPEA), particularmente na Linha de Pesquisa Amazônia Feminista.

A educação crítica de orientação freireana constitui o elemento teórico mobilizador para a luta por uma produção de conhecimentos que deva servir para combater as injustiças e desigualdades sociais. Assim, educação para este coletivo é um mecanismo de intervenção no mundo e que ao lado da denúncia em perspectiva decolonial, dos relatos de sofrimentos silenciosos ocorridos em leitos de maternidades, apontamos caminhos de superação, o anúncio por meio de estudos, legislação e outros. Dentre outras pautas, propomos como desafio o estudo da Violência Obstétrica envolvendo relações de educação e saúde estabelecidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), uma proposição que envolve o conhecimento como elemento preventivo (BRASIL, 1997).

Até o momento entendemos violência contra a mulher como ”[…] qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. […]”. (ONU, 1994, p. 3). Uma compreensão construída na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher também conhecida como a Convenção de Belém-PA realizada no Brasil (ONU, 1994).

Este texto representou um marco relevante para a visibilização da violência contra a mulher na medida em que diferentes países além de reconhecerem a sua existência de forma pactuada encaminharam medidas para a sua responsabilização, contextualizando-a inclusive como grave violação aos direitos humanos.

É possível observar que em um primeiro momento, a Convenção de 1994 explicita o que é considerada violência contra mulher, às ações deliberadas e endereçadas as pessoas dado sua condição, ou seja, ao fato de ser mulher, compreendida também como violência de gênero. Estas ações são especificadas em três formas: física, sexual e psicológica, independentes do espaço podendo ser público ou privado, realizada por particulares ou pelos agentes do Estado. Estudos demonstram que juntas ou separadas essas violências já atingiram quase 50% das mulheres do Brasil:

[…] 19% das mulheres declararam, espontaneamente, haver sofrido algum tipo de violência da parte de homens, 16% relatando casos de violência física, 2% de violência psicológica, e 1% de assédio sexual. […], 43% das investigadas admitem ter sofrido violência sexista, um terço delas relatando ter sido vítimas de violência física, 27% revelando ter vivido situações de violência psíquica, e 11% haver experimentado o sofrimento causado por assédio sexual. Trata-se, pois, de quase a metade das brasileiras. (SAFFIOTI, 2011, p. 47).

Retornando à Convenção, avaliamos que ela foi importante no delineamento da legislação brasileira de enfrentamento às violências cometidas contra as mulheres, caso da Lei 11.340/2006. A começar pelo seu nome, a Lei Maria da Penha, representou um avanço nesta temática, simbolizando por meio biográfico uma história de vida marcada por violações, mas também por superações.

Nesta direção, contribuiu para problematizar a mentalidade machista da sociedade brasileira que autoriza maus tratos, mutilação e assassinato de mulheres, fundamentada em argumentos patriarcais como a “legítima defesa da honra” ou sexistas, a cultura do azul e do cor de rosa.  Representou um marco no combate à violência contra a mulher e neste contexto, além das três violências já previstas na Convenção de Belém, acrescentou também a patrimonial e a moral, até então inexistentes na legislação.

A violência na Lei 11.340 de 2006 é tratada como “violência doméstica e familiar contra a mulher”. O artigo 5o estabelece a violência como: “[…] qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. (BRASIL, 2006, p. 1), neste contexto situamos a Violência Obstétrica (VO).

Compreendemos a Violência Obstétrica, como um conjunto de atos ”[…] praticados contra a mulher no exercício de sua saúde sexual e reprodutiva, podendo ser cometidos por profissionais de saúde, servidores públicos, profissionais técnico-administrativos de instituições públicas e privadas, bem como civis, […]”. (REDE PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 60). Esta é concepção apresentada no Relatório “Parirás com dor”, elaborado para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Senado Federal sobre a Violência Contra as Mulheres.

As leituras realizadas a partir deste documento permitem afirmar que esta feição da violência se materializa no âmbito do processo reprodutivo por meio de relações de poder paciente/profissionais da saúde em locais públicos ou privados como hospitais, maternidades, por exemplo.  Constitui um evidente quadro de desigualdade social com situações rotineiras de abuso, humilhações, impaciências, enfim, várias ações geralmente naturalizadas e marcadas pela cultura do silêncio (FREIRE, 1987) e impunidade.

 

II – Características da Violência contra a Mulher de caráter obstétrico: denúncias e anúncios

 

A violência no parto é uma realidade grave no Brasil, […] uma em cada quatro mulheres (25%) declarou já ter sofrido violência no parto, […] uma em cada quatro (23%) ouviu de algum profissional algo como: “não chora que ano que vem você está aqui de novo” (15%); “na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe” (14%); […]. Estas atitudes, dentre outras, caracterizam as diversas formas da violência obstétrica: física, psicológica, institucional, sexual, […]. (BRASIL, 2013, p. 63).

A publicação do relatório produzido pela Fundação Perseu Abramo (2010) revelou minúcias de dores silenciosas que acontecem nas instituições hospitalares do Brasil envolvendo mulheres gestantes. Neste sentido, discutiremos a temática a partir deste trabalho da Fundação Perseu Abramo (2010), das contribuições teóricas de Rodrigues et. al., (2017) e documentos como Parto do Princípio (2012), Relatório Nascer no Brasil (LEAL et. al., 2014), além de textos e imagens veiculadas nas páginas e redes sociais sobre a Violência Obstétrica.

Esta pesquisa conhecida como Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado, divulgada em agosto de 2010, possibilitou desdobramentos posteriores de ações governamentais e acadêmicas, além de importantes repercussões nas mídias sociais, alguns tratados neste trabalho. Em um dos tópicos da investigação, Piores coisas de ser mulher, Concepção/Gravidez, as mulheres apontaram seus temores a respeito do parto: “Sentir muita dor ao ter os filhos/dor/medo do parto/morrer no parto”. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 2010, p. 43).

Sobre o assunto, registros na mídia local sustentam que após 4 (quatro) anos desta publicação repercutiu em noticiários digitais de Ji-Paraná, um caso de Violência Obstétrica: Parto forçado em Ji-Paraná causa morte de bebê. Ressaltamos apenas esta situação porque foi a que conseguimos localizar no âmbito da fonte de dados que adotamos: a pesquisa documental (GIL, 2002). Não podemos afirmar que foi a única, talvez outras notícias semelhantes não tiveram a mesma visibilidade:

A mãe deu entrada no Hospital Municipal de Ji-Paraná (HM) no dia 1º de dezembro às 11h. A criança nasceu às 16h. Segundo a família, o parto foi forçado e houve falta de informação sobre o estado de saúde tanto da mãe quanto da filha. A tia da criança, […] acompanhou todo o preciso e fez o desabafo. “Olha… a gente chegou ao hospital (eu com a minha cunhada) para ganhar essa criança. Chegando ali não quis, primeiramente não quis me deixar entrar com ela para acompanhar. […]. Na portaria já fui barrada! Chegando lá, o médico fez o toque. A gente tem todos os laudos, a certidão de óbito em mãos, a cabeça da criança está ali no caixão amassada”, falou indignada. […].  O atestado de óbito de […] confirma que a causa de morte foi falência cardio-circulatória, Anoxia Neonatal Grave, Sindrome Aspiral mecônio, Sofrimento Peri natal. A família suspeita de negligência médica[1].

Os dados disponibilizados na matéria permitem compreender que houve Violência Obstétrica, dentre outros elementos, em função do impedimento de acompanhante junto à gestante por parte do Hospital Municipal. O texto na íntegra informa que a mãe era uma adolescente, o que amplia ainda mais o abuso cometido: “[…]. A dor do parto, no Brasil, muitas vezes é relatada como a dor da solidão, da humilhação e da agressão, […] dos profissionais de saúde que criam ou reforçam sentimentos de incapacidade, […] e impotência da mulher e de seu corpo”. (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 7). Esse descumprimento tem sido bastante denunciado nas mídias sociais, que cumprem um relevante papel de educação popular materializando possibilidades de denúncias e anúncios no dizer de Paulo Freire (1997).

O que é mais estarrecedor é que há 15 (quinze) anos o Brasil dispõe de uma normativa referente ao direito da gestante de dispor de uma presença de sua confiança no processo do parto, a Lei 11.108 (BRASIL, 2005). Um direito que demanda informação qualificada, trabalho realizado por ativistas sociais no âmbito das redes da internet, condição para a efetiva vivência cidadã: “O conhecimento da Lei do Acompanhante deve ser efetivo para a garantia do direito à mulher, instituindo o processo de respeito, apoio e confiança. O acesso à informação deve ter início já no acompanhamento pré-natal, […]”. (RODRIGUES et. al., 2017, p. 4).

                                

Figura 1 – Direito a Acompanhante

Fonte: Imagens da Internet

É possível inferir que a presença do acompanhante possa evitar maus tratos e negligências médicas e neste contexto pode atuar na mediação no processo tendo por referência a voz da gestante, além do reconhecimento que: “[…] a presença de um acompanhante da escolha da mulher é a melhor ‘tecnologia’ disponível para um parto bem-sucedido: mulheres que tiveram suporte emocional contínuo durante o trabalho de parto […] relataram maior satisfação com a experiência […]”. (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 16).

Não foi possível localizar medidas ou efeitos que pudessem sugerir problematização jurídica ou administrativa em relação à Violência Obstétrica ocorrida no Hospital Municipal de Ji-Paraná em 2014. Não localizamos registros de manifestação do prefeito da época, o senhor Jesualdo Pires (PSB), nem tampouco dos fiscalizadores (as) do legislativo sobre a questão. A fala do secretário municipal na ocasião foi vaga e não houve registros referentes a alguma providência de apuração de responsabilidades nem da abertura de sindicância que prometeu encaminhar. E a propósito, ele continuou até 2019 como o titular da pasta da saúde em Ji-Paraná, Rondônia.

Assim, a Violência Obstétrica ocorre pela inação das autoridades, um evidente descumprimento da pactuação feita na Convenção em 1994 quando o Brasil se comprometeu a combater todas as formas de violência contra a mulher. De igual modo, a VO se manifesta pelo impedimento do acompanhamento junto a gestante no trabalho de parto, além das outras tipificações como a física, psicológica e sexual. Podem provocar dor leve, média ou intensa e são intervenções que não possuem sustentação científica, tais como: “[…] privação de alimentos, interdição à movimentação da mulher, tricotomia (raspagem de pelos), manobra de Kristeller, uso rotineiro de ocitocina, cesariana eletiva sem indicação clínica, não utilização de analgesia quando tecnicamente indicada”. (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 60, grifo nosso).

Figura 2 – Manobra de Kristeller

Fonte: Imagem da Internet

Já a Violência Obstétrica de caráter psicológico diz respeito às ações verbais ou relacionadas às atitudes que podem repercutir na mulher por meio de “[…] sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, instabilidade emocional, medo, acuação, insegurança, dissuação, ludibriamento, alienação, perda de integridade, dignidade e prestígio”. (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 60).

A produção destes sentimentos se evidencia através de xingamentos, apelidos desrespeitosos, ameaças, piadas depreciativas, e ainda “[…] chacotas, humilhações, grosserias, chantagens, ofensas, omissão de informações, informações prestadas em linguagem pouco acessível, desrespeito ou desconsideração de seus padrões culturais”. (IDEM, 2012, p. 60). Assim, explicitam ações com prejuízos psíquicos para o presente e possíveis desdobramentos futuros em algumas situações se manifestam nos processos gestacionais posteriores.

Documentos informam que há também a Violência Obstétrica em formato sexual. Um conjunto de ações que são impostas à mulher e que de alguma forma podem se constituir em violações de sua intimidade com implicações diretas em “[…] sua integridade sexual e reprodutiva, podendo ter acesso ou não aos órgãos sexuais e partes íntimas do seu corpo […]”. (IBIDEM, 2012, p. 60).

Ocorrem por meio de atividades como exposições desnecessárias do corpo nu, assédios constantes, toques sucessivos em situações de aula ou estágio, além de “[…] episiotomia, assédio, exames de toque invasivos, constantes ou agressivos, lavagem intestinal, cesariana sem consentimento informado […]”. (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 60). Os estudos de Leal e colaboradores (2014) informam que a episiotomia foi um dos procedimentos realizados em mais da metade das mulheres participantes da pesquisa e em quase 75% das gestantes “marinheiras de primeira viagem”. Denuncia que esta intervenção supostamente feita para ajudar a gestante a parir em algumas situações nada mais é que a aceleração no trabalho de parto em função de interesses alheios a ela.

Figura 3 – Episiotomia

Fonte: Imagem da Internet

Muitos procedimentos adotados no decorrer do trabalho de parto e que podem ser interpretados como Violência Obstétrica são utilizados muito mais como costume pelos profissionais da saúde do que como intervenção justificada conforme aponta estudo sobre intervenções evidenciado no Relatório Nascer no Brasil: “[…] em grande parte, foram desnecessárias e cumpriram o papel de repetição de uma rotina que parece não consi­derar nem a demanda clínica das pacientes nem as evidências científicas do campo”. (LEAL, et al., 2014, p. 22).

Mas o processo gestacional pode ser vivenciado como algo satisfatório desde que sejam materializadas políticas públicas a favor da maternidade. É possível vivenciar um processo antes e durante o trabalho de parto de forma segura e realizar o sonho de ser mãe com situações em que a gestante possa fazer: “[…] ingestão de líquidos ou alimentos du­rante o trabalho de parto, uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor, mobilidade […]. [ter] a pre­sença de acompanhante durante todo o período de hospitalização, […]. (LEAL, et al., 2014, p. 19).

Neste sentido, algumas importantes medidas de combate à Violência Obstétrica têm ocorrido no país como a matéria Vítimas da Violência Obstétrica: o lado invisível do parto publicada pela Revista Época em 4 de agosto de 2015.  O tema é discutido a partir de relatos dos abusos sofridos complementados por imagens das próprias vítimas.

A outra iniciativa veio do estado de Santa Catarina por meio da Lei 17.097 de 2017. Constituiu o marco inaugural desta discussão no âmbito do Direito. Apresenta mais elementos de caráter pedagógico que punitivo na medida em que investe na informação como recurso formativo. Disponibiliza a definição de Violência Obstétrica, características, bem como os procedimentos interventivos que só podem ser feitos mediante autorização das gestantes.

Figura 4 – Violência Obstétrica

Fonte: Imagens da Internet

Outras ações vêm sendo desencadeadas no sentido de enfrentar à Violência Obstétrica (VO) no Brasil. Destacam-se as legislações estaduais e principalmente as municipais: citamos a Lei nº 14.598/2015 do município de Curitiba (PR), a Lei nº 2228/2018, de Vitória da Conquista (BA), Lei nº 13.448/2017 de João Pessoa (PB), em Rondônia a Lei estadual nº 4.173/2017 e em Ji-Paraná, a Lei nº 3215/2019, dentre outras.

A publicação de estudos sobre o assunto contribuiu para a disseminação de maiores informações sobre o tema, seja nas redes sociais ou mesmo na inversão normativa que tem subvertido a tradição de elaboração de leis no país sobre violência contra a mulher. Observamos que ao invés de uma legislação de caráter nacional, os estados e municípios têm assumido o protagonismo de produzir suas próprias normativas.

 

Considerações Finais

 

Na atualidade é impossível discutir a violência contra a mulher sem incluir a Violência Obstétrica (VO). As dores e humilhações que por muito tempo estiveram presas a espaços de hospitais e maternidades e n as memórias de sofrimento das mulheres e seus familiares, aos poucos têm ecoado em muitas denúncias e anúncios: sindicâncias, processos, audiências públicas, anteprojetos de lei, leis estaduais e municipais disseminados, legitimadas e ampliadas na internet.

Procuramos explicitar neste texto uma comunicação de saberes pedagógicos sobre a Violência Obstétrica (VO) resultado do estudo “Violência Obstétrica sob o olhar da Educação crítica” (2017-2019), desenvolvido em Ji-Paraná, estado de Rondônia, Brasil. Uma discussão que teve seu começo com uma dor próxima… Os recursos metodológicos que possibilitaram esta escrita foram a pesquisa documental.

Aprendemos com Paulo Freire que a constatação do inacabamento traduzido em perguntas nos provoca a elaborar mais conhecimento.  A sua apropriação permite a realização de reflexões críticas sobre a realidade, ora de denunciar as injustiças sociais como também de anunciar possíveis ações de combate à desumanização por meio de muitas linguagens: pesquisas, relatórios, imagens, debates e leis, dentre outros.

Os resultados do estudo apontam que embora a discussão sobre a Violência Obstétrica seja recente no Brasil, inegavelmente o debate sobre o assunto cresce a cada dia. Assim, o tema não se limita mais apenas à área da saúde e do direito, uma vez que tem repercutido no campo da educação, justiça e cidadania.

Foi possível compreender que a mobilização em torno do assunto da Violência Obstétrica tem produzido um movimento inverso no Brasil no que diz respeito à elaboração de leis acerca da violência contra a mulher. Até então, a legislação tinha apresentado um caráter nacional, fruto da atuação do Congresso Nacional.

Entretanto o que observamos desde 2015 é um movimento crescente de trabalho sobre normativas de combate à Violência Obstétrica nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Um trabalho apoiado por entidades de pesquisa, organizações feministas, Ministério Público, pessoas que sofreram esta violência e outros coletivos.

Talvez essa caminhada sobre Violência Obstétrica possa significar menos cultura do silêncio no dizer de Paulo Freire, diante de expressões coloniais: Não hora de fazer o bebê não gritou, porque está gritando agora? Possivelmente poderá haver mais linguagem libertadora: Eu gritei e muito meu bem na hora de fazer o bebê… Mas esse grito é outro. São gritos diferentes. Gritar é um direito!

 

Referências

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